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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Pedro Paulo Funari sobre a História na BNCC

Excelente avaliação. Recomendo a leitura a todos os interessados no debate.

"Além disso, pelo princípio da diferença, será importante constar do currículo aquilo que é diverso na origem, mas que, hoje, no século XXI, está em relação, como: a história e cultura chinesa, tanto por seu valor em si, como pelo papel da China hoje; o mesmo vale para a Índia, com sua imensa riqueza histórica e cultural, mitológica e ritual; assim, também, as civilizações ameríndias e africanas pré-históricas, pois estão na gênese de parte significativa das concepções de mundo e cultura no Brasil e são  pouco conhecidas. Em todos os temas de interesse universal, deve buscar-se a inclusão dos grupos subalternos, das mulheres, dos comportamentos minoritários, da cosmovisões também minoritárias. A historiografia brasileira sobre a Antiguidade, a Idade Média e a Modernidade tem se destacado, aqui e lá fora, também por estudar esses aspectos, sempre com o apoio das agências de fomento e das universidades. O mais importante, deve ressaltar-se, é que tais conteúdos da História universal devem estar explicitados e detalhados em um currículo, como é o caso em outros países que se preocupam com a inclusão social, de modo que esse conhecimento universal não fique restrito a poucos".

Texto completo

Objetividade, subjetividade e intersubjetividade

Objetividade é importante, subjetividade é mais importante ainda, mas a intersubjetividade é simplesmente ESSENCIAL.

Na maior parte das vezes, aquilo que ilusoriamente tomamos por objetividade não passa de intersubjetividade. Por outro lado, na maior parte do tempo, nossa subjetividade está calcada nas relações que mantemos com outros sujeitos (humanos ou não), constituindo verdadeiramente uma experiência intersubjetiva, por mais sutil que possa parecer essa intersubjetividade. 

No fundo, talvez não existam realmente objetos no sentido próprio do termo, apenas sujeitos de diversas naturezas e as interações entre eles, constituindo um amplo, múltiplo e complexo campo de relações intersubjetivas, dentre as quais algumas se nos afiguram, de modo provisório, efêmero e um tanto arbitrário como relações sujeito-objeto. Isso é particularmente verdadeiro para as ciências humanas e biológicas, mas creio que, com as devidas ressalvas, também se aplique em alguma medida às exatas.

Quem fala sobre Educação Básica no Brasil?

Há décadas a opinião de economistas, burocratas e professores universitários conta mais que a dos professores de ensino fundamental e médio para o desenvolvimento de nossas políticas públicas na educação básica. Por isso mesmo, me parece, a educação básica brasileira permanece à deriva há décadas, perdida em "aventuras" e projetos custosos, ineficientes e até mesmo destrutivos. Já passou da hora de ouvir o que os VERDADEIROS especialistas têm a dizer! O verdadeiro especialista é aquele que conhece profundamente o cotidiano da educação básica, que vive de perto a realidade da escola pública, não aquele que observa de longe.

Todas as opiniões são válidas e muito necessárias, mas existe uma óbvia e profunda assimetria nos diálogos e discursos que se estabelecem acerca do ensino básico em nosso país. Obviamente essa não é a única razão dos problemas vivenciados na educação básica em nosso país, mas eu diria que é, sim, um GRANDE problema. 

Não falo isso por puro "achismo"; trata-se de conclusão derivada de inúmeras experiências profissionais e acadêmicas. Leciono na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro há 8 anos, e já trabalhei na coordenação de um projeto pedagógico de grande porte no nível central, os Cadernos de Apoio Pedagógico. Há 3 anos trabalho na FAETEC-RJ, uma das ilhas de excelência no ensino público fluminense, onde tenho assistido  a implementação, de cima para baixo, de projetos e políticas que as comunidades escolares não consideram corresponder a seu efetivo interesse, com resultados por vezes deletérios. Além disso, já lecionei em uma universidade particular e em uma federal, como bolsista de doutorado, sem contar com a experiência acadêmica de pós-graduação, em mestrado, doutorado e pós-doutorado. 

