Em primeiro lugar, os alunos. As agressões começam em sala de aula. Agressões morais.
Agressões verbais. Até agressões físicas.
Na PRIMEIRA SEMANA de aula desse ano um aluno mandou
uma colega minha “tomar no c*”. Xingamentos na saída da escola, na rua ou no
ponto de ônibus fazem parte da rotina.
Um amigo meu, que trabalha numa daquelas áreas
eufemisticamente rotuladas como “de risco”, ouve constantemente os alunos
avisando-lhe que “vai rolar o coreto” – uma simpática gíria para “assalto”.
Sempre “de brincadeira”.
Ano passado, eu mesmo fui vítima de duas agressões
físicas – uma acidental, a outra proposital. A agressão acidental aconteceu
quando precisei separar uma briga DENTRO de sala de aula. A agressão proposital
foi provocada por um aluno que atirou uma mochila contra meu rosto – “de
brincadeira”, é claro. Meu olho ficou doendo por três dias – e não foi
“brincadeira”.
Também no ano passado, soube que um aluno puxou uma
pistola contra um professor numa escola carioca. Pressionou várias vezes o
gatilho - por sorte, a arma não disparou. Não saiu no RJ TV. “Brincadeira”?
Em breve teremos aulas de defesa pessoal nos cursos
de licenciatura.
Aulas inteiras são literalmente desperdiçadas
solucionando problemas disciplinares que sequer deviam existir.
Por que isso acontece? Por que tanta agressividade? Educar
incomoda?
Honestamente, não sei. Só sei que inúmeros estatutos
e regimentos nos amarram. As unidades escolares dispõem de pouquíssimos
recursos para resolver de modo eficaz esse tipo de situação. Transferir um
aluno que não respeita colegas e professores para outra escola é quase tão
difícil quanto enviar um explorador a Marte.
É claro que podemos denunciar um estudante por
desacato ao servidor no exercício da função (3 a 12 meses de reclusão). Um
tanto extremo, não? Nunca fiz isso; não acho que enviar um jovem mal-educado
para uma instituição correcional vá de fato “corrigi-lo”.
Ficamos perdidos entre a leniência do Estatuto da
Criança e do Adolescente e o rigor do Código Penal.
Depois,
somos novamente agredidos pelos responsáveis
por esses alunos, que via de regra acham que apenas a escola deve educar seus
filhos e, muitas vezes, ainda reclamam quando não toleramos certas
“brincadeiras”.
“Ele
também é assim em casa”. “Não entendo, ele tem tudo que quer” [sic]. “Não sei
mais o que fazer com ele”. Etc. Não surpreende que uma das frases que mais
ouvimos de alunos seja: “Eu não respeito nem minha mãe...”!
Muitos
responsáveis, aliás, só comparecem à escola para resolver assuntos pertinentes
ao Bolsa Família. “Só venho à escola para ganhar presença”, já me disse um
aluno.
Também
somos agredidos pelo conselho tutelar
e pelo juizado de menores, que
normalmente não agem em relação aos casos que chegam a essas instâncias - mesmo
que envolvam situações domésticas de abandono ou abuso. Ficamos sozinhos diante
desses problemas.
Acima de
tudo, somos agredidos de todas as formas imagináveis pelas secretarias de educação, que pouco fazem para amenizar os excessos
e faltas que nos assaltam. Excesso de alunos em sala de aula. Excesso de
“metas” de aprovação. Excesso de projetos mirabolantes e milionários. Excesso
de tecnologias revolucionárias que não funcionam por falta de manutenção.
Excesso de terceirização. Excesso de contratos temporários. Falta de concursos.
Falta de cumprimento à lei de 1/3 da carga horária para planejamento. Falta de
pessoal administrativo suficiente nas escolas, especialmente inspetores e
coordenadores. Entre carências e excessos, sofre o professor.
Somos
agredidos por legisladores cujos
projetos visam cercear a autonomia pedagógica.
Somos
agredidos pela imprensa que enaltece
esses grandes administradores e legisladores, verdadeiros salvadores da pátria (“educadora”)
– a mesma imprensa que adora dizer que greves de professores “prejudicam os
alunos”.
Somos
agredidos por todas as fundações, institutos e ONGs que vampirizam recursos públicos vendendo soluções milagrosas
para a educação pública.
Somos
agredidos ainda por parte da “inteligência”
brasileira. Há cerca de um mês, li uma entrevista de um economista “de
aluguel”, “especialista” em educação, afirmando que a escola deve parar de
“empurrar responsabilidades” para a família do estudante. Segundo essa
sumidade, o único papel da família é dar amor, alimentação e botar o jovem para
dormir cedo; o resto é com a escola. Somos agredidos por todos os
“intelectuais” que gostam de nos “defender”, mas não gostam de nos OUVIR.
Nessa
pátria “educadora”, também somos agredidos pelo governo federal, que não cobra o mínimo de transparência no uso dos
recursos transferidos pela União às prefeituras
e governos estaduais. É mais fácil entender
a Crítica da razão pura que saber
exatamente de que maneira são empregadas as verbas do FUNDEB. Esse mesmo
governo federal promove a usurpação de recursos da educação pública em
benefício de instituições particulares de ensino, através de programas
“sociais”, “sócio-eleitorais” ou “sócio-eleitoreiros” – à preferência do
freguês, que tem sempre razão. Se não mantivermos olho vivo, esse mesmo governo
empregará os rendimentos do pré-sal na promoção da educação... privada. Mas
quem precisa se preocupar, depois do despertar da jararaca?
Finalmente,
quando ousamos sair às ruas com nossas reivindicações, não faltam spray (in english) de pimenta, lacrimogêneo, balas de borracha e
“casse-têtes” (en français). Cortes
sumários de salário, sem obedecer aos ritos da lei, também não são impossíveis.
Quem sai na chuva...
Somos
agredidos pelas direções sindicais,
mais preocupadas com a promoção de seus respectivos partidos políticos que com
os interesses da categoria.
Somos
agredidos pela maioria dos cidadãos,
que permanece indiferente a tudo isso, e depois se escandaliza quando uma
pessoa é esfaqueada num bairro nobre.
O
professor do ensino básico está sempre errado. Sempre é culpa dele.
Alguém
fica surpreso que os professores constituam uma das categorias recordistas em
licenças médicas no serviço público? No fim das contas, reformulo minha indagação:
quem NÃO bate nos professores do Brasil?
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