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segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

"C'est pour cela que je suis née"

"Je ne crains pas les gens de guerre, car j’ai mon chemin tout aplani; et, s’il se rencontre des hommes d’armes, j’ai Dieu, mon Seigneur, qui saura bien me frayer la route pour aller jusqu’à messire le dauphin. Car c'est pour cela que je suis née".

Atribuído a Joana d'Arc




domingo, 18 de dezembro de 2022

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Vem, Verdade!

Voluptuosos velhacos vivem vitoriosos; vaidosos, visitam vistosas vigas e volutas - vãos vestítigios de velhos vigaristas. 

Vieram, viram, venceram!

Vemos à volta vilanias, violências e violações; vidas vendidas por vis valores.

Velhas vaidades vicejam, volumosas, vestindo vexames e vertendo venenos.

Vadios vinhateiros vindimam vinagres, vaticinando vasto vácuo vertiginoso.

Vozes vorazes vaiam vagos vagalumes valentes.

Violentos e vulgares vigilantes vagam vasculhando vilas, vales e vilarejos.

Vulneráveis vítimas, vivemos por vazias vias vagabundeando; vinganças vindouras viciam virtudes. 

Verdade, Verdade, vens?

"A Verdade saindo do poço" - Jean-Léon Gérôme, 1896


Obsolescência e esperança

Quase tudo se torna obsoleto algum dia.

Algumas coisas deveriam ficar obsoletas mais rápido que outras - como a escravidão, que levou alguns milênios até que fosse reconhecida sua obsolescência pela coletividade humana de modo, espera-se, irrevogável. 

Algum dia, quem sabe, guerras e outras barbaridades também se tornarão relíquias de um passado tenebroso, memórias sombrias de épocas lembradas com espanto e repulsa. 

Todo passado já foi presente; todo presente será passado. Há algo de consolador em constatar a impermanência das coisas, em perpétua - ainda que lenta - mutação. A humanidade se renova a cada dia.

Ao menos as esperanças são gratuitas...

Shiva, mestre das mutações


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"O público adota as Fábricas como lar" - Entrevista com Wesley Nunes

Há mais de uma década em funcionamento, o programa "Fábricas de Cultura", mantido pelo governo de São Paulo oferece atividades culturais variadas em diversos pontos do Estado. Wesley Nunes, que trabalha na Fábrica de Cultura de Vila Curuçá, nos conta um pouco mais sobre essa bem sucedida iniciativa.

Como funcionam as Fábricas de Cultura?

As Fábricas de Cultura são administradas pela Organização Social Catavento Cultural e Educacional e funcionam a partir de uma política pública do Estado de São Paulo. Elas estão localizadas em pontos estratégicos das periferias de São Paulo - há uma em São Bernardo do Campo e recentemente foi inaugurada outra na cidade de Santos. Este ambiente fornece cursos voltados para a formação artística - entre eles posso citar Balé, Street Dance, Circo, Capoeira, Violão, Violino, Percussão e muitos outros. O maior foco é para crianças e adolescentes, entretanto, há cursos para adultos e para o pessoal da terceira idade. Não há custo nenhum de mensalidade, nem de matrícula. Além disso, são fornecidos instrumentos para os aprendizes e um lanche. As aulas duram três horas e são realizadas duas vezes por semana para as crianças e adolescentes; há aulas em um número menor direcionadas ao público adulto no período noturno e aos sábados. O espaço também dispõe de biblioteca, teatro e promove diversos eventos. Ao pensar na Fábrica de Cultura penso em um grande polo cultural de ensino. E não posso deixar de mencionar que as Fábricas estão passando por um processo de atualização e irão fornecer cada vez mais cursos nas áreas de tecnologia.

Como você avalia o impacto das Fábricas de Cultura na vida do público participante? Você poderia citar algum caso que marcou você, nesse sentido?

O público adota as Fábricas como lar. Converso com os funcionários mais antigos da casa e a frase que mais ouço é "Eu vi essa menina e esse menino crescerem". Há o ensino das artes e o envolvimento cultural através de atividades realizadas na biblioteca e pelos ateliês de ensino e isso é maravilhoso. Porém, tenho que destacar o impacto social e a construção da cidadania. Os alunos fazem amizades, desenvolvem a empatia e passam a possuir um olhar diferenciado sobre a sociedade que os cerca. Converso com os aprendizes e é incrível como eles possuem uma visão aberta. Eles enxergam o bairro ao redor deles, mas também a cidade e o país como um todo. Até os sonhos deles são grandes. Vejo que a Fábrica de Cultura conseguiu se inserir nas periferias e demonstrar que mudanças e uma vida melhor são possíveis.

Todo dia tem um caso marcante. Já ouvi criança de oito anos com um brilho nos olhos dizendo que quer ser advogada e pedindo livros; um garoto tocando como um profissional e com os trejeitos de um guitarrista; uma garotinha com uma necessidade especial feliz por poder jogar capoeira; um aprendiz que saiu da fábrica e hoje se apresenta na Europa; as mães e pais orgulhosos ao ver uma apresentação; um garoto interessado no Balé, meninas querendo jogar xadrez e os abraços de aprendizes que não tem medo de demonstrar amor e acabam encontrando um belo caminho para serem felizes. Tudo isso é marcante.

Qual é a sua história com o programa? O que significa, para você, trabalhar na Fábrica de Cultura?        

Antes de trabalhar na Fábrica a minha relação era de expectador. Ao começar, a minha vida mudou. Sou muito grato por poder fornecer educação, reflexão e entretenimento para as pessoas. Como em qualquer trabalho, existem não só os números como também as metas. Elas são alcançadas junto com a satisfação de ver vidas sendo mudadas. Perco a conta das crianças que entram só para usar o computador e um tempo depois fazem amizades, se interessam pelos cursos, pegam livros emprestados e... elas simplesmente se soltam. Nada mais recompensador que ver pessoas leves e livres. Até mesmo eu sinto-me assim. Perdi muito da minha timidez, conheci novas artes e, principalmente, vejo esperança. Estive muito tempo esperando uma grande revolução gerada a partir de redes sociais. Hoje, ao ver a mudança florescer aos poucos no mundo real, sinto-me feliz com o meu andamento profissional e pessoal - lidar com esperança me deixou mais leve para lidar comigo mesmo e com os outros.

Na sua opinião, que lições o programa pode oferecer para se pensar as políticas públicas de Cultura no Brasil? Que contribuição iniciativas como as "Fábricas de Cultura" podem oferecer não apenas a seu público alvo, mas à sociedade brasileira, como um todo?

Primeiramente, o programa já quebra muitos estereótipos de que o brasileiro não gosta de arte; de que na periferia nada vai para frente e de que o brasileiro não tem jeito. A Fábrica de Cultura forma cidadãos que estão interessados em atuar na sociedade, ter uma profissão e exigir direitos enquanto tem a plena noção de quais são os seus deveres. É um local perfeito para complementar os estudos da escola. Aliás, vendo a Fábrica atuar, eu penso em como a escola pode ser diferente. Arte deve ser parte importante na formação do jovem: estimula a empatia, ensina sobre responsabilidade e melhora a interpretação da realidade a sua volta.

