Newsletter

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Oficina de Clio - Newsletter

Inscreva-se na newsletter para receber em seu e-mail as novidades da Oficina de Clio!

Nous utilisons Sendinblue en tant que plateforme marketing. En soumettant ce formulaire, vous reconnaissez que les informations que vous allez fournir seront transmises à Sendinblue en sa qualité de processeur de données; et ce conformément à ses conditions générales d'utilisation.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"O público adota as Fábricas como lar" - Entrevista com Wesley Nunes

Há mais de uma década em funcionamento, o programa "Fábricas de Cultura", mantido pelo governo de São Paulo oferece atividades culturais variadas em diversos pontos do Estado. Wesley Nunes, que trabalha na Fábrica de Cultura de Vila Curuçá, nos conta um pouco mais sobre essa bem sucedida iniciativa.

Como funcionam as Fábricas de Cultura?

As Fábricas de Cultura são administradas pela Organização Social Catavento Cultural e Educacional e funcionam a partir de uma política pública do Estado de São Paulo. Elas estão localizadas em pontos estratégicos das periferias de São Paulo - há uma em São Bernardo do Campo e recentemente foi inaugurada outra na cidade de Santos. Este ambiente fornece cursos voltados para a formação artística - entre eles posso citar Balé, Street Dance, Circo, Capoeira, Violão, Violino, Percussão e muitos outros. O maior foco é para crianças e adolescentes, entretanto, há cursos para adultos e para o pessoal da terceira idade. Não há custo nenhum de mensalidade, nem de matrícula. Além disso, são fornecidos instrumentos para os aprendizes e um lanche. As aulas duram três horas e são realizadas duas vezes por semana para as crianças e adolescentes; há aulas em um número menor direcionadas ao público adulto no período noturno e aos sábados. O espaço também dispõe de biblioteca, teatro e promove diversos eventos. Ao pensar na Fábrica de Cultura penso em um grande polo cultural de ensino. E não posso deixar de mencionar que as Fábricas estão passando por um processo de atualização e irão fornecer cada vez mais cursos nas áreas de tecnologia.

Como você avalia o impacto das Fábricas de Cultura na vida do público participante? Você poderia citar algum caso que marcou você, nesse sentido?

O público adota as Fábricas como lar. Converso com os funcionários mais antigos da casa e a frase que mais ouço é "Eu vi essa menina e esse menino crescerem". Há o ensino das artes e o envolvimento cultural através de atividades realizadas na biblioteca e pelos ateliês de ensino e isso é maravilhoso. Porém, tenho que destacar o impacto social e a construção da cidadania. Os alunos fazem amizades, desenvolvem a empatia e passam a possuir um olhar diferenciado sobre a sociedade que os cerca. Converso com os aprendizes e é incrível como eles possuem uma visão aberta. Eles enxergam o bairro ao redor deles, mas também a cidade e o país como um todo. Até os sonhos deles são grandes. Vejo que a Fábrica de Cultura conseguiu se inserir nas periferias e demonstrar que mudanças e uma vida melhor são possíveis.

Todo dia tem um caso marcante. Já ouvi criança de oito anos com um brilho nos olhos dizendo que quer ser advogada e pedindo livros; um garoto tocando como um profissional e com os trejeitos de um guitarrista; uma garotinha com uma necessidade especial feliz por poder jogar capoeira; um aprendiz que saiu da fábrica e hoje se apresenta na Europa; as mães e pais orgulhosos ao ver uma apresentação; um garoto interessado no Balé, meninas querendo jogar xadrez e os abraços de aprendizes que não tem medo de demonstrar amor e acabam encontrando um belo caminho para serem felizes. Tudo isso é marcante.

Qual é a sua história com o programa? O que significa, para você, trabalhar na Fábrica de Cultura?        

Antes de trabalhar na Fábrica a minha relação era de expectador. Ao começar, a minha vida mudou. Sou muito grato por poder fornecer educação, reflexão e entretenimento para as pessoas. Como em qualquer trabalho, existem não só os números como também as metas. Elas são alcançadas junto com a satisfação de ver vidas sendo mudadas. Perco a conta das crianças que entram só para usar o computador e um tempo depois fazem amizades, se interessam pelos cursos, pegam livros emprestados e... elas simplesmente se soltam. Nada mais recompensador que ver pessoas leves e livres. Até mesmo eu sinto-me assim. Perdi muito da minha timidez, conheci novas artes e, principalmente, vejo esperança. Estive muito tempo esperando uma grande revolução gerada a partir de redes sociais. Hoje, ao ver a mudança florescer aos poucos no mundo real, sinto-me feliz com o meu andamento profissional e pessoal - lidar com esperança me deixou mais leve para lidar comigo mesmo e com os outros.