O que percebi claramente, transitando por todos esses espaços de reflexão e prática educacional, é que nem todas as vozes são ouvidas da mesma maneira. Existem aqueles que são mais costumeiramente aceitos como sujeitos de discursos sobre a educação (entre os quais burocratas, economistas e professores universitários), enquanto outros são normalmente tidos como objetos desses discursos (os professores do ensino básico). Existe uma nítida hierarquização das opiniões, onde justamente os profissionais mais diretamente envolvidos nas atividades de educação básica parecem ser sistematicamente relegados ao nível hierárquico mais baixo. Isso fica evidente, por exemplo, nas dinâmicas que se configuram no âmbito dos grandes projetos educacionais das redes de ensino básico; basta observar quem bate o martelo e quais opiniões adquirem mais peso nas deliberações - sem falar nas discrepâncias de remuneração...
 
Cabe esclarecer: não estou acusando de forma alguma as PESSOAS na academia de terem essa postura (nem faria sentido, visto que também eu participo das dinâmicas acadêmicas); o problema todo está no conjunto de RELAÇÕES entretecidas historicamente em torno da reflexão sobre as políticas públicas em educação, relações essas que muitas vezes nos ultrapassam, nos envolvem e conferem à nossa ação sentidos que não correspondem plenamente às nossas posturas ou intenções. 

O nó górdio, me parece, é o peso específico que cada opinião ganha nos debates; os "lugares de fala" são normalmente considerados de maneira muito diferenciada, independentemente da formação acadêmica propriamente dita. É uma questão de determinado prestígio associado a determinadas posições; há muitas nuances presentes em gestos, atos e palavras, como se vê, por exemplo, nos cursos de capacitação oferecidos pelas secretarias de educação - é só prestar atenção às pessoas que são escolhidas para falar nesses cursos, e aquelas que são "obrigadas" a ouvir. Se não há aí uma hierarquização de saberes implícita, é uma estranha acumulação de coincidências. 

Situando a discussão num plano mais concreto, algumas redes públicas de ensino contam com muitos profissionais com doutorado e produção acadêmica consistente em todas as disciplinas, mas estes nunca, ou muito raramente, são escalados para trabalhar nessas capacitações. E, convenhamos, ter um doutor inserido na realidade escolar falando sobre o assunto me parece muito mais produtivo numa capacitação do que trazer um doutor que não tem, muitas vezes, experiência alguma no ensino básico. Nada disso quer dizer que haja (necessariamente) uma postura de superioridade por parte dos professores universitários que aceitam participar desse gênero de capacitação; no entanto, independentemente da postura pessoal do professor que ministre a aula ou o curso, a configuração geral de cada curso, e do conjunto de cursos ao longo do tempo e, transversalmente, oferecidos nas diversas disciplinas, caracterizam de forma "estrutural" um conjunto de relações marcado pela premissa (mais ou menos) implícita de que alguns estão "autorizados" a pensar a educação enquanto sujeitos, restando aos outros a posição de objetos. 


Outro exemplo - em publicações voltadas para educação básica, as reportagens costumam enquadrar as opiniões dos profissionais em dois planos muito distintos: geralmente se retratam opiniões de caráter técnico/teórico sendo proferidas por professores universitários e o professor do ensino básico aparece apenas relatando alguma experiência profissional pontual que, de alguma forma, ratifique a perspectiva proposta pela reportagem. Mais uma vez, isso não significa que, necessariamente, o professor universitário entrevistado para a reportagem veja as coisas nesses termos, mas sua opinião será, normalmente, enquadrada pelo jornalista ou pela redação num conjunto de referências de modo que ela ganhe determinada conotação. 

Por sinal, minha reflexão inicial foi motivada justamente por uma entrevista em que um economista "de aluguel", "especialista" em educação, falava com ar profundo e entendido, verdadeiras barbaridades. Enfim, não é uma questão de disputa, até porque todos nós, assim como nossos familiares, ocupamos cada uma dessas posições em um ou outro momento da vida, e  o diálogo é extremamente necessário, útil e construtivo; é um assunto sobre o qual devemos todos cooperar de modo amplo e profundo. No entanto, esse diálogo precisa ocorrer de forma simétrica - e não é isso que acontece, o que muitas vezes causa indignação entre os professores do ensino básico. Pior ainda, temos pouquíssimos espaços onde expressar essa indignação e reivindicar nosso dever de contribuir de verdade para a construção de nossas políticas públicas para a educação básica. Ressalto: essa postura não vem apenas, nem principalmente da "academia" (por sinal, o que é a academia?); esses discursos se articulam em vários espaços e instâncias, como, por exemplo, a imprensa e, principalmente, entre os gestores públicos na área de educação. 

É preciso, de muitas maneiras, não diria restaurar, mas instaurar um diálogo plenamente simétrico.


