Como disse uma amiga, perdemos mundos inteiros: o mundo da monarquia brasileira, de D. João VI, D. Pedro I, D. Pedro II, Princesa Isabel; o mundo dos dinossauros e da megafauna brasileira e sul-americana; o mundo da fauna e da flora dos trópicos; o mundo das culturas regionais do Brasil.
O mundo que me toca mais de perto é aquele dos índios do Brasil. Ali estava o maior acervo de cultura material indígena do Brasil. Além dos artefatos indígenas propriamente ditos, havia precioso material arquivístico, incluindo registros de pesquisas de campo, fotografias, registros fonográficos, teses não publicadas etc.
Segue um levantamento informal de uma pequeníssima parte do que perdemos sobre os índios, a partir de conversa com meus amigos antropólogos:
-Toda a coleção Rondon;
-Toda a coleção Roquete-Pinto;
-Os diários de campo apenas parcialmente digitalizados de Curt Nmuendaju, um dos maiores etnógrafos do início do século XX, com dados preciosos sobre as culturas indígenas na época;
-Todos os registros do grande Projeto Brasil Central, que contou com a participação de inúmeros pesquisadores brasileiros e estrangeiros em meados do século XX, projeto que teve imensa relevância para o desenvolvimento da teoria antropológica dentro e fora do Brasil;
-Décadas de fotografias de populações indígenas, a maior parte sem cópias ou digitalização de qualquer espécie;
-Registros linguísticos INSUBSTITUÍVEIS, manuscritos, impressos ou fonográficos, de línguas indígenas que se encontram EXTINTAS;
-Enfim, centenas de artefatos indígenas raríssimos, e até exemplares únicos NO MUNDO.
Resumindo, o incêndio de ontem equivale a um segundo genocídio das culturas indígenas. Perderam-se línguas, mitologias, técnicas, legados de vidas inteiras, séculos de realizações humanas desse nosso "Novo Mundo". Matamos os índios de novo. Na primeira vez, por maldade; agora, por simples descuido.
O incêndio do Museu Nacional não rasgou apenas algumas páginas de nossa História; ele destruiu volumes inteiros.
Sinto uma mistura de tristeza e raiva ao pensar em todo o conhecimento que aquele acervo ainda reservava por explorar e que agora está irremediavelmente perdido, literalmente reduzido a pó.
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