Extratos de As diversas formas de ser índio, de Elisa Frühauf Garcia
"O processo pelo qual os índios recontam a sua história enquanto aliados dos europeus foi demonstrado por Serge Gruzinski. Segundo a sua análise, os índios de determinados pueblos do México, ao escreverem as suas histórias em documentos destinados a proteger as suas terras comunais, realizavam uma releitura do seu passado em que era privilegiada a relação de aliança com os espanhóis e omitidas as faces mais violentas da "conquista". Desse modo, ao contrário da visão geralmente privilegiada pela historiografia, enfatizando a violência e a crueldade da conquista, estes relatos nativos se centravam nos significados, geralmente tidos como benéficos, da chegada dos espanhóis e, principalmente, outorgavam um papel de destaque aos índios dos seus próprios pueblos na conquista e estabelecimento dos espanhóis na região. Nessa visão, os índios não se representavam enquanto vítimas dos espanhóis, mas como seus colaboradores. Para o autor, a explicação dessa abordagem era a tentativa de manutenção dos direitos dos pueblos a partir da invocação da sua participação histórica no estabelecimento dos espanhóis, embora os relatos também tivessem, ou foram escritos para ter, a intenção de manter os laços comunitários entre os habitantes dos pueblos.
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Elaborar uma interpretação baseada apenas na ênfase às violências cometidas pelos portugueses contra os índios, não concedendo aos últimos nenhuma margem de manobra ou mesmo de participação nas situações de conflito, acaba por retirar dos índios a sua condição de agentes históricos. Esse tipo de abordagem considera, ainda que de maneira velada, os índios incapazes de fazerem as suas próprias escolhas, de formularem as suas interpretações e, de forma mais geral, de serem partícipes da construção dos espaços sociais que ocupavam na sociedade colonial. Esses lugares, conforme já colocado em outros momentos deste trabalho e de acordo com o apontado por alguns autores em estudos para outras regiões da América portuguesa, não foram apenas outorgados pelo Estado, mas foram também apropriados pelos índios que lá habitavam, os quais lutaram pela sua manutenção".
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