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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Sobre tédio, foco, estruturas, hábitos e métodos

Não creio que as sociedades e culturas humanas possuam uma "estrutura", para além de um nível meramente figurativo.

Tendo a seguir Bergson, quando qualifica o ser humano como um animal dotado do hábito de adquirir hábitos.

Com efeito, adquirimos hábitos de maneiras, no mínimo, curiosas. Após um mês na casa de minha mãe, usando o notebook dela, tenho sentido dificuldades ao utilizar o meu próprio, embora me acompanhe desde meados de 2017. Ao ligar o aparelho, meu primeiro impulso é de digitar a senha de minha mãe. Às vezes percebo o lapso no meio do caminho e corrijo a tempo, mas em outras recebo a resposta do sistema: "senha incorreta".

Não sou, decerto um estruturalista, no entanto reconheço que a análise estruturalista, em suas várias vertentes, ofereceu ao campo das humanidades valorosas contribuições - ao passo que os ditos "pós-estruturalistas" me parecem, via de regra, cronicamente perdidos em cacofônicas e pedantes reflexões, como cães correndo atrás dos próprios rabos, em estranhas misturas de niilismo e solipsismo.

Não à toa Nietzsche, padroeiro dos pós-estruturalistas encerrou seus escritos com uma carta a Jacob Burckhardt, onde afirmava que - contrariamente a seus projetos - fora impedido de tornar-se professor universitário pela necessidade de virar Deus. Logo depois foi hospitalizado em uma instituição psiquiátrica e, até onde se sabe, não escreveu mais uma linha sequer.

Em todo caso, há que se reconhecer que o mérito maior da abordagem estruturalista é seu rigor metodológico - embora, em alguns casos, tenha um que de rigor mortis.

Retornando a Bergson, me encanta notar o modo discreto, mas constante e consistente, com que figura na obra de Lévi-Strauss. Me pergunto se o autor das "Mitológicas" chegou a frequentar os cursos do célebre Nobel de Literatura no Collège de France - cronologicamente falando, é não apenas possível como muito provável.

Concluo, muito provisoriamente, que uma das grandes conquistas do projeto estruturalista foi esquadrinhar com rigoroso método, não exatamente o modo pelo qual nós, humanos, adquirimos e desenvolvemos hábitos, mas ao menos os complexos,  variados e dinâmicos fenômenos sociais e culturais que emergem de nossos hábitos desenvolvidos.

Se nos movemos em um constante "élan vital", como diria Bergson, a metodologia estruturalista ao menos foi (e ainda é) capaz de realizar um minucioso registro dos momentos que compõem esse movimento, um pouco como a câmera fotográfica, no abrir e fechar de seu obturador, consegue capturar, nos limites de seu quadro, um trecho de uma realidade mais ampla, embora sempre evanescente.

Por sinal, o próprio nome "obturador" dá o que pensar - a função da peça é ambígua: preservar o filme fotográfico de exposição à luz durante a maior parte do tempo. Um obturador permanentemente aberto só pruziria fotos "vazias" de imagens e significados. Para ser eficaz, a abertura do obturador precisa ser realizada apenas no instante correto.

Vale notar ainda que, assim como as antigas câmeras analógicas só revelavam sua "presa" muito após o clique, não é senão longas e maduras reflexões que conseguimos entender aquilo que se passou conosco ou com nossos semelhantes, em algum momento-lugar do sempre fluido espaço-tempo.

Como seres paradoxais que somos, é por paradoxos que nos conhecemos. Quando eu finalmente estiver bem afinado com a senha de meu próprio computador provavelmente cometerei lapsos com a senha do dispositivo de minha mãe. Talvez, até lá, o "obturador" de minha mente esteja funcionando melhor.

Finalizo citando uma instigante reflexão do crítico literário Colin Wilson com a qual "esbarrei" há poucas horas:

"Boredom is one of the great mysteries of psychology. It seems to be a matter of focusing, like focusing a very powerful microscope or telescope; and we are just not very good at focusing. 'Focusing' occurs in moods of serenity or of creative excitement. Its greatest enemy is the ordinary, noisy distractions of everyday reality".




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