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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Mais uma pequena tragédia parisiense

No breve período em que minha esposa e eu moramos em Paris, as livrarias Gibert Joseph e Gibert Jeune estavam entre nossos refúgios preferidos, constituindo paradas obrigatórias em muitas de nossas andanças.

Depois de devidamente instalados, impossível esquecer de nosso primeiro passeio. Uma visita a Notre Dame, oportunamente concomitante a uma feira de gastronomia. Almocei um delicioso sanduíche "jambon-beurre", e um sanduíche de creme de cereja por sobremesa. 

Após as subidas e descidas pela catedral que tanto me encantava, atravessando o Sena, passando pela monumental fonte de São Miguel, penetramoa no mágico mundo de Gibert Jeune, com seus muitos andares. Saímos de lá carregados de livros (dois dos quais tenho diante de mim enquanto escrevo), especialmente os dois últimos volumes de "Nausicaa do Vale do Vento", de Hayao Miyazaki, cuja publicação brasileira fora interrompida anos antes pela Conrad. Passei a noite lendo a tão aguardada conclusão da magnífica obra de Miyazaki.

Atendidos por Sévérine...


Nos tornamos assíduos frequentadores de Gibert Jeune e dos primosoncorrentes, Gibert Joseph - com sua magnífica papelaria, onde compramos boa parte dos materiais de desenho e pintura que ainda hoje usamos. Excetuando o banheiro e a cozinha, não há cômodo em nossa casa sem algum butim dos Gibert.

Me recordo de nossa última visita a Gibert Jeune, quando deixei de comprar um livro de Roland Mousnier, cujo preço me pareceu à época exagerado, mas que depois muito me arrependi de não ter adquirido.

Hoje leio, com muita tristeza, a notícia de que Gibert Jeune fecha as portas - uma catástrofe afetiva comparável ao incêndio de Notre Dame, sendo a catedral e a livraria tão intimamente vinculadas em minha memória emocional.

Posso suportar a ideia de jamais rever Paris, mas é intolerável pensar que, visitando Paris, não poderei mais subir as escadarias de Gibert Jeune.

Cada livraria que fecha é uma luz que se extingue e deixa o mundo um pouco mais frio e sombrio.

Perder a velha e gloriosa Leonardo Da Vinci, a efêmera Livraria Cultura da Senador Dantas, a antiga Casa Mattos do Méier, a FNAC do Barra Shopping e agora Gibert Jeune são duros golpes em minha vida de leitor e bibliomaníaco, disposto a devaneios em qualquer lugar, brega ou chique, onde se vendam livros.

Uma das coisas que mais me entristecia em Paris era passar pelo Palais Royal, outrora ninho fulgurante das melhores livrarias da Europa, frequentado por grandes figuras literárias dos séculos XVIII e XIX e constatar que ali não se vendem mais livros, sendo necessário atravessar a rua para visitar a discreta e simpática livraria Dellamain - se é que ela ainda existe. 

Hoje só se encontram no Palais Royal antiquários hiper-sofisticados, lojas de grifes internacionais e uns poucos restaurantes careiros "au nez en l'air" (exceção feita ao velho restaurante outrora frequentado por ninguém menos que Voltaire, "sans trôp de chichi").

Vivemos em um século bárbaro, em que se fecham tantas livrarias. Sunt lacrimae rerum.



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