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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Eu, meu vizinho e o resto do Brasil

Meu vizinho de frente tem uma visão de mundo quase diametralmente oposta à minha. Nossos apartamentos, separados por menos de dois metros de corredor e com planta especular são quase como dois países diferentes.

Nosso convívio é distante e superficial, mas respeitoso e amável. Jamais tivemos qualquer tipo de altercação. Avalio, inclusive, que ele realizou uma excelente gestão como síndico, alguns anos atrás.  Em certa ocasião, nos unimos e mobilizamos para ajudar um terceiro vizinho que sofrera um acidente doméstico. Em um dos momentos mais dolorosos de minha vida, ele mobilizou membros de sua paróquia para orar por minha esposa e eu.

Somos pessoas muito diferentes, mas não inimigos. A bem dizer, no que tange ao nosso condomínio,  nossos pontos de vista tendem a convergir.

Afinal de contas, somos diferentes, mas não fundalmentalmente diferentes. No fundo, queremos ambos paz, sossego e prosperidade para nossas respectivas famílias. Um teto sobre a cabeça, emprego, comida na mesa, segurança em nossas ruas - em suma, condições dignas de viver. Nossas divergências, a bem dizer, se situam mais acerca dos meios que dos fins.

O mundo ideal para mim certamente seria um inferno para ele - e vice-versa. Mas o mundo não precisa - e nunca será - o ideal para nenhum de nós. Nenhum. Nem para mim, nem para meu vizinho, nem para todo o povo brasilero, muito menos para toda espécie humana. 

Todavia, dentro de nossas divergências, quero crer que nós dois, como todo o povo brasileiro, como toda a humanidade, precisamos abrir mão de nossos mundinhos idealizados e pisar firme no chão do mundo real.

Precisamos nos unir para construir o melhor Brasil POSSÍVEL. Um país minimamente aceitável para todos nós. Um Brasil possível, não um Brasil ideal. Um Brasil onde nossas famílias possam ter paz, sossego e prosperidade, como tanto almejamos. 

A política democrática, "arte do possível", deveria viabilizar isso. Mas, para tanto, é essencial que eu veja meu vizinho como concidadão, não como inimigo. Precisamos reconhecer e aceitar nossas divergências para buscar pacificamente e serenamente nossos pontos de convergência. 

E é exatamente o oposto disso que nós, brasileiros, temos feito ao longo dos últimos anos. Afinal de contas, é muito mais fácil, simples e emocionalmente confortável rotularmos uns aos outros e rompermos todas linhas possíveis de diálogo. Costuma ser mais fácil erguer muralhas no terreno aparentemente sólido de nossas certezas individuais que construir pontes sobre a água, sempre movente, imprevisível, traiçoeira. A solidez, ainda que aparente, nos traz conforto; a fluidez, impetuosa, incontrolável, nos deixa apreensivos, incertos de nós mesmos. 

É necessária boa dose de coragem moral para abrirmos nossas mentes e dialogar. Mas é imperativo abandonar nossas armas e couraças para isso. E cabe a mim a iniciativa de abandonar minhas defesas, se eu quero sinceramente que meu vizinho também abandone as suas. Cabe a cada um de nós romper o círculo vicioso de ofensas e retaliações que tem envenenado o ambiente político de nosso país.

Nenhum de nós é perfeito. Cada um de nós, em alguma medida é responsável pelo cultivo de animosidades e antagonismos que nos trouxe a essa situação insuportável. Cada a um de nós, a seu modo muito peculiar, é parte do problema. Precisamos refletir sobre nós mesmos e mudar algumas de nossas atitudes para que nos tornemos parte da solução. "O Inferno são os outros", mas todos nós somos o outro de alguém. 

Se há nobreza em acreditarmos em nossos ideais, há ainda maior nobreza (e realismo) em compreender que precisamos abrir mão de parte deles para construir uma sociedade um pouco melhor. Um pouco melhor para mim, mas também para meu vizinho. Às vezes, é melhor ser gentil que "vencer" um debate à custa da gentileza. Se a única maneira que encontro para afirmar meu ponto de vista é hostilizando o outro, minha causa já está perdida, pois a hostilidade fecha ouvidos, corações e mentes.

Palavras virulentas e discursos apaixonados são ótimos para políticos que buscam votos a qualquer custo, mas são péssimos para nossas relações cotidianas. E é justamente nas esferas de convívio cotidiano que podemos e precisamos cultivar o diálogo saudável, sem o qual a democracia definha e se desfigura, tomando ares de uma guerra mental que a cada dia nos desgasta emocionalmente e intoxica nossa existência. 

Queremos todos viver em paz com nossos vizinhos - e todo mundo é vizinho de alguém. 



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