Me parece que a ampla incorporação das opiniões e anseios de professores, funcionários, alunos e responsáveis do ensino básico aos debates sobre nosso sistema educacional permitiria um imenso salto qualitativo nas políticas públicas de educação básica, fomentando a gestão democrática, descentralizada e eficiente dos recursos materiais, financeiros e humanos disponíveis para os ensinos fundamental e médio. Para que esses recursos sejam empregados de maneira plenamente satisfatória, seria necessário que o maior poder de deliberação sobre seu uso estivesse localizado nas unidades escolares - ou seja, o mais próximo possível do polo de demanda por serviços educacionais de qualidade.

Afinal de contas, que democracia é essa onde a opinião que menos conta é aquela dos principais interessados no assunto?

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Notas de um historiador a "Uma carta aberta ao Brasil"

Dedicado aos amigos Lahna Barbosa e  Kainã Diniz, que despertaram minha curiosidade sobre o tema


O texto Uma carta aberta ao Brasil, de um tal Mark Manson, autointitulado “autor, pensador e entusiasta da vida” americano, anda circulando na Internet e causando polêmica. Enquanto historiador, traço aqui algumas notas sobre o texto em questão. Minhas anotações ficaram um tanto longas, mas enfim, “textão” contra “textão”. Se vocês tiveram paciência para ler as reflexões de Manson, rogo-lhes boa vontade para acompanhar as minhas. Sigamos por partes.

1 – O texto propriamente dito
Do ponto de vista formal, cabe apenas notar que o texto adota a forma de uma carta endereçada diretamente ao país, artifício retórico que poderia ser interessante, caso o autor o empregasse de forma consistente – o que não acontece: Mason perde o fio da meada, por vezes se dirigindo diretamente ao Brasil, por outras aos brasileiros, rompendo seguidamente a coesão do texto.

Quanto ao conteúdo, o autor articula uma crítica superficial e moralista à “cultura brasileira” (noção vaga e imprecisa), à qual atribui os problemas do Brasil, constituindo o principal obstáculo ao “desenvolvimento” e ao “progresso” do país. Segundo Mason, a "cultura brasileira" fomentaria diversos obstáculos ao progresso, como a corrupção cotidiana, uma suposta vaidade excessiva, falta de compromisso etc. Sempre apelando para o senso comum rasteiro, o “pensador” receita uma genérica “revolução interior” como panaceia para solução de nossos problemas, no melhor estilo literatura-motivacional-e-de-autoajuda.

Muitas das críticas são pertinentes, mas o autor as articula de modo completamente isolado e descontextualizado, o que é insustentável em termos de uma análise social séria. Vale ainda ressaltar a arrogante perspectiva adotada pelo texto, o que será analisado a seguir.

2 – As matrizes discursivas
A tal “carta aberta” é tão superficial que mal vale a pena discuti-la. O mais interessante aqui é abordar as matrizes discursivas que a sustentam, o "meta-texto" por trás e para além do texto. Assim, convém analisar o paradigma civilizatório que lhe serve de alicerce, pautado em noções vagas e bastante reificadas de “progresso” e “desenvolvimento”. Ao contrário do que parece, tais ideais não são inerentemente bons ou desejáveis.

Nesse sentido, vale lembrar que no início do século XX a Alemanha e a Áustria eram consideradas duas das nações mais “civilizadas” (equivalente ao atual “desenvolvidas”) do mundo e deram origem a um dos regimes mais bárbaros e perversos da contemporaneidade. De fato, a ascensão do nazismo deixou perplexa e chocada boa parte dos intelectuais europeus de então, que imaginavam que suas sociedades supostamente guiadas pela razão esclarecida estariam imunes a semelhante barbárie, enquanto, pelo contrário, o que se viu foi a instauração de uma brutalidade dotada de eficiência industrial e moderníssimos requintes administrativos, o que, no fundo, choca muito mais que outros atos de violência espontânea e descontrolada, cometidos por gente “ignorante”. Aliás, vale lembrar que foi na super educada e civilizada Viena da virada do século XIX que o Dr. Freud encontrou o grande casulo de neuroses sexuais de onde extraiu sua psicanálise. Por sinal, em minhas poucas viagens fora do Brasil nunca conheci um povo mais educado e polido que o vienense, mas é difícil esquecer que poucas décadas atrás seus antepassados receberam o Führer de braços abertos – ou, mais literalmente, esticados... Também é interessante destacar que os ideais de eugenia e supremacia racial defendidos pelo Nazismo não eram fruto de falta de instrução; pelo contrário, as teorias racistas se apoiavam na ciência da época, com forte inspiração da teoria evolucionista darwinista.