Acredito que a Fábrica como um todo pode ensinar a importância da arte na formação do jovem, do adulto e do idoso. Também pode ensinar sobre empatia; acreditar em sonhos e a não só respeitar como também exigir melhorias no bairro, na cidade e no país. Um local que acolhe, ensina e diverte provoca apego. Tendo essa relação estabelecida, o cuidado para com ele será consequência. Sonho que este apego seja multiplicado para as escolas, hospitais, tribunais, transporte público e outros setores vitais para a sociedade.

Agradeço por me dar a oportunidade de falar de um local que gosto tanto!





sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Le tocsin

"Vite, vite!

On sonne le tocsin,

Entendez-vous?"

- S'écriaient, gourmands,

Les vautours...



Aviso aos incautos

Na última semana circulou bastante na Internet a capa da revista Money Week, acompanhada da tradução: "Aposte no Brasil - Ele liderará a economia global". Entusiastas de Lula acolheram a novidade com grande empolgação - afinal de contas, após quatro anos ridicularizados na mídia internacional, é natural que se queira ver o Brasil em posição de destaque internacional, ainda mais "liderando" a economia global.

Mas há que se ter cautela na interpretação da dita capa - bem como da matéria correspondente.

Embora simpática, a arte de capa apresenta o Brasil basicamente como exportador de commodities e turismo - a parte que sempre nos coube no latifúndio global. Vale também observar que a frase original, "It will drive global economy" é bastante ambígua. "To drive" não necessariamente significa "liderar". Eu traduziria principalmente como "Ele movimentará a economia global". Nenhuma das definições do verbo "to drive" no Merriam-Webster se traduz bem por liderar. Há imensa diferença entre movimentar/aquecer a economia e liderar a economia. 

A própria ideia de "apostar no Brasil", no jargão financeiro, é pouco alvissareira para nós - especialmente considerando o público-alvo da revista. Apostar tem conotação muito diferente de investir. No mercado financeiro, apostar geralmente é sinônimo de alto retorno em curto prazo, com pouco compromisso. Bom pro capital especulativo; péssimo para o povo brasileiro.

Convém ainda ressaltar que a imagem do futuro presidente como vendedor ambulante acolhendo os "gringos" é bastante problemática. O entusiasmo desmedido pela simples capa de uma revista estrangeira diz muito sobre o modo como nos vemos no mundo, sempre carentes de (supostos) elogios vindos "de cima" - parte integrante de nosso famoso "complexo de vira-lata".

Não é questão de pessimismo - o grande problema é que o povo brasileiro já viu esse filme mais de uma vez e sempre termina com o Brasil endividado, quebrado e à beira do colapso social. A elite econômica nacional quase sempre enriquece no processo e, no final da festa, o "povão" é que paga a conta e fica com a ressaca. Ou a gente aprende com os erros ou fica repetindo.

O texto da matéria propriamente dito, que pouca gente parece ter se dado ao trabalho de ler, confirma parcialmente esses temores. Muito embora não encoraje o investimento especulativo de curto prazo, o texto ressalta os custos relativamente baixos de se investir no Brasil, com uma elevada relação custo-benefício - ou seja, a grande oportunidade se refere menos a questões de ordem qualitativa que aos valores de investimento comparativamente baixos que o Brasil oferece em relação outras economias emergentes. 

A "grande aposta" sugerida aos potenciais investidores estrangeiros é na velha trinca agropecuária (café, açúcar, soja, milho, carne bovina e biocombustíveis), mineração (níquel e ferro) e petróleo - mais do mesmo: os séculos passam, mas a cana-de-açúcar continua sendo um dos melhores negócios da Terra de Santa Cruz. A bem dizer, não é improvável que se trate de matéria paga pelas empresas e fundos mencionados na última página como boas opções de negócio no Brasil. Não se trata de avaliação econômica desinteressada; todo o texto é direcionado a potenciais investidores/especuladores. O entusiasmo agroexportador, por sinal, tende a desabastecer o mercado interno e não é nada bom para a gente, que só quer botar comida na mesa.

Para variar, não somos os convidados do banquete; somos o prato principal...

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Bolsonaro perdeu - E agora?

A derrota de Bolsonaro é algo a comemorar, mas superestimá-la significa um grave erro. Convém agora abandonar quaisquer delírios triunfalistas e encarar as duras realidades. Grandes desafios se anunciam para os próximos dias, semanas, meses e anos.

Tudo indica que teremos dois meses de turbulenta transição até a posse de Lula.

Bolsonaro foi derrotado, mas o "neo-lacerdismo" que ele cavalgou continua vivo e perigoso. As eleições para o poder Legislativo foram uma tragédia, com destaque para o Senado. O mesmo pode ser dito de inúmeros governadores eleitos ou reeleitos.

Nunca é demais lembrar que Bolsonaro foi derrotado por um triz e a troca de presidente, por si, não sanará os problemas que a presente gestão nos trouxe, com sua sanha autoritária, flagrante desrespeito à Constituição e menosprezo pelas instituições democráticas.

Com ou sem Bolsonaro, o antipetismo seguirá sendo uma força social relevante e o clima de polarização sociopolítica pode se agravar, se não formos vigilantes. Nosso maior desafio para os próximos quatro anos é desarmar essa bomba. Isso requer abrir mão de certo senso de superioridade moral que parte da esquerda há muito cultiva.

Precisamos entender, com a máxima clareza, que os eleitores de Bolsonaro são nossos concidadãos, e não nossos inimigos. 

É chegado o momento de baixar armas, construir pontes e buscar novas vias de diálogo com esses milhões de brasileiros que pensam de modo diferente de nós. Me recuso a acreditar que todos os eleitores de Bolsonaro sejam racistas, misóginos e homofóbicos com inclinações fascistóides. Suponho que boa parte deles votou mais contra Lula que a favor de Bolsonaro. Uma parcela desse eleitorado certamente adere completamente ao discurso odiento de Jair Messias Bolsonaro, mas quero crer que sejam uma minoria. Tendo a concordar com a lúcida fala do rapper Mano Brown em 2018:

Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, que me respeitavam, me amavam, me serviam café, atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros. Não posso acreditar nisso. Essas pessoas não são tão más assim. Se em algum momento a comunicação do pessoal aqui falhou, vai pagar o preço. Se não conseguir falar a língua do povo vai perder mesmo. Falar bem do PT pra torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício. Errou, vai ter que pagar mesmo. Não gosto de clima de festa. O que mata a gente é a cegueira. Deixou de entender o povão já era.

