Desde bem pequeno sempre fui apaixonado por museus, uma das coisas que devo agradecer imensamente a minha família. Francamente, não lembro quando fui a um museu pela primeira vez, nem onde. Essa semana estive justamente pensando sobre o quanto essa experiência sempre renovada tem sido crucial em minha formação, e por outro lado, o quanto meu modo de visitar museus foi se transformando ao longo do tempo, conferindo sempre novos sentidos a essa vivência.
Quando criança, sentia essas visitas como algo mágico, envolto em profundo encantamento. Lembro sempre do quanto fiquei fascinado pelo barco chinês de brinquedo que pertenceu a D. Pedro II, peça de beleza inigualável, no Museu Histórico Nacional. Como descrever a inveja que à época senti do pequeno imperador por possuir um brinquedo tão fabuloso? Durante muito tempo, na minha ingenuidade infantil sonhei com a possibilidade de que alguma fábrica de brinquedos contemporânea - mais especificamente, a Estrela - tivesse a genial ideia de relançar o barquinho no mercado... Durante toda minha infância entretive essa relação de fascínio com os museus que visitava, relação muito mais empática e emotiva que intelectual, obviamente. Fico feliz de constatar que ainda hoje essa emoção não se tornou totalmente estranha: ainda sinto bater mais forte o coração ao encontrar determinadas peças, como o calendário de Coligny ou a estátua do almirante Chabot... Esses encontros, esperados ou inesperados, são sempre fascinantes.
Durante minha adolescência essa relação começou a passar por um longo processo de transformação, motivado especialmente pelo sonho de me tornar arqueólogo, lá pelos 13 anos de idade - quando desisti de ser detetive da Interpol! Com essa idade passei a consumir avidamente qualquer material sobre História que me caísse nas mãos - de livros, enciclopédias e revistas a filmes ou música clássica. Iniciava-se uma intensa fase de bricolagem intelectual, em que tentava simplesmente acumular de modo pouco crítico leituras e informações - quanto mais melhor! Obviamente os museus se tornaram um lugar privilegiado nesse sentido. Do olhar encantado, passei a um olhar fortemente analítico, conscientemente treinado, centrado em esforços de identificação, classificação (estilística, cronológica, geográfica...) e memorização. Foi nessa época que comecei a ler com rigor quase monástico todas as tabuletas que encontrava pela frente, detendo-me com atenção a literalmente cada peça: numa vitrine com 40 artefatos, eu examinaria detidamente cada um deles! Foi nessa época que comecei a andar sozinho pela cidade, e visitar museus era uma de minhas diversões favoritas. Ia quase uma vez por mês ao Museu Nacional de Belas Artes! Não era incomum que eu visitasse duas vezes as exposições que mais me interessavam; cada visita dessas era atividade para muitas horas... As exposições permamentes se tornaram particularmente íntimas, objeto de uma contemplação longa e "vagabunda", quanto mais íntimo eu me tornava desses acervos...
Aos poucos essa experiência foi mudando de rumo, já no final de minha adolescência. Comecei a desenvolver um olhar cada vez menos classificatório e mnemônico, ao mesmo tempo mais crítico e mais sensível aos significados sociais, políticos, culturais e estéticos das peças. De certo modo, comecei a vivenciar a visita a museus como um encontro com fontes primárias, o que se acentuou muito mais com o ingresso na faculdade de História.
Desde então, meu olhar sobre os museus tem mudado muito. Creio que tenho construído uma relação mais autônoma com as exposições, à medida em que meus próprios conhecimentos me permitem hoje compreender algo consultando menos sistematicamente as placas, textos ou diagramas. De fato, atualmente me detenho muito menos sobre cada peça individualmente, mesmo porque qualquer acervo tem densidades variadas, com peças mais ordinárias, passíveis de uma apreensão em grupo, por assim dizer, e outras mais instigantes, que solicitam maior atenção - de certo modo, uma alternância entre olhar quantitativo ou qualitativo. Por outro lado, certa maturidade intelectual me dá maior segurança para decidir o que corresponde mais profundamente aos meus interesses e questionamentos pessoais - somada à óbvia constatação de que uma apreensão integral e definitiva do museu será sempre impossível. Além disso, tenho desenvolvido certa curiosidade "meta-museológica", cada vez mais aguçada: me questiono sobre a composição retórica da exposição visitada e sobre os discursos que ela subentende, mas também sobre a própria história peculiar de cada museu, sua fundação e suas transformações, enfim, seu "devir institucional". De certo modo, agora mesmo, no momento da escrita desse post, me dou conta de que tenho tido cada vez mais uma relação dialética com os museus e seus acervos...
Peço perdão aos que tenham achado maçante essa egocêntrica digressão - enfim, aos que se interessaram suficientemente para chegar até aqui... Mas termino perguntando-lhes: e vocês, como visitam os museus? Quero ouvir seus comentários!
2 comentários:
Fique tranquilo, caro amigo: sua egotrip é partilhada por mta gente aqui![Eu inclusa! rsrsrs] Mt engraçado perceber que a maioria dos historiadores q eu conheço apresentou sintomas, mt semelhantes, da "Síndrome de volta para o futuro" na infância...rsrs Visitar museus pra mim é, ainda hj, uma experiência quase espiritual: me alegro, me entristeço, me empolgo, me emociono... Como se durante aqueles minutos ou horas, fosse transportada para a época das pessoas que viveram aquilo ali... Minha última experiência marcante, nesse sentido, foi no Palazzo Vecchio, prefeitura de Firenze e, durante mts anos, residência dos Medici... Ano que vem, eu volto pra viver um pouquinho mais dessa atmosfera! Abraços.
Luiz, deste texto saltou o menino que há muito não via por trás do academicismo... Sua veia literária está pedindo passagem, cuidado!
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