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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Esporte, identidade e violência

 Extratos do livro Ostra feliz não faz pérola, de Rubem Alves


Futebol I

Onde se encontra a emoção do futebol? Será na sua beleza? Sim, é bom ver uma partida que se parece com um balé. Mas esse espetáculo coreográfico não faz o torcedor feliz. Uma partida que termina zero a zero é um tédio. O grito vem quando o gol acontece. É no gol que mora a alegria e... o sofrimento... A alegria do torcedor cujo time fez o gol é simétrica ao sofrimento do torcedor do time que sofreu o gol. Cada gol que se faz é uma afirmação de potência, enquanto cada gol que se leva é uma afirmação de impotência. E o gol é, fundamentalmente, um ato sádico. Um estupro. Um gol é um time que enfia a sua bola no buraco do outro - dolorosamente -, embora o outro tenha feito tudo para impedir que isso acontecesse.


Futebol II

A emoção do futebol, suas alegrias e tristezas, vêm do fato de que futebol é guerra. Uma Copa do Mundo é uma guerra estilizada entre muitos países. Daí a importância das bandeiras e dos hinos nacionais. Quem está em campo é um país em guerra contra um inimigo. A seleção são seus melhores heróis guerreiros, como na Guerra de Troia. O campeão é o vencedor da guerra. Os outros, são os vencidos. Medalha de prata não tem graça. O vice-campeão é também um vencido.


Futebol III

O povo unido, esquecidas as diferenças, esquecidos os partidos políticos, esquecidas as crenças religiosas: todos sentindo igual, todos cantando igual, todos gritando ao mesmo tempo, uma única bandeira. O entusiasmo do futebol provoca a união. Essa unanimidade de sentimentos e ações é característica dos tempos de guerra. Diante de um inimigo comum que ameaça, os conflitos internos perdem o seu sentido. As esquerdas argentinas, inimigas da ditadura militar, se esqueceram da sua inimizade e se uniram ao povo e aos militares nas praças, quando as Ilhas Malvinas foram invadidas. A guerra faz esse milagre: ela transforma as inimizades internas em amizade. Campeonato mundial de futebol é a guerra que dissolve todas as oposições internas.


Futebol IV

Mas o fim da Banda é triste. "Mas para meu desencanto/ O que era doce acabou,/ Tudo tomou seu lugar/ Depois que a Copa acabou..." Terminada a guerra contra o grande inimigo, começam os conflitos entre os irmãos. Passada a Copa, os torcedores tiram a camisa verde-amarela e cada um veste a camisa do seu time. Retorna, então, a guerra antiga...




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