O medo paranoico de coisas como a instauração de um regime comunista ou da "cristofobia" (para ficar apenas com alguns exemplos) não corresponde a objetos reais, mas é uma realidade subjetiva para aqueles que o vivenciam. Atacar essas pessoas ou rotulá-las de modo pejorativo só tende a reforçar e confirmar essas paranoias - justamente o oposto do que necessitamos.

O desejo de revidar é certamente forte, mas devemos resistir a ele com todas nossas forças. Precisamos cultivar a paciência necessária para ouvir o que cada um tem a dizer (por desagradável que nos pareça) e responder com serenidade - não com a pretensão de convencer ou converter ninguém, mas simplesmente de reduzir o terrível nível de tensão social que tanto tem intoxicado as relações sociais nas mais diferentes esferas de convívio. 

A democracia não existe sem diálogo com o diferente e sem a busca de pontos de interesse comum que permitam a coexistência pacífica entre os cidadãos. A polarização que vem solapando nossa democracia se alimenta do ódio, da discórdia e da desconfiança; o primeiro lugar em que devemos buscar extinguir essas emoções é dentro de nós mesmos. Pouco adianta afirmar o triunfo do amor se estivermos, nós mesmos, repletos de ódio.

Como disseram algumas pessoas, "derrotamos Bolsonaro, agora precisamos derrotar o bolsonarismo" - e a única ferramenta para isso é cuidar das feridas que trazemos. Não se apaga um incêndio com gasolina, nem se cultiva a paz com palavras rancorosas. Ofensas, zombaria e menosprezo nunca cativaram ninguém.

Precisamos entender que estamos todos em um mesmo barco chamado República Federativa do Brasil, um barco que atravessa uma tempestade e cujo naufrágio só pode ser evitado se houver entendimento entre seus tripulantes.

Precisamos restaurar e reconstruir, laboriosamente, tudo que foi arruinado nesses últimos anos. Não existe caminho para superar nossos problemas coletivos sem passar pela reconciliação. Nesse sentido, um grande exemplo para nós deve ser Nelson Mandela que evitou cuidadosamente tomar atitudes revanchistas após a abolição do apartheid na África do Sul, contribuindo para a superação de uma terrível divisão histórica, marcada pela mais brutal segregação.

Vale sempre lembrar as palavras de uma das maiores lideranças políticas do século XX, Martin Luther King, que também entendia muito sobre o poder do rancor e a importância da reconciliação:

Ódio e amargura nunca podem curar a doença do medo; só o amor o pode fazer. O ódio paralisa a vida; o amor a liberta. O ódio confunde a vida; o amor a harmoniza. O ódio escurece a vida. O amor a ilumina.

Convém ressaltar que, para Luther King, o "amor" não era questão de sentimentalismo piegas, mas sim de uma atitude desafiadora, de uma radical abertura ao outro, com suas contradições, mesmo as mais abomináveis:

É muito difícil gostar de algumas pessoas. O gostar é controlado pelo sentimento e é muito difícil gostar de alguém que bombardeia sua casa; é muito difícil gostar de alguém que ameaça seus filhos; é difícil gostar de congressistas que passam todo o seu tempo tentando derrotar os direitos civis. Mas Jesus nos diz para amá-los, e amar é mais sublime que gostar.

Muitos de nós passaram os últimos meses afirmando que o amor venceria o ódio; mas esse não é o tipo de vitória que se alcança e conquista nas urnas, como em um passe de mágica. Para que o amor realmente vença o ódio, precisamos promover essa vitória dentro de nós mesmos e fazer com que ela alcance aqueles que estão ao nosso redor em nossa vida cotidiana - caso contrário, o ódio permanecerá vitorioso sobre o amor, e tudo não terá passado de um slogan eleitoral vazio como tantos outros.



segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Torii

Mil portais

Mil degraus

Mil travessias

Mil barreiras superadas

Mil passos mais perto da Verdade

Mil passos de cada vez, sempre longe

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Chaves, Chapolim e as eleições de 2022

Em quem votariam os queridos personagens de Roberto Gomez Bolaños? 

Chapolim Colorado - Sempre atrapalhado e indeciso, Chapolim se deixa enganar facilmente. Votaria em Bolsonaro, depois mudaria para Lula, mas acabaria se atrapalhando com a urna e anulando, mas não daria o braço a torcer - "seus movimentos são friamente calculados".

Dr. Chapatim  - Adepto de terapias controvertidas e nada ortodoxas, o ilustre médico viraria entusiasta da cloroquina e votaria em Bolsonaro.

Jaiminho, o carteiro - Sempre evitando a fadiga, não pesquisaria melhor sobre as fake news recebidas via WhatsApp e decidiria votar em Bolsonaro. No dia da eleição não apareceria para votar - para evitar a fadiga, obviamente.

Godinez - Pragmático, decidiria o voto no cara-ou-coroa pouco antes de entrar na cabine eleitoral. Bolsonaro se desse cara, Lula se desse coroa - e nulo caso a moeda caísse de pé... Assobiando "Cielito Lindo", como de costume. Chamado pelo mesário, indagaria: "Mas por que eu, se eu não fiz nada?"

Pópis - Sempre ingênua, cairia na lábia de Michelle Bolsonaro; se o governo for ruim, é culpa da Serafina - "Feia, feia, feia"!

Nhonho - Perderia a hora de votar, pois pararia no meio do caminho para comprar uma melancia.

Dona Clotilde - Eternamente difamada como "Bruxa do 71", votaria em Lula, para evitar  perseguição por Damares Alves e proteger a vida de seu querido Satanás.

Professor Girafales - Apesar de certa arrogância elitista, Mestre Linguiça é ferrenho opositor de todo tipo de obscurantismo e truculência, defensor do método científico e da importância da educação para o futuro da sociedade; conhecedor de Botânica, valoriza a biodiversidade e reconhece a importância da Amazônia no combate às mudanças climáticas. Votaria em Lula (escondido de Dona Florinda).

Dona Florinda - Apoiaria Bolsonaro incondicionalmente, pois defende a família, a moral, os bons costumes e acredita na violência como melhor forma de lidar com a "gentalha". Morre de medo do Comunismo e do fim da propriedade privada, embora não seja proprietária sequer da casa que habita. Vive de pensão, mas apoia a reforma da Previdência. Dona de um pé sujo, mas acha que merece estar no Guia Michelin. Emoldurou e pendurou na parede um retrato de Sérgio Moro. Nem percebe que a conta na venda da esquina fica cada semana mais alta - e não por culpa do Seu Madruga!

Quico - Um menino de bom coração, mas não pensa com a própria cabeça, seguindo cegamente a opinião da mãe - votaria em Bolsonaro. Start-upeiro bancado pela mamãe, atribui o suposto sucesso de sua "Super de Quico" ao superministro Paulo Guedes.

Chiquinha - Esperta e sagaz, a pragmática defensora dos "direitos da mulher feminina" não teria dúvidas de que Lula é a melhor opção - mesmo não sendo grande coisa.