Outro interessante exemplo é o Japão atual. Há pouco comprei um livro do monge budista Kentetsu Takamori; ele lembra que o Japão atualmente proporciona a seus habitantes considerável prosperidade, bons serviços públicos, elevados padrões de consumo e grande conforto material, apresentando baixíssimos índices de miséria ou criminalidade. Apesar disso, milhares de japoneses levam vidas infelizes, esvaziadas de sentido e significado, consumidas por uma estafante rotina de trabalho na juventude e uma tediosa aposentadoria na velhice. Há alguns anos um “manual do suicídio” se tornou best seller em terras nipônicas, elencando inúmeros motivos supostamente razoáveis pelos quais um japonês poderia renunciar à própria vida.

Apelando para uma experiência pessoal, o lugar mais desagradável que já visitei foi Zurique, na Suíça. É uma cidade riquíssima, com elevados padrões de consumo de luxo, mas me pareceu uma cidade absolutamente sem alma e sem coração, onde não se acha uma livraria decente ou um museu interessante, embora se encontrem lojas das maiores grifes internacionais a cada esquina e seja possível avistar um luxuoso carro esportivo a cada 30 segundos. É o tédio consumista levado ao paroxismo. Não à toa, Zurique é hoje uma das capitais mundiais das clínicas de suicídio assistido. Outro exemplo europeu do consumismo avassalador é o Palais Royal, em Paris, que abrigava as melhores livrarias da Europa no século XIX, mas no qual não se encontra mais nenhuma hoje em dia - embora também ali abundem lojas das mais caras e prestigiosas grifes da atualidade. Me parecem sinais curiosos do quanto o tal “desenvolvimento” não é o suficiente para nos oferecer vidas mais ricas e significativas.

Nem me dou ao trabalho de avançar sobre o caso dos Estados Unidos de Manson. Basta ir a qualquer cinema carioca para constatar a franciscana pobreza intelectual, moral e cultural do “desenvolvido” povo americano.

Enfim, nada disso faz do Brasil um lugar melhor, e nossos problemas são muito reais, mas não acho que as nações "desenvolvidas" sejam realmente um exemplo a seguir ou um objetivo a alcançar. Por mais que os deslumbrados turistas brasileiros louvem a fabulosa “educação” do europeu médio, me parece que ruas livres de guimbas de cigarros e pessoas não dando calote no transporte público sejam objetivos civilizacionais muito ralos para ter como modelo e objetivo. Francamente, almejar isso é se contentar com quase nada. Por sinal, quem circula em ruas, bairros e horários menos turísticos de Paris, sabe muito bem que nem todas as localidades são tão limpas e nem todos os parisienses são tão honestos assim - basta passar cinco minutos no "tramway" para verificar quantas pessoas viajam sem validar seus bilhetes. Veja bem, não estamos falando de imigrantes ou refugiados; se trata de “français de souche”, “franceses de raiz”, para usar um termo bem preconceituoso e descortês. Aliás, o turista brasileiro médio ama o Museu do Louvre, mas nunca pôs os pés no Museu Histórico Nacional. O brasileiro "instruído" ama a cultura - desde que ele esteja no exterior e ele possa postar uma selfie com a Gioconda. Aliás, ele nem presta atenção às magníficas Bodas de Caná de Veronese, que estão na parede oposta, na mesma sala.

Tudo isso me faz lembrar o interessante O desconforto da riqueza, livro do historiador (americano, por sinal) Simon Schama, que explora as múltiplas dimensões da cultura holandesa no século XVII, período em que os holandeses se tornaram a maior potência naval, comercial e financeira da época. Logo no começo do livro, Schama analisa o relato de um inglês residente na Holanda, que comentava um estranhíssimo hábito dos holandeses seiscentistas: limpar cotidianamente a casa, sem que ela estivesse "suja" - para os padrões britânicos, a residência só estaria suja, digamos, quando  o chão estivesse enlameado ou um penico fosse entornado acidentalmente, por exemplo. O texto mostra, nesse simples hábito de higiene, uma disparidade cultural crescente entre holandeses e ingleses de então; a atitude holandesa remetia à nascente disciplina social moderna, composta por valores como decência, austeridade, frugalidade, poupança, trabalho diligente etc.

