Newsletter

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Oficina de Clio - Newsletter

Inscreva-se na newsletter para receber em seu e-mail as novidades da Oficina de Clio!

Nous utilisons Sendinblue en tant que plateforme marketing. En soumettant ce formulaire, vous reconnaissez que les informations que vous allez fournir seront transmises à Sendinblue en sa qualité de processeur de données; et ce conformément à ses conditions générales d'utilisation.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Insegurança como virtude

Extrato de Iludidos pelo acaso, de Nassim Nicholas Taleb

Acredito que o ativo mais importante que preciso proteger e cultivar é minha arraigada insegurança intelectual. Meu lema é: "minha principal atividade é provocar aqueles que se levam a sério demais e levam o valor do seu conhecimento a sério demais". Cultivar essa insegurança no lugar de uma confiança intelectual talvez seja um objetivo estranho - e difícil de executar. Para tanto, precisamos limpar nossa mente da tradição recente de certezas intelectuais. Uma leitora que se transformou em minha correspondente me fez redescobrir Montaigne, o ensaísta francês e profissional introspectivo do século XVI. Fui absorvido pelas implicações da diferença entre Montaigne e Descartes - e por como nos desviamos procurando pelas certezas deste último. Fechamos a mente ao optar por seguir o modelo de pensamento formal de Descartes em vez da variedade vaga e informal (mas crítica) do raciocínio de Montaigne. Meio milênio depois, o gravemente introspectivo e inseguro Montaigne ainda figura como firme exemplo para o pensador moderno. Ademais, ele apresentava uma coragem excepcional: sem dúvida é preciso ter coragem para permanecer cético; é necessária uma coragem desmedida para ser introspectivo, para enfrentar a si mesmo, para aceitar as próprias limitações - os cientistas encontram cada vez mais evidências de que somos especificamente projetados pela mãe natureza para nos enganarmos.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Tantos Mundos

Extrato de Ideia para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak

Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu? Houve um tempo em que o planeta que chamamos Terra juntava os continentes todos numa grande Pangeia. Se olhássemos lá de cima do céu, tiraríamos uma fotografia completamente diferente do globo. Quem sabe se, quando o astronauta Iuri Gagárin disse "a Terra é azul", ele não fez um retrato ideal daquele momento para essa humanidade que nós pensamos ser. Ele olhou com o nosso olho, viu o que a gente queria ver. Existe muita coisa que se aproxima mais daquilo que pretendemos ver do que se podia constatar se juntássemos as duas imagens: a que você pensa e a que você tem. Se já houve outras configurações da Terra, inclusive sem a gente aqui, por que é que nos apegamos tanto a esse retrato com a gente aqui? O Antropoceno tem um sentido incisivo sobre a nossa existência, a nossa experiência comum, ideia do que é humano. O nosso apego a uma ideia fixa de paisagem da Terra e de humanidade é a marca mais profunda do Antropoceno.

Essa configuração mental é mais do que uma ideologia, é uma construção do imaginário coletivo - várias gerações se sucedendo, camadas de desejos, projeções, visões, períodos inteiros de ciclos de vida dos nossos ancestrais que herdamos e fomos burilando, retocando, até chegar à imagem com a qual nos sentimos identificados. É como se tivéssemos feito um photoshop na memória coletiva planetária, entre a tripulação e a nave, onde a nave se cola ao organismo da tripulação e fica parecendo uma coisa indissociável. É como parar numa memória confortável, agradável, de nós próprios, por exemplo, mamando no colo da nossa mãe: uma mãe farta, próspera, amorosa, carinhosa, nos alimentando forever. Um dia ela se move e tira o peito da nossa boca. Aí a gente dá uma babada, olha em volta, reclama porque não está vendo o seio da mãe, não está vendo aquele organismo materno alimentando toda a nossa gana de vida, e a gente começa a estremecer, a achar que aquilo não é mesmo o melhor dos mundos, que o mundo está acabando e a gente vai cair em algum lugar. Mas a gente não vai cair em lugar nenhum, de repente o que a mãe fez foi dar uma viradinha para pegar um sol, mas como estávamos tão acostumados, a gente só quer mamar.

Viva, a Terra vive...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

"Estamos revivendo o início da modernidade, mas no lugar do ceticismo temos a burrice".

Maryam Daychoum, antropóloga

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Vozes da Terra

Extrato de  Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak

O nome krenak é constituído por dois termos: um é a primeira partícula, kre, que significa cabeça, a outra, nak, que significa terra. Krenak é a herança que recebemos dos nossos antepassados, das nossas memórias de origem, que nos identifica como "cabeça da terra", como uma humanidade que não consegue se conceber sem essa conexão, sem essa profunda comunhão com a terra. Não a terra como um sítio, mas como esse lugar que todos compartilhamos, e do qual nós, os Krenak, nos sentimos cada vez mais desarraigados - desse lugar que para nós sempre foi sagrado, mas que percebemos que nossos vizinhos têm quase vergonha de admitir que pode ser visto assim. Quando nós falamos que o nosso rio é sagrado, as pessoas dizem: "Isso é algum folclore deles"; quando dizemos que a montanha está mostrando que vai chover e que esse vai ser um dia próspero, um dia bom, eles dizem: "Não, uma montanha não fala nada".

Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos".

"Não, uma montanha não fala nada"...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Da decência em tempos indecentes


Tudo é "macumba"



Este cartum me lembrou meus alunos que chamam mitologia grega, entre outras coisas, de "macumba". Depois de alguns anos cheguei à conclusão que, para muitos deles, "macumba" não tinha a ver especificamente com as religiões afro-brasileiras, é uma categoria genérica para qualquer coisa não-cristã.


Certa vez uma amiga evangélica fez uma encomenda de artesanato com minha esposa, uma plaquinha para botar na porta do novo apartamento, com aquela passagem famosa de Josué, "Eu e minha família serviremos ao Senhor". 


Minha esposa foi pegar o versículo na Bíblia de Jerusalém e lá estava "Yahweh", em vez de "Senhor". Nossa amiga estranhou. Priscila explicou que Yahweh é o Deus judaico-cristão. 

A amiga respondeu: "Só se for o Deus da Macumba!" No fim, a plaquinha acabou ficando com a versão Ferreira de Almeida, "Senhor". Fica a questão: será que a Bíblia de Jerusalém é a "Bíblia da Macumba"?


Parafraseando Eduardo Viveiros de Castro: "No Brasil, tudo é macumba, exceto o que não é"...