Seu Madruga - Constante vítima de arbitrariedades e violência, não poderia em sã consciência votar no candidato da "Valentona do 14". Seu Madruga aprende com as pancadas que a vida lhe dá e não pretenderia passar mais quatro anos de perrengue nas mãos de Bolsonaro - iria de Lula, com certeza.

Seu Barriga - Rico proprietário de imóveis, antenado na política internacional e entendido de economia, Seu Barriga jamais cairia nas lorotas e desculpas esfarrapadas de Paulo Guedes - o fracasso econômico brasileiro não é culpa da pandemia, da guerra e muito menos dos energéticos. Acostumado a lidar com dólares, sente saudades de Lula.

Dona Neves - Ativa defensora dos trabalhadores, vinculada a importantes grêmios como DNVR, UTPJ E APDF, Dona Neves jamais apoiará um presidente que diz que o trabalhador deve abrir mão de direitos se quiser emprego! 

Chaves - Não entende nada de política, mas lembra que na época de Lula o desjejum era mais farto na casa de Seu Madruga. Bolsonaro nem pensar!



quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Carta a um amigo indeciso

Caro amigo,

Você diz ser difícil escolher entre Lula e Bolsonaro. Embora, como você, não tenha votado em nenhum dos dois no primeiro turno, a meu ver, a decisão é muito simples. 

É a escolha entre o candidato suspeito de corrupção cujo partido passou 14 anos no poder respeitando a Constituição (e fazendo um governo razoável) e um candidato suspeito de corrupção com aspirações escancaradamente ditatoriais que passou 4 anos tentando derrubar e enfraquecer as instituições democráticas de todas as maneiras imagináveis - e, além disso, teve um desempenho trágico enquanto governante. 

Não é uma escolha difícil para mim. É como escolher entre levar um tiro no pé ou um tiro na cabeça - desnecessário dizer o que seria preferível. 

Não sei se a República e a Constituição aguentam mais quatro anos de Bolsonaro - e caso a democracia sobreviva a outro mandato de Bolsonaro, sairá tremendamente debilitada. 

Saudoso da Ditadura, Bolsonaro representa o que há de pior em nossas Forças Armadas e na sociedade brasileira, como um todo. 

Bolsonaro é moralmente pior que a própria Ditadura Militar, pois defende a tortura e o extermínio com entusiasmo, enquanto a Ditadura torturava às escondidas, com vergonha, e demorou anos para admitir publicamente a existência da tortura - sem nenhum orgulho, quase pedindo desculpas à sociedade brasileira. 

Figuras como Ustra eram um constrangimento para o Regime Militar; Bolsonaro homenageou o torturador em pleno Congresso Nacional - não consigo imaginar afronta maior à democracia.

Considero Lula um  político manipulador, de caráter dúbio. Mas Bolsonaro é algo muito pior: é um político PERVERSO, que mal esconde sua índole sádica.

Como cristão, não posso votar em um vendilhão do templo que se apropriou da fé para manipular os sentimentos de milhões de cristãos do Brasil. 

Que tipo de cristão sincero interrompe uma oração para puxar um coro de "Imbrochável", diante de uma multidão onde  havia crianças ouvindo essa obscenidade?

Trazendo a coisa para o plano pessoal, meu amigo, acho você e sua esposa pessoas maravilhosas e cristãos exemplares, que tentam viver a mensagem do Evangelho com toda sinceridade. Jamais deixarei que a política interfira em nossa amizade. Mas, com toda honestidade, me entristece muito vê-los caindo na armadilha desse fariseu chamado Jair Messias Bolsonaro. 

Vocês são pessoas infinitamente melhores que Bolsonaro. Uma pessoa perversa e hipócrita como ele está longe de representar vocês da mínima maneira que seja.

Caso votem em Bolsonaro respeito a escolha de vocês, mas você não tem ideia do quanto ela realmente me entristece. Vocês já fizeram isso em 2018 e conhecemos bem o resultado. 

Se vocês detestam Lula a ponto de ser impossível votar nele, talvez fosse melhor anular o voto que entregá-lo mais uma vez Bolsonaro. Não se deixem cegar pelo antipetismo. Não se trata de votar no menos pior - é questão de votar no desagradável ou no perigoso. Bolsonaro representa um risco imenso para todos nós. 

Por favor, pensem nisso com carinho.

Não podemos deixar a presidência do Brasil nas mãos desse homem perverso e desequilibrado por mais quatro anos. 

Grande abraço,

Luiz Fabiano

[Adaptado de comunicação pessoal]




Via Expressa para a Danação Eterna

"Se o pastor ou padre da sua 'igreja' te dizem que 'você vai para o inferno' se não votar em que eles querem, antecipe-se: mande o padre, o pastor e a 'igreja' pro inferno".

Rodrigo Watzl

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Pobre gente rica

"Quem nasce na elite brasileira só tem dinheiro; e quem só tem isso vive na mais pavorosa miséria".

Rodrigo Watzl

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Ciborgue Gospel

Essa noite sonhei que havia um pastor evangélico matando "comunistas" nas ruas do Méier. 

O detalhe mais interessante é que ele não tinha uma arma de verdade. Ele fazia o gesto de arminha do Bolsonaro e disparava da ponta do dedo. Quase um ciborgue gospel.

Muito emblemático, em todo caso. Teria potencial cinematográfico.

Problemas e soluções

Quando faltam soluções, a solução é criar novos problemas. Assim caminha o Brasil.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Jair e Inácio no Purgatório

 De queda em queda, ferozmente atracados, Jair e Inácio despencaram no Purgatório. 

"Sou o Povo"! - gritava um.

"Sou a Ordem"! - berrava outro.

Com olhos injetados de sangue se evisceravam, às gargalhadas, os dois marotos, como anões gigantes sob o céu crepuscular, rodeados por silhuetas de papelão. 

"Vencerei"!

"Perderás"!

 Espumavam saliva em seus lábios, como cadelas raivosas em cio perverso. Sulfurosas gotas de sangue queimavan e esterilizavam o solo onde caíam, tudo matando em odor putrefato - terra arrasada!

Estrela decadente e capitão das trevas, lutavam por lutar, pelo prazer soturno da hedionda disputa, sedentos de glórias vazias, famintos de realidade.

Sob aplausos histéricos se entremordiam, perante uma plateia de sombras esquecidas de si mesmas, bestialmente entorpecidas, fascinadas pelo espetáculo. 

"Pega!"

"Mata!"

"Esfola!"

A turba clamava, delirante, aspergida pelo fétido sangue dos contendores.

Conforme lutavam, suas carnes e ossos se fundiam, como galhos e raízes que se entrelaçam e sufocam.

Uma força irresistível arrastava a multidão ao combate. Não havia mais lutadores, apenas uma massa amorfa, com milhares de olhos cegos, ouvidos surdos e bocas peçonhentas. Uma miríade de braços e pernas se contorcia em grotescas convulsões. 