Por outro lado, curiosamente, Schama aborda uma prática realmente chocante: para puro entretenimento, era comum que os holandeses pagassem uma entrada para visitar prisões, apenas pela "diversão" de xingar, humilhar e debochar dos detentos. Gesto bastante bárbaro, me parece. Mas seria um erro imaginar que as duas atitudes sejam antitéticas. Pelo contrário, são faces da mesma moeda: era uma sociedade que se envaidecia de sua (supostamente) virtuosa disciplina e, por isso mesmo, se imaginava no justo direito de escarnecer cruelmente daqueles que lhe pareciam em condição moral (e social) inferior. Ao longo das Idades Moderna e Contemporânea esse novo modelo civilizatório se espalhou pelo mundo inteiro, se ramificando, diversificando e adquirindo diferentes nuances em cada época e lugar, incorporando variados discursos políticos, econômicos, religiosos, culturais e até raciais. De certo modo, podemos propor que o texto de Manson participa amplamente dessa matriz discursiva, arvorando-se em porta-voz da civilização e do progresso, emitindo retumbantes julgamentos e dando uma paternalista e condescendente bronca n o "povo brasileiro", esse ente abstrato. Para nos ajudar, é claro.

Enfim, precisamos criar nosso próprio paradigma civilizacional, não apenas seguir cegamente um receituário pronto para consumo.  Sigamos à parte final dessa já longa reflexão.

3 – A recepção brasileira do texto
Para fechar, convém indagar as razões pelas quais o texto de Manson encontrou tamanha repercussão entre nós. Em primeiro lugar, como já observou um texto interessante, embora um tanto superficial e recheado de clichês, o discurso de Manson vem ao encontro do que muitos brasileiros já pensavam antes, oferecendo uma ratificação externa a essas opiniões.

Todavia, o problema não é somente esse; a grande questão é: por que tantos brasileiros atribuem valor tão expressivo à opinião de um americano que diz ter morado poucos anos no Brasil? Seria nosso famoso “complexo de vira-lata” atuando? Sem dúvida, mas não apenas.

A chave me parece estar na nacionalidade do autor. É fácil imaginar um contraponto: se um nigeriano, um congolês, um indonésio ou um peruano tivesse escrito uma “carta aberta” expressando os mesmos pontos de vista que Manson, o texto encontraria a mesma ressonância? Me parece que não. Muitos brasileiros perguntar-se-iam: “quem esse nigeriano/congolês/indonésio/peruano pensa que é?!”. As razões são relativamente complexas, mas não é difícil resumi-las: aceitamos ouvir opiniões semelhantes de um americano, um francês, um alemão, um suíço e outros, porque nos relacionamos com esses povos de modo deferente, e, sejamos sinceros, subserviente. Toleramos (e até aplaudimos, curtimos, compartilhamos) o que jamais aceitaríamos de outros. Aliás, é curioso notar que dificilmente um brasileiro criticaria os americanos no tom paternalista, condescendente e sapiencial empregado por Mason. Até utilizaríamos esse mesmo tom – para com nigerianos, congoleses, indonésios, peruanos...

Tudo isso convida a repensar nosso “complexo de vira-lata”. Como quase tudo na vida, esse “complexo” não é algo autossuficiente; ele é relacional, à medida que participa de uma série de relações historicamente estabelecidas entre o povo brasileiro e o restante do mundo. Somos submissos a quem está “acima” e arrogantes com quem está “abaixo”; "vira-latas" para um lado, "rottweiler" para o outro. E isso, no fundo, é ainda mais desagradável – assustador, até – que a versão standard do “complexo de vira-latas”.

Concluindo, nada disso quer dizer que nunca devamos ouvir opiniões estrangeiras. Pelo contrário, muitos estudiosos de diversas nacionalidades e disciplinas contribuíram e contribuem enormemente para pensar o Brasil ou a América Latina, como Claude Lévi-Strauss, Charles Boxer, Stuart Schwartz, Richard Morse, Thomas Skidmore, Serge Gruzinski, Frédéric Mauro, Kenneth Maxwell, Geoffrey Needell, entre muitos outros. Mas uma coisa é dar ouvidos a um intelectual conhecedor de nossa história e de nossos processos sociais; abaixar a cabeça diante das opiniões de um “gringo” leigo e arrogante como esse tal Mark Manson é outra coisa inteiramente diferente..

