Achei o texto interessante sob alguns aspectos, mas ao mesmo tempo acho que faz algumas generalizações bastante problemáticas, a começar pela ideia de "brasileiro médio" - que não existe. Abordagens centradas no "fulano médio" tendem sempre ao abstrato e nos afastam da realidade. O "Fenômeno Bolsonaro" me parece muito mais complexo que isso.
Além disso, o autor faz uma análise estática demais para meu gosto. Há que se explorar com muito mais detalhes as dinâmicas políticas, sociais, econômicas e culturais brasileiras nos últimos 30 ou 20 anos para compreender melhor isso.
Não me parece que tudo se resuma a essa "psicologia de massas" pseudo-freudiana. Do ponto de vista cultural, há que se levar em conta a convergência de paternalismo e messianismo, sempre latente em nossa cultura política, que vez por outra é captada por algum político carismático (Vargas e Lula são apenas 2 exemplos disso).
Não me parece que tudo se resuma a essa "psicologia de massas" pseudo-freudiana. Do ponto de vista cultural, há que se levar em conta a convergência de paternalismo e messianismo, sempre latente em nossa cultura política, que vez por outra é captada por algum político carismático (Vargas e Lula são apenas 2 exemplos disso).
Também há que se tomar em consideração o projeto lulista de inclusão social via consumo, que entrou em colapso junto com a economia em 2014, gerando uma tremenda onda de frustração entre seus próprios beneficiários. Muitas pessoas cujos padrões de vida haviam melhorado, tant bien que mal, durante as primeiras gestões do PT se ressentiram profundamente da recessão econômica cujos sinais começaram a se anunciar ainda no primeiro mandato de Dilma. A estagnação ou piora dos padrões de consumo da "nova classe média" alimentaram uma onda de insatisfação popular que viabilizou o impeachment de 2016 e a ânsia por um novo "salvador da pátria".
Também precisa se levar em conta a irresponsabilidade política de PT, PSDB e PMDB, cujas lutas eleitoreiras e dúbios pactos de governabilidade conduziram tanto ao descrédito da democracia constitucional quanto à aguda polarização política - fenômenos que, ambos, geraram o vácuo de poder e o ambiente venenoso onde o bolsonarismo pôde prosperar. O impacto da Lava-Jato sobre o imaginário político tampouco pode ser menosprezado.
O mesmo se diga dos bizarros desdobramentos de 2013, que começou como um movimento da esquerda "bastarda" (desacreditada pelo PT e opositora de alguns de seus aliados, como Sérgio Cabral), e acabou gerando subprodutos como MBL e congêneres - militâncias digitais ultraliberais ou ultraconservadoras que se fortaleceram com a mobilização pró-impeachment de 2016. Entre as "Jornadas de Junho" de 2013 e a controversa Copa de 2014 nasceram as militâncias com camisas da CBF e bandeira nacional cujo beneficiário inicial foi Aécio Neves nas eleições de 2014, mas foram posteriormente cooptadas por Bolsonaro.
Também se faz necessário pensar na explosão neopentecostal dos anos 80 e 90 e seus desdobramentos políticos, em boa medida encorajados pelo PT (Magno Malta - "fiel" apoiador de Lula, Dilma, Temer e, finalmente, Bolsonaro - é uma figura muito emblemática, nesse sentido). O PT apoiou partidos e lideranças evangélicas de credenciais mais que dúbias durante anos, alimentando outro dos afluentes que finalmente desembocou no amplo apoio a Bolsonaro por parte de organizações religiosas politicamente aparelhadas e formadoras de um eleitorado fiel às orientações, explícitas ou veladas, vindas do púlpito.
O lamentável episódio do atentado em Juiz de Fora também não pode ser menosprezado - muita gente se alinhou a Bolsonaro na esteira da comoção gerada pela facada. Vi mais de uma pessoa se convencer a votar em Bolsonaro por acreditar que a facada era uma desesperada tentativa do "istablichem" de matar o único homem incorruptível que podia ameaçá-lo. Para muitos, a facada converteu Bolsonaro numa espécie de "mártir da Pátria". Por sinal, o episódio sempre é lembrado pelo séquito presidencial em momentos de crise, reativando e mobilizando essa memória conforme as necessidades e conveniências.
Em suma, o tema é muito complexo; a esquerda precisa encarar a realidade e parar de requentar as velhas teses (em parte verdadeiras) de que tudo se resume a uma reação da dita "classe mérdia" racista, machista, homofóbica e "pobrofóbica" que não aceitou ver pobre em aeroporto, negro na universidade etc. Essas pessoas e atitudes existem, mas acho um equívoco dizer que esse seria o "brasileiro médio" e que o "Fenômeno Bolsonaro" seria mero reflexo disso.
Nossa paisagem política sempre tende mais às engenhosas ilusões de Escher que à pureza neoclássica.
"Dia e Noite" (1938), de Escher |
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