Na sua opinião, que lições o programa pode oferecer para se pensar as políticas públicas de Cultura no Brasil? Que contribuição iniciativas como as "Fábricas de Cultura" podem oferecer não apenas a seu público alvo, mas à sociedade brasileira, como um todo?

Primeiramente, o programa já quebra muitos estereótipos de que o brasileiro não gosta de arte; de que na periferia nada vai para frente e de que o brasileiro não tem jeito. A Fábrica de Cultura forma cidadãos que estão interessados em atuar na sociedade, ter uma profissão e exigir direitos enquanto tem a plena noção de quais são os seus deveres. É um local perfeito para complementar os estudos da escola. Aliás, vendo a Fábrica atuar, eu penso em como a escola pode ser diferente. Arte deve ser parte importante na formação do jovem: estimula a empatia, ensina sobre responsabilidade e melhora a interpretação da realidade a sua volta.

Acredito que a Fábrica como um todo pode ensinar a importância da arte na formação do jovem, do adulto e do idoso. Também pode ensinar sobre empatia; acreditar em sonhos e a não só respeitar como também exigir melhorias no bairro, na cidade e no país. Um local que acolhe, ensina e diverte provoca apego. Tendo essa relação estabelecida, o cuidado para com ele será consequência. Sonho que este apego seja multiplicado para as escolas, hospitais, tribunais, transporte público e outros setores vitais para a sociedade.

Agradeço por me dar a oportunidade de falar de um local que gosto tanto!





sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Le tocsin

"Vite, vite!

On sonne le tocsin,

Entendez-vous?"

- S'écriaient, gourmands,

Les vautours...



Aviso aos incautos

Na última semana circulou bastante na Internet a capa da revista Money Week, acompanhada da tradução: "Aposte no Brasil - Ele liderará a economia global". Entusiastas de Lula acolheram a novidade com grande empolgação - afinal de contas, após quatro anos ridicularizados na mídia internacional, é natural que se queira ver o Brasil em posição de destaque internacional, ainda mais "liderando" a economia global.

Mas há que se ter cautela na interpretação da dita capa - bem como da matéria correspondente.

Embora simpática, a arte de capa apresenta o Brasil basicamente como exportador de commodities e turismo - a parte que sempre nos coube no latifúndio global. Vale também observar que a frase original, "It will drive global economy" é bastante ambígua. "To drive" não necessariamente significa "liderar". Eu traduziria principalmente como "Ele movimentará a economia global". Nenhuma das definições do verbo "to drive" no Merriam-Webster se traduz bem por liderar. Há imensa diferença entre movimentar/aquecer a economia e liderar a economia. 

A própria ideia de "apostar no Brasil", no jargão financeiro, é pouco alvissareira para nós - especialmente considerando o público-alvo da revista. Apostar tem conotação muito diferente de investir. No mercado financeiro, apostar geralmente é sinônimo de alto retorno em curto prazo, com pouco compromisso. Bom pro capital especulativo; péssimo para o povo brasileiro.

Convém ainda ressaltar que a imagem do futuro presidente como vendedor ambulante acolhendo os "gringos" é bastante problemática. O entusiasmo desmedido pela simples capa de uma revista estrangeira diz muito sobre o modo como nos vemos no mundo, sempre carentes de (supostos) elogios vindos "de cima" - parte integrante de nosso famoso "complexo de vira-lata".

Não é questão de pessimismo - o grande problema é que o povo brasileiro já viu esse filme mais de uma vez e sempre termina com o Brasil endividado, quebrado e à beira do colapso social. A elite econômica nacional quase sempre enriquece no processo e, no final da festa, o "povão" é que paga a conta e fica com a ressaca. Ou a gente aprende com os erros ou fica repetindo.

O texto da matéria propriamente dito, que pouca gente parece ter se dado ao trabalho de ler, confirma parcialmente esses temores. Muito embora não encoraje o investimento especulativo de curto prazo, o texto ressalta os custos relativamente baixos de se investir no Brasil, com uma elevada relação custo-benefício - ou seja, a grande oportunidade se refere menos a questões de ordem qualitativa que aos valores de investimento comparativamente baixos que o Brasil oferece em relação outras economias emergentes. 

A "grande aposta" sugerida aos potenciais investidores estrangeiros é na velha trinca agropecuária (café, açúcar, soja, milho, carne bovina e biocombustíveis), mineração (níquel e ferro) e petróleo - mais do mesmo: os séculos passam, mas a cana-de-açúcar continua sendo um dos melhores negócios da Terra de Santa Cruz. A bem dizer, não é improvável que se trate de matéria paga pelas empresas e fundos mencionados na última página como boas opções de negócio no Brasil. Não se trata de avaliação econômica desinteressada; todo o texto é direcionado a potenciais investidores/especuladores. O entusiasmo agroexportador, por sinal, tende a desabastecer o mercado interno e não é nada bom para a gente, que só quer botar comida na mesa.

Para variar, não somos os convidados do banquete; somos o prato principal...