Luiz F. F. Tavares é professor de História das redes FAETEC-RJ e SME-RJ, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense e pós-doutorando em Antropologia Social pelo Museu Nacional

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sobre intelectuais e contracheques

Como diz Terry Eagleton, alguns pós-modernos adoram "dançar à beira do caos", mas não admitiriam que seus gerentes bancários sequer sonhassem com isso. A verdade é que muitos intelectuais, no mundo inteiro, só estão refletindo sobre seus contracheques. Todo mundo se preocupa com isso, é bem verdade; o problema é certa nonchalance acadêmica que finge ignorar a mera existência de contracheques...!

Sobre clubes, igrejas e universidades

Richard Feynman, Nobel de Física, fazia uma comparação curiosa: certos círculos acadêmicos se comportam mais como um grêmio estudantil cuja principal preocupação é definir QUEM é digno de entrar no clubinho, e não exatamente O QUE se faz dentro do clubinho...

Alguns acadêmicos estão genuinamente interessados na reflexão livre. Outros, querem fazer "escolas"; muitos querem fundar "igrejas"... Felizmente, em minha trajetória, tenho encontrado muitos intelectuais comprometidos com a discussão aberta e profunda. Acho que o segredo é saber reconhecer essas pessoas onde elas estão, fortalecer os vínculos com elas e deixar os "escolásticos" de plantão discutindo o sexo dos anjos, em sua rigidez hierática e revolucionários dogmas, eternamente celebrando iniciáticos rituais e enunciando verdades imaculadamente concebidas.

Pouco importa: acima de todos nós, tal como sucedia aos impérios d'antanho, o Sol nunca se põe sobre a Plataforma Lattes...

A academia e suas estranhas métricas

E aí eu me pergunto: alguém consegue desenvolver um BOM artigo acadêmico com reflexão INÉDITA em menos de 10 mil palavras?!

Vale realmente a pena investir dinheiro público dessa maneira...?

Não seria melhor reduzir a quantidade de artigos por número do periódico, otimizando assim o uso do espaço (e do orçamento)?

É preferível publicar 20 artigos amputados ou 10 artigos satisfatoriamente desenvolvidos?

Queremos promover reflexão original ou apenas acumular redundâncias?

Creio que seríamos capazes de produzir conhecimento de modo mais profundo eficaz se não operássemos dentro de um sistema onde a quantidade quase sempre leva a melhor sobre a qualidade. Aliás, as duas coisas se complementam, às vezes em proporção inversa: MENOS quantidade, em muitas ocasiões, pode estimular MAIS qualidade - acho que é precisamente a questão aqui.

Há alguns anos li um texto muito interessante do historiador britânico Keith Thomas sobre essa problemática, que penso ser mundial. No texto em questão, Thomas pontuava que algumas obras seminais da historiografia britânica produzidas 50 ou 60 anos atrás seriam inviáveis dentro dos padrões de produção acadêmica atuais. Certamente estamos produzindo muito conhecimento, com variáveis níveis de qualidade, mas fico me perguntando sobre o conhecimento que NÃO estamos produzindo, pressionados e condicionados por essas políticas públicas arbitrárias. 

"Qualis ou 'quantis'?!" - indagaria o Mussunzis... Cacildis!

Qual é a métrica que equaciona esses problemas?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Impressões sobre o ato unificado dos servidores do Estado do Rio (03/02/2016)

-Estava lindo! Foi espetacular ver cerca de 3 mil trabalhadores de tantas secretarias e autarquias reunidos para lutar por seus direitos. Uma visão imponente!

-Avalio que agora temos 3 desafios primordiais pela frente: 1 - aumentar o movimento; 2 - cuidar para que o movimento não perca a coesão; 3 - vigiar muito bem o que as direções sindicais vão fazer e fortalecer a participação de base (não pode ficar como movimento "vanguardista" de gabinete).

-O evento estava espetacular, mas foi completamente conduzido pelas "lideranças". É válido para começar, mas a base tem que se apoderar do movimento.

-Sempre sonhei em ver uma greve geral, e fico ultra empolgado em imaginar uma greve geral durante as olimpíadas. Olhando com o pé no chão, a perspectiva ainda é prematura, mas vale a pena pensar nisso a médio ou longo prazo. Precisamos refletir e confabular bastante para delinear as táticas para os próximos movimentos e as estratégias em nosso horizonte.

-Achei a data marcada para o próximo ato, 2 de março, muito distante. Precisamos cobrir essa lacuna dinamizando o movimento nas redes sociais e, principalmente, em nossos locais de trabalho.

-Temos uma oportunidade preciosa nas mãos. Precisamos aproveitá-la com sabedoria.