A colossal massa de carne purulenta e ossos retorcidos rolava sobre pedras pontiagudas, escalavrada, sofrida, murmurando um coro incerto de gemidos aterradores.

Ao cabo de infinitos momentos o corpanzil disforme agonizava em espasmos frenéticos. 

O silêncio reinava no Abismo, exalando odor de penumbra.

A multidão de almas repousava na obscena paz dos corpos em decomposição. 

CAPÍTULO PRIMEIRO DO LIVRO DOS CONDENADOS 

"The great red dragon and the woman clothed in sun" - Wiliam Blake



quarta-feira, 5 de outubro de 2022

"Nada mais capitalista do que ganhar a qualquer custo"

Reflexão de um amigo que generosamente oferece sua voz a muitos através do anonimato

O mundo é muito doido. Vejo gente tentando combater bolsonaristas no Twitter, no Facebook... Enfim, na Internet. Luta, gasta energia com alguém que não conhece e que vive pela frustração e não nota que o pai, a mãe e o tio votaram no Bolsonaro. Muitas vezes essa galera só quer ser ouvida porque está com medo. 

Aqui em casa é um exemplo. O meu pai adorava o Lula e, depois de tudo que aconteceu no governo e no pós Dilma, pegou uma antipatia pelo PT. 

A conversa é constante e nunca tem um ponto final. 

Ele votou no Ciro e, se eu fosse seguir o modus operandi da Internet, já tinha a frase feita "Você está contribuindo para o fascismo". Depois do resultado ele veio com uns dados sobre o Bolsonaro e depois de alguma conversa veio a frase: "Eu voto no Lula, fica tranquilo". 

Ainda não é o suficiente porque estava fazendo por mim e não por ele. É necessário paciência e sou da opinião que primeiro é necessário arrumar a própria casa. 

Só que aí ficam as perguntas:

Por quanto tempo teremos que elucidar, explicar ou até mesmo justificar o voto no Lula?

Um novo nome ou uma nova linha é arriscado demais? 

É um risco necessário para a mudança?

Aproveito este momento para fazer um desabafo que me é muito caro.

No começo fui um dos que tive medo. A minha família é simples, tradicional. Vivi sem Internet e depois de um certo tempo no novo mundo o medo tomava conta de mim ao frequentar tudo que cercava a cultura Pop. 

Comecei a ser chamado de estuprador, racista e homofóbico pelo simples fato de existir. 

Isso me deu medo, mas o aprofundar na cultura e a procura por mentes que ensinavam através da calma e não da culpa me fizerem entender como as minorias precisam de ajuda porque nunca tiveram espaço ou incentivo. Todo este conhecimento era para ser usado nas eleições e a frustração amarga era engolida a seco. Era até a construção deste texto onde me permito confessar.

Em posição de destaque não vejo candidatos negros, LGBT ou que moram atualmente nas periferias. Para eles são dados poucos segundos. Há exceções, mas a exceção não basta. Nem como vice existe qualquer resquício da representatividade. 

A todos vocês, meu amigos desabafo:

Sinto que as leituras, o escrever e o conversar sobre a cultura é em vão, se esvai.

Ao ver mais uma eleição, sinto a voz de um ser sedento pelo poder dizer:

"Temos que ganhar! Vamos ganhar a qualquer custo e depois vamos pensar em representatividade. Depois vamos dar um jeito, depois será mais fácil, depois de tirar o burguês (Aécio), depois de tirar o fascista (Bolsonaro), depois, depois...depois". 

Nada mais capitalista do que ganhar a qualquer custo.

Se eu estiver errado, por favor, me corrijam. Posso ser um maluco, mas são tempos malucos. 

Se tivesse um preto, pobre, gay e cheio de verdade em vez de promessa, seria diferente? Se ele fosse apoiado com o mesmo entusiasmo dado ao Lula, seria diferente? 

Acho que estou sonhando demais...

A verdadeira ameaça

Petardo de um escritor pesaroso

Eu não gosto do Lula não. Muito pelo contrário. Votei nele sem nenhuma vontade, unicamente porque preferiria que a eleição tivesse acabado anteontem.

O Bolsonaro é alguém que me provoca nojo, desprezo e horror. 

Não tem nenhum apreço pelas instituições republicanas e, à reboque disso ameaça a democracia, propaga mentiras que mataram muita gente (“viva a cloroquina, abaixo a vacina”), incentivou a imunidade de rebanho por contágio (que não produziu imunidade, mas matou muita gente e ajudou o vírus a mudar mais). 

Também promoveu um desastre ambiental (inclusive com garimpos), desmatando florestas e esmagando populações nativas, dilapidou o patrimônio público com a venda de uma carteira de crédito do Banco do Brasil, avaliada em 3 bilhões por míseros 300 milhões. Abriu uma linha de crédito de um trilhão e duzentos bilhões de reais para bancos emprestarem dinheiro para o povo, em vez de eliminar o atravessador e fazer a mesma coisa (resultado: bancos ainda mais ricos). Fora o escândalo de precificação da vida humana com o caso das vacinas (propina de um dólar por vacinas que jamais seriam entregues), que só não foi levado a cabo por causa do trabalho da CPI da pandemia, além do aparelhamento dos órgãos de investigação para proteger familiares e a si mesmo. 

Menção especial e necessária também à montanha de incompententes que assumiram pastas ministeriais para as quais jamais estiveram e jamais estarão qualificados, envergonhando o país em todos os aspectos, inclusive perante a comunidade internacional.

Há muito mais ainda a comentar. Não houve um único dia nesses quase quatro anos em que não tivesse havido uma crise absolutamente desnecessária, alguma ridícula palhaçada ou, pior, demonstração de descaso para com a vida humana.

Mas, sobretudo, Bolsonaro me inspira nojo, desprezo e horror por enganar pessoas com essa história de “ameaça socialista” no Brasil. Pessoas provavelmente boas, como você, que o apoiam.

"O que mata a gente é a cegueira"

Polêmica e lúcida fala do rapper Mano Brown em comício de Fernando Haddad em 2018; as críticas parecem ter encontrado ouvidos moucos...


"Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, que me respeitavam, me amavam, me serviam café, atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros. Não posso acreditar nisso. Essas pessoas não são tão más assim. Se em algum momento a comunicação do pessoal aqui falhou, vai pagar o preço. Se não conseguir falar a língua do povo vai perder mesmo. Falar bem do PT pra torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício. Errou, vai ter que pagar mesmo. Não gosto de clima de festa. O que mata a gente é a cegueira. Deixou de entender o povão já era. Se somos partido dos trabalhadores, partido do povo, temos que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar saber. Minha ideia é essa."

