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terça-feira, 31 de março de 2020

O Fim e o Recomeço

Há quem diga que o século XX só começou após 1918, com o fim da I Guerra Mundial, que sepultou de uma só vez os seculares impérios Otomano, Austro-Húngaro e Russo, entre outras efemérides que mudaram irremediavelmente o curso da geopolítica mundial.

O que veio depois - e ainda anda por aí - todos nós conhecemos (não necessariamente nessa ordem): Anos Loucos, II Guerra Mundial, Guerra Fria, perpétua instabilidade no Oriente Médio, turbulências na América Latina, conturbada "descolonização" na África e na Ásia, industrialização acelerada e (quase) generalizada, intensificação da globalização iniciada por Colombo e Gama, degradação ambiental, aquecimento global, explosão demográfica, crescente hegemonia do tatcherismo neoliberal, exuberante florescimento da cultura consumista e hedonista, o triunfo das máquinas, a comunicação de massas...

O século XX não terminou em 2000, nem começou em 2001; o 11 de Setembro e as guerras que o seguiram, em muitos sentidos, são apenas os últimos suspiros do Império Otomano.

Tenho para mim que o século XX termina apenas agora, em 2020, com essa pandemia onde se cruzam e desfecham tantas questões econômicas, políticas, culturais e ecológicas deixadas em aberto pelo século XX. A pandemia nos põe diante de questionamentos e escolhas que provavelmente nos convidarão a repensar profundamente o modo como temos vivido e nossas prioridades individuais e coletivas. Ao menos os mais sensatos e sensíveis entre nós pararão para refletir.

Que se vá a pandemia; que finalmente comece o século XXI...

Ouroboros - a serpente que morde a cauda - fim, começo e renovação

segunda-feira, 30 de março de 2020

"Tell people something they know already and they will thank you for it.
Tell them something new and they will hate you for it".

sexta-feira, 27 de março de 2020

Neoliberalismo e Pandemia

Essa pandemia derrubou de modo inquestionável a máscara dos neoliberais e ultraliberais. Ficou explícito, transparente e inquestionável que, para muitos deles, senão a maioria, dinheiro vale mais que vidas. Não há sofismas, eufemismos e racionalizações baratas capazes de amenizar isso. Eis, à plena luz do dia, sem escrúpulos e sem vergonha, o fruto amargo da venenosa semente plantada por Pinochet e Thatcher...


quarta-feira, 25 de março de 2020

O "grande" dilema


COVID-19 e os Adoradores de Mamom

Texto do brilhante historiador, percussionista, musicólogo e teólogo Tiago de Souza, de cuja amizade muito me orgulho

Sobre o pronunciamento, sobre a crise pandêmica e sobre a lógica cachaceira do "simbora pra rua meu povo".

Acho que esse texto será curto.

Eu ia participar de uma live ontem, mas o Instagram entrou em colapso antes que nosso sistema de saúde, então... me permitam apresentar meu olhar de historiador sobre todas essas questões.

Pensa aí: o que a explosão do Vesúvio, a Peste Negra, o terremoto de Lisboa, a explosão do Tambora, do Krakatoa, a gripe espanhola tem em comum? Aliás, com relação ao plano de reconstrução, o que nos difere de todas essas crises?

A resposta é simples: em todos os acontecimentos apontados, tanto os indivíduos quanto os governos agiram DEPOIS da tragédia. Eles foram pegos de surpresa. Foi tudo muito rápido. Não havia tempo nem forcas suficientes para lidar com a força da natureza, desde os tremores que sacudiram Lisboa até a ação do bacilo da peste. Contra a natureza não há argumentos.

A cor da baleia em Moby Dick é branca e não e a toa. É a cor da neutralidade.

A natureza não escolhe a quem ceifar.

Nós sim.

Falaremos sobre isso no fim do texto.

Provavelmente você vai me odiar quando chegar lá.