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O ópio e a espada

Manter-se fiel a princípios e convicções é extraordinariamente difícil neste mundo onde as multidões buscam o conforto das conveniências e o inebriante ópio das verdades fáceis. A pureza é uma fantasia malsã, mas o cinismo é um veneno lento e impiedoso; encontrar a justa medida e o caminho do meio é como buscar estrelas em noite de tempestade. Espada e bainha são feitas uma para a outra; a sabedoria consiste em escolher o momento certo para desembainhar - nem cedo, nem tarde. Mas quem saberá reconhecer tal momento? O prudente morre em sua hesitação e o tolo em sua precipitação. Todos morreremos. Corajoso é apenas aquele que, apreciandoo verdadeiro valor da vida, não busca nem evita a morte. Só se vive verdadeiramente quando espada e bainha se movimentam em perfeita sincronia, sem atraso ou afobação. Ao homem sincero não apavoram cruz, cicuta, exílio ou ostracismo. Aquele que vive temendo a morte já morreu e ainda não sabe.




Instrução e alienação

Gente instruída também cultiva suas próprias ilusões. Em um país como o nosso, a instrução pode ser inclusive uma forma de alienação, à medida que nos afasta do modo de pensar do povão menos letrado.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Aos vencedores a vergonha

 "Prefiro me queixar de minha fortuna que me envergonhar de minha vitória".

Dito atribuído a Alexandre Magno, mencionado por Michel de Montaigne

terça-feira, 27 de setembro de 2022

O cálice envenenado

Hoje de manhã houve uma altercação sobre política na portaria do meu prédio, envolvendo quatro pessoas. Em 13 anos morando aqui é a primeira vez que vejo algum bate-boca. O triste é saber que essa polarização não vai acabar depois das eleições. Talvez até piore.

domingo, 25 de setembro de 2022

sábado, 10 de setembro de 2022

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

"Imbrochável" - O imaginário sociopolítico brasileiro

7 de setembro de 2022, Abolição, Rio de Janeiro, cerca de 23 horas.

No boteco de minha esquina, um cidadão entusiasmado berra: "Hoje é dia de Flamengo e Bolsonaro"! Não era exatamente o brado retumbante que eu esperaria ouvir no bicentenário da Independência.

***

Lá se vão mais de vinte anos, a empregada de minha avó relatava, encantada e vivamente emocionada, o encontro com o prefeito de seu município na Baixada Fluminense: "Imagina, Dona Nair, uma pessoa importante apertando a mão de uma pessoa como eu"! 

Ficava ali evidente a noção de que ela não era uma pessoa importante - não se via no mesmo patamar existencial que o prefeito; já era muito que ele mantivesse algum contato físico com uma pessoa "como ela": doméstica, analfabeta, retirante, moradora de um bairro periférico. Seu encantamento revelava tanto uma visão autodepreciativa quanto uma surpresa imensa com o extra-ordinário fato de que, por um breve instante, uma "pessoa importante" a tivesse tocado, rompendo (mas não muito) uma barreira social.

Por volta da mesma época, ela era fiel eleitora da Família Garotinho. Em certa ocasião, comentava que valia a pena votar para ver "um casal tão bonito" como Rosinha e Garotinho. Àquele casamento idealizado evidentemente se contrapunha sua própria relação com um marido alcoólatra, que não trabalhava e maltratava os enteados. Votar era um modo de participar, de alguma maneira incompreensível, quase mística, da aparente felicidade conjugal daquelas "pessoas importantes".

Nessa vivência profundamente afetiva da política se articulavam mecanismos de projeção, intensificados pela precariedade da vida e pela autodepreciação, em uma sociedade em que historicamente, sempre se esperou que cada um soubesse se colocar "em seu devido lugar", em um país cuja Independência mantivera a escravidão e forjara um Império cujo monarca era o próprio sucessor da coroa lusitana, onde é necessário que as coisas mudem para que se mantenham as mesmas.

***

7 de setembro de 2022, Brasília, manhã.

Perante uma multidão, o Presidente da República, homem cristão, defensor da família, da moral e dos bons costumes ora, agradecendo a Deus por ter lhe concedido uma "segunda vida". No meio da oração, um pequeno coro começa a gritar algo um tanto inadequado para um momento de louvor e adoração: "Imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!"

Longe de ignorar essa espúria manifestação popular, o dito presidente cristão interrompe a oração para, sorridente, puxar ele mesmo, ao microfone, o coro: "Imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!", sem grande adesão da multidão ali reunida, talvez consternada. Sem hesitar, o presidente retoma sua oração.

Me ponho a imaginar uma criancinha ali presente perguntado para a encabulada genitora: "Mamãe, o que é 'imbrochável'?"

Tudo isso na Pátria Amada em que a família e a moral se encontram ameaçadas por uma esquerda endemoninhada, que planeja sexualizar as crianças e distribui "kit gay" e mamadeiras eróticas nas escolas...

"Brasil acima de tudo. Deus acima de todos". Amém.

***

"Imbrochável, imorrível e incomível", já se declarou inúmeras vezes o presidente, como parte de uma infindável litania marcada por certo ideal de virilidade, celebrando o arqui-macho brasileiro, herdeiro do lusitano "furor femeeiro", como diria Gilberto Freyre. Bolsonaro, afinal de contas, é o homem das armas e bravatas, com sua infatigável "arminha", gesticulação eleitoral cujo teor fálico parece difícil negar. Assim como a empregada de minha avó se projetava no casamento de Rosinha, é mais que provável que milhares de machões deste Brasil Varonil se projetem no Presidente Imbrochável com sua obsessão armamentista. Como sarcasticamente cantavam os Beatles, "happinness is a warm gun".

"Imbrochável" é o presidente que faz questão de ostentar sua esposa-troféu, muitos anos mais jovem. Mais que troféu, no entanto, Michelle Bolsonaro tem sido usada como trunfo eleitoral, em uma campanha que visa arrebanhar o eleitorado evangélico feminino. A "varoa" recatada que ora pelo marido em sua cruzada contra o Mal. Bolsonaro, pai do jovem que "pegou metade do condomínio" tenta ao mesmo tempo se vender como varão cristão e garanhão "imbrochável" para diferentes parcelas do eleitorado, por mais contraditório e contraintuitivo que isso possa parecer.

Nesse país onde tudo é possível, o defensor da "família tradicional brasileira" acumula casamentos e divórcios mais que litigiosos, marcados por escândalos públicos; como deputado federal, declarava empregar o auxílio-moradia "para comer gente".

"Deus, Pátria e Família". Não espanta que a Ditadura Militar também tenha sido a era áurea da pornochanchada brasileira.

***

"Jair, o Imbrochável" é também, não esqueçamos, o "incomível", para não deixar dúvidas quanto a sua heterossexualidade. Poucas coisas parecem abalar o clã Bolsonaro mais que dúvidas sobre sua masculinidade. 

Não espanta tal necessidade de se afirmar "incomível" por parte de alguém que sai do sério ao ser chamado de "Tchutchuca do Centrão"!

Espantoso, todavia, é o modo como "Jair, o Incomível" inúmeras vezes recorre a metáforas de teor homoerótico para descrever seus relacionamentos políticos - namoro, "casamento hetero" e por aí vai. 

Not least, vale lembrar a pitoresca fala do "Incomível" ao ex-galã pornô Alexandre Frota pouco antes de sua ruptura política: "Fecha essa matraca, puta que pariu, eu quero continuar transando com você".

Freud explica.

***
Comemorações, especialmente em datas redondas, costumam ser momentos interessantes para se promover a reflexão coletiva sobre aquilo que se comemora. Constituem oportunidades para repensar nosso passado, com suas contradições, e pensar o futuro, com seus desafios. Nesse sentido, as comemorações do Bicentenário da Independência foram um fracasso lastimável.

Apenas a título comparativo, as comemorações do Bicentenário da Revolução Francesa em 1989 começaram a ser preparadas com seis anos de antecedência, marcados por instigantes debates públicos acerca do legado da Revolução para o povo francês. O que tivemos aqui foi um improviso histriônico, muito revelador da sociedade que somos e, mais ainda, do momento que vivemos.

Seria tentador citar Charles de Gaule e dizer que "o Brasil não é um país sério", mas a triste verdade é que já fizemos melhor em outras ocasiões, como os 500 anos do "descobrimento" do Brasil e os duzentos anos da vinda da Família Real, ambas ocasiões marcadas pela organização de grandes exposições, eventos acadêmicos e publicação de livros. A indigência com que comemoramos o Bicentenário da Independência diz muito mais sobre o contexto que vivemos, marcado por uma polarização política enlouquecedora e pela negligência quase criminosa do atual governo em relação a tudo que diz respeito a políticas públicas na área de cultura (para dizer o mínimo).

O "Imbrochável" se apropriou descaradamente da ocasião para fazer campanha eleitoral. Começou o dia com os pífios eventos em Brasília e terminou no Maracanã, assistindo ao jogo do Flamengo pela Taça Libertadores da América, em outro gesto eleitoreiro. No fim das contas, tudo pareceu seguir a cartilha salazarista dos 3 Fs: "Futebol, Fado e Fátima".

Nesse sentido, o grito no boteco da minha esquina estava mais que certo: ontem foi dia de Flamengo e Bolsonaro - e nada mais.







segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Dois vícios

Tendo a crer que tanto petismo quanto bolsonarismo se tornaram vícios, em muitos sentidos do termo. No entanto, há considerável diferença; tomando especificamente a dependência química como analogia, o petismo seria como a cachaça e o bolsonarismo seria algo tão grave quanto o crack.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

A verdade sobre Hitler

Saindo hoje de minha escola chamei um táxi. O motorista, muito simpático, indagou se era professor e que disciplina lecionava. Quando respondi que leciono História ele disse adorar o tema e disparou uma pergunta a queima-roupa:

"Hitler morreu no bunker ou não?"

Um tanto ressabiado, respondi que, ao que tudo indica, sim, Hitler morreu em um bunker. "Isso é o que quase todo mundo pensa", retrucou o taxista, em tom sapiencial, logo encetando uma verdadeira aula sobre o tema.

Resumidamente, Hitler teria fugido através de uma passagem secreta e fugido de submarino (!) para a Argentina, tendo antes passado pela Sardenha e pela Espanha, onde teria sido temporariamente abrigado pelo regime franquista.

Um tanto constrangido, comentei que há muito tempo circulam boatos sobre uma possível fuga de Hitler para a América do Sul, ao que o motorista atalhou bruscamente - não se tratava de rumor, mas de puríssima verdade comprovada por uma série de documentários do History Channel.

Fui a seguir bombardeado por uma série de fatos bombásticos revelados pelas séries do canal. 

Os nazistas desenvolveram a bomba atômica, mas, por razões desconhecidas, não chegaram a utilizar na guerra; trazida para a Argentina (no submarino?), os nazistas refugiados na América do Sul intentavam lançar a bomba da Colômbia a Nova York, mas foram impedidos pela CIA. 

Hitler era um ocultista e enviou expedições em busca de poderosas relíquias como a Arca da Aliança (como bem sabia Indiana Jones). 

A Coca-Cola é fabricada com cocaína traficada diretamente da Bolívia (sem nenhuma relação aparente com o nazismo).

Etc etc etc.

Percebendo que nenhum argumento poderia sequer contradizer as comprovadíssimas revelações dos peritos do History Channel, me resignei a ouvir em silêncio; conter o riso já era em si um esforço colossal.

Embora cômica, a experiência foi um tanto inquietante. É perturbador perceber o modo como um verdadeiro bombardeio de informações inverossímeis e sensacionalistas leva uma pessoa articulada, escolarizada e (aparentemente) sã a crer, com imperturbável convicção, nas coisas mais estapafúrdias. Como educador, me pergunto o que podemos fazer para combater efetivamente esse pernicioso estado de coisas. Valei-nos, São Sócrates de Atenas!




segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Fabricantes de Mitos

"Nós criamos nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Ele não precisa ser uma realidade. Ele é uma realidade no sentido de que é um estímulo, é esperança, é fé, é coragem. Nosso mito é a nação, nosso mito é a grandeza da nação! E a esse mito, essa grandeza, que queremos traduzir em uma realidade total, nós subordinamos todo o resto. [...] No fundo, [o Fascismo] é um nacionalismo apaixonado".

Benito Mussolini, 1924



domingo, 31 de julho de 2022

Da genealogia do pensamento

Dedicado aos amigos Tiago Ribeiro e Vinicius Borges, interlocutores de parte dessas inquietações


O exercício profundo da autocrítica é algo trabalhoso. 


Em primeiro lugar, devo conhecer minhas próprias ideias, o modo como elas se articulam e, tarefa sempre complicada, identificar suas contradições e paradoxos. 


Em outro nível, devo buscar os contextos, épocas e lugares em que essas ideias foram engendradas, e examinar as distâncias entre a realidade que vivo e as realidades em que as ideias que ora me habitam foram pensadas. 


Por fim, e talvez mais complicado, preciso entender de que maneira essas ideias chegaram a mim, através de que caminhos e descaminhos elas palmilharam a distância entre o presente que vivo e o passado em que emergiram, em um longo processo em que foram interpretadas, filtradas, traduzidas e modificadas por uma miríade de intermediários. 


Tais são as condições mediante as quais preciso examinar a mim mesmo, em sentido amplo e profundo. Através dessas operações intelectuais posso, talvez, chegar a superar as contradições e paradoxos que percebo em mim...

sábado, 30 de julho de 2022

Picaresco paradoxo brasileiro

A triste verdade é que estamos vivendo uma grande farsa eleitoral, no sentido teatral do termo. Um processo eleitoral  absolutamente esvaziado de discussão democrática pelo medo de que Bolsonaro acabe com a democracia. Seria cômico se não fosse trágico.

domingo, 17 de julho de 2022

As redes sociais estão deformando você?

Deixei de usar assiduamente as ditas "redes sociais" em janeiro de 2019; nos últimos três anos só as tenho usado esporadicamente, com finalidades muito específicas. 

Constato que a decisão me fez um bem imenso, sob muitos aspectos. Embora ainda passe mais tempo do que gostaria navegando na Internet, esse tempo se tornou muito mais fértil. Ocupo meu tempo com temas que realmente me interessam e evito as polêmicas descartáveis que mantém as redes sociais em perpétua ebulição. 

Venho percebendo que pessoas que passam muito tempo em redes sociais tendem a se tornar caricaturas de si mesmas. Costumam se tornar monomaníacas, ou talvez "oligomaníacas", excessivamente engajadas em meia dúzia de temas sobre as quais regurgitam incessantes e repetitivas catilinárias. Observo tal tendência em pessoas à minha volta e, retrospectivamente, percebo que era exatamente o tipo de comportamento ao qual eu mesmo me via condicionado.

A arquitetura das redes sociais tende a expor seus usuários a cada vez mais do mesmo, não apenas em função do modo como seus algoritmos operam, mas também pelas dinâmicas propriamente sociais que engendram. 

O excesso de comunicação propiciado pelas redes favorece a emergência de afinidades e antagonismos doentios, multiplicando interações onde os envolvidos, dia a dia, semana a semana, vão cultivando suas neuroses. Os acalorados debates com antagonistas recorrentes fazem com que muitas pessoas embarquem em verdadeiras cruzadas, ao mesmo tempo que desenvolvem uma relação algo patológica com as pessoas com cujas opiniões se afinizam, reforçando comportamentos obsessivos e, em alguma medida, compulsivos.

Para tanto contribuem também outros elementos presentes em muitos sites, blogs e serviços de Internet, como as estratégias de "link building" e SEO ("otimização para mecanismos de busca"), entre outros, sempre estimulando os usuários a uma inquietante exposição a mais do mesmo. Tendo a crer que, para muitas pessoas, isso proporcione uma quixotesca distorção da realidade, transformando moinhos de vento em gigantes - a exposição constante a determinados temas faz com que pareçam muito mais relevantes e prementes do que realmente são. 

Outro elemento que agrava essa situação é que, via de regra, esses temas obsidentes costumam estar associados a medos e receios, induzindo a variados graus de paranoia - em certo sentido, adeptos de teorias extravagantes e conspiratórias são apenas casos extremos de uma mesma patologia coletiva.

Convém ainda lembrar que essas atitudes tendem a extrapolar e extravasar para fora das redes sociais, afetando inúmeras dimensões do convívio cotidiano. Na menos pior das hipóteses, tais comportamentos se tornam uma amolação para as pessoas à volta daqueles que se deixam enredar nessas verdadeiras armadilhas emocionais e cognitivas. Nos piores casos, emergem desavenças desnecessárias e até rupturas com conhecidos, amigos e familiares. 

Com tudo isso, não quero convencer ninguém a abandonar as redes sociais; empregadas com moderação e consciência, elas podem ser úteis, divertidas e saudáveis. Fica aqui apenas o convite à reflexão de cada um sobre o modo com que lida com essas tecnologias e de que maneira se vê afetado por elas. 


 



quarta-feira, 13 de julho de 2022

Quinta da Boa Vista - Le 13 juillet 2022

No Rio, não há Bastilha a derrubar, nem Tulherias a incendiar; tudo despenca e queima sem necessidade de jacobinos nem communards.

A antiga morada imperial jaz engaiolada; Dom Pedro II espia nossos tristes tempos por cima da cerca. Afiadas concertinas lembram a selvageria da megalópole. Dom João VI temeria as hordas cariocas mais que as hostes napoleônicas?





Em uma escada menos frequentada, moscas assediam a putrefata carcaça de um gato. Balões de hélio flutuam emaranhados entre galhos.






Camadas de tempo se acumulam. Um motor a diesel ronca sobre o gramado imperial. Raízes centenárias se derramam pelos muros do antigo jardim onde passeava a Princesa Isabel. Um velho poste de madeira, desprovido de cabos, permanece altivo, testemunha de progressos obsoletos. Uma velha planta parasita viceja sobre um tronco ainda mais antigo. O oco de uma árvore venerável se vê usado como lixeira. Um bucólico nicho arquitetado para a realeza se transforma em santuário e altar para alguma entidade trazida de além-mar, contrabandeada de plagas africanas no ventre sórdido dos navios negreiros.








Os seres humanos se apequenam e amesquinham em meio à paisagem. Gloriosas palmeiras se elevam aos céus, lembrando a efemeridade de nossas vidas e obras. Tudo se transforma, para além de nossos planos e intenções. Sinuosos caminhos imitam o tortuoso fluir da vida. Outro felino, vivo, caminha preguiçosamente sobre a grama, indiferente às inquietações do bicho-homem.




















sábado, 9 de julho de 2022

Hibernação - Comunicado aos leitores

Comunico à meia dúzia de diletos leitores que este blog entrará em período de hibernação. Embora tenha mais de 150 posts em rascunho, nos próximos meses pretendo me dedicar a outras atividades e projetos (incluindo um blog irmão, sobre História do Brasil, dedicado ao público francófono). Deste modo, as postagens semanais regulares permanecerão suspensas até segunda ordem. Agradeço aos poucos e caríssimos leitores pela compreensão! À bientôt!




quarta-feira, 6 de julho de 2022

Erros interessantes

Pessoas inteligentes cometem erros interessantes. Alguma criatividade, coragem e grandeza de alma são necessários para cometer erros novos, que não sejam rotineiros e triviais como a maioria daqueles que cometemos, mais por acomodação e covardia, que por qualquer outra razão. Há algo de mesquinho nesse apego aos erros com que já nos acostumamos e nos sentimos confortáveis - tão confortáveis a ponto de tomarmos tais erros por acertos ou mesmo como parte da ordem natural das coisas.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Há que se emprestar um significado às coisas, ainda que elas sejam terríveis e seus sentidos permaneçam incontornavelmente duvidosos.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Boas maneiras

Há que se discernir as intenções nobres ocultas sob gestos grosseiros, assim como é necessário perceber a malícia mascarada sob maneiras polidas. Há gente de rústica amabilidade, e há gente de venenosa elegância. Nos primeiros casos, falta educação; nos segundos, falta coração. Não é difícil perceber qual carência é mais grave ou qual é mais fácil remediar - o nobre plebeu vale mais que o vil aristocrata. É com pesar que admito quantas vezes já me perdi e confundi entre uns e outros.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Dor e sensibilidade

O verdadeiro problema da teodiceia não é explicar a existência do mal no mundo (o que seria literalmente maniqueísta), mas explicar a existência da dor. Ora, um mundo sem dor seria igualmente um mundo insensível, um sombrio universo de almas anestesiadas. Somente aqueles que sofrem existem plenamente.