Após as milhares de mortes, os governos (cada um com sua estrutura específica) realizaram ações de recuperação que iam desde leis feitas a canetadas dentro de carruagens (caso do Marques de Pombal em Lisboa) até planos inteiros de reestruturação econômica. A preocupação IMEDIATA era a vida. Era preciso enterrar os mortos, sim. Era preciso salvar sua própria vida. Sim. Mas era preciso agir para que o prejuízo HUMANO IMEDIATO não fosse pior.

E aqui não se entrava no mérito da economia. Não no curto prazo.

No curto prazo, o que importava era a vida.

Não se comparava Lisboa com Nápoles.

Não se comparava Java com Pompéia.

Não se dizia: "Mas em 1755 fizeram assim e assado, logo, porque quando faço isso em 1883 todo mundo reclama?"

Não se dizia "ninguém reclamou do rei fulano quando ele disse isso... Porque reclamam do meu rei agora?"

A única coisa que importava era diminuir os mortos e ajudar IMEDIATAMENTE a quem precisava.

Pessoal, as pessoas no século XIV (eu escrevi SÉCULO QUATORZE!!!) tinham mais consciência de vida do que nós. Diante da mortandade que assola ao meio dia, diante da peste que anda na escuridão, diante da praga que se aproxima da tenda elas FUGIRAM e depois disso, se preocupavam com a VIDA dos seus.

(Galera, desculpa, o texto vai ser mais longo do que eu imaginava porque a partir do momento eu citei Salmos, uma ideia me ocorreu. Vou falar disso em um minuto).

Quero dizer com isso que a defesa da vida, em detrimento das condições econômicas foi a ponta de lança daquelas pessoas. Observe a História! Enquanto o flagelo acontecia as pessoas NÃO PENSAVAM EM EMPREGOS, não pensavam em ECONOMIA, não pensavam em EMPRESAS.

Enquanto o cavalo amarelo da morte galopava, as pessoas buscavam salvar os seus em primeiro lugar. E depois, assim que o trotar e o bufar do cavalo de demônio diminuía sua marcha, indivíduos tratavam de suas economias e governos estabeleciam planos de contenção e reconstrução.

Sabem de uma coisa?

Todos nós somos IDOLATRAS.

UM BANDO DE ADORADORES DE MAMOM, disfarçados de crentes, de ateus, de espíritas, de umbandistas, de judeus... disfarçados de bolsonaristas e de esquerdistas.

Todos nós estamos preocupados com o amanhã do NOSSO BOLSO, ao invés do amanhã DO NOSSO PRÓXIMO.

O presidente foi dúbio em um momento em que não se poderia ser, foi polêmico quando não deveria ser. E parem de culpar a Globo.

A culpa é do MAMOM que habita nosso coração.

A culpa é do receio do desemprego, da recessão... E eu entendo isso. Mas o que eu não entendo é esse medo DOMINAR a mente de vocês. Dominar a nossa mente. Dominar a nossa cosmovisão. Vocês estão ouvindo?

Não estão?

O barulho de máscaras caindo.

Nossas máscaras de bons costumes.

(A explosão do Krakatoa foi ouvida a mais de 5 mil quilômetros de distância. O barulho das nossas máscaras caindo no chão foi ouvida no céu. Foi ouvida por Deus).

De repente você não sabe o que é Mamom.

Deixe eu contar uma pequena história.

Jesus certa vez estava conversando com as pessoas e, em um dado momento, ele disse:

"Vocês não podem adorar a Deus e a MAMOM ao mesmo tempo...".

Existem pelo menos duas explicações a esse respeito. Na primeira, o termo "mamom", de origem aramaica, servia para designar a soma dos bens terrenos: posses e dinheiro. Não era um deus oficial de qualquer culto pagão, mas se constituía, e ainda se constitui, verdadeiramente, um ídolo universal, pois nos tesouros materiais o homem coloca o coração. Dessa forma, a palavra traduzida para o português como Mamom em algumas bíblias foi especialmente escolhida pelos autores para passar essa ideia de que a riqueza pode ser um senhor, um deus, um alguém que as pessoas seguem e que acaba levando-as para longe de Deus. No texto em que Jesus fala sobre servir a dois senhores (Mateus 6:24) note que Jesus personifica a “riqueza” como se fosse uma pessoa, um “senhor” que poderia ser servido pelas pessoas e não meramente um objeto, bens ou dinheiro que as pessoas têm. Ele faz isso para fortalecer o argumento de que as riquezas podem ser um deus para as pessoas, como se fossem realmente algo com que elas pudessem interagir pessoalmente.

Na outra possível interpretação, "Mamom", em maiúscula no início, seria um deus da Mesopotâmia e que simbolizava o dinheiro.

A parte qualquer discussão histórico-linguistica-teologica, pense:

Qual é a preocupação IMEDIATA de alguém que mesmo diante do que está acontecendo na Itália e na Espanha diz: "Vamos voltar pra rua! O Brasil não pode parar!"

Resposta:

MAMOM.

Repito:

MAMOM.

Novamente.

MAMOM.

Nossas mentes e corações estão corroídos pela riqueza, pelo dinheiro, pela preocupação com a economia, pela preocupação com o bolso. E o demônio - o mestre dos disfarces, o paladino da caozagem, o Rambo da lorota, o samurai da enganação, o Beethoven das estripulias - faz você pensar:

"Mas se o país quebrar vai morrer muito mais gente!"

Vai. Vai sim. Concordo.

Mas... O problema do seu argumento é justamente... o "VAI". Futuro. E o hoje? Como podemos salvar vidas HOJE?

E hoje? E daqui a duas semanas? E em abril? Como pode o ser humano ignorar o fato da letalidade da doença e só pensar em emprego... Quando pessoas podem realmente morrer a curto prazo? Lembrem-se dos exemplos anteriores! Do Vesúvio a Gripe espanhola, primeiro se cuidava dos vivos e depois se pensava no amanhã. E após a tragédia, se fazia aquilo que Pombal falou para o rei de Portugal: "enterramos os mortos, cuidamos dos vivos".

"Ah cara... Mas isso só mata velho".

Cala-te, demônio!

Na Bíblia (esse livro tão mal interpretado por nós) está escrito: "devem primeiro aprender a cumprir os seus deveres religiosos, cuidando da sua própria família. Assim eles pagarão o que receberam dos seus pais (...) pois Deus gosta disso”. (1 Timóteo 5:4).

E também está escrito em Levítico 19:32: “Diante dos cabelos brancos te levantarás, e honrarás a face do ancião, e temerás o teu Deus".

Miseráveis que somos!

Assassinos!

Deixa eu te perguntar: nós aprendemos com nossos pais que idoso pode ser deixado a morte? Foi isso que José fez com Jacó? Foi isso que Rute fez com Noemi? Foi isso que Jesus fez com Maria?!

Então, pensem bem antes de abrir a boca para dizer "mas e a economia..."

MAMOM bate palmas para vocês. As moedas tilintam de tesão pelas suas almas.

Isso... Pense mais no Paulo Guedes e menos em Jesus.

Isso... adore seu investimento e ignore a mortandade do Corona.

Isso... Se preocupe com seu emprego, mesmo que o custo dele seja a morte de alguém... Mesmo que indiretamente.

Isso.

Vamos fazer a dança macabra rumo a nossa perdição como nação, como povo, como espécie. Celebremos de mãos dadas a nossa decadência diante do próximo. Vamos mostrar pra todo mundo que os camponeses do século XIV eram mais prudentes do que nós somos. Vamos mostrar que os javaneses que se revoltaram contra o sistema que os abandonou depois da explosão do Krakatoa são mais coerentes do que nós.

Vamos mostrar que somos, como no filme do Thomas Hanks (e que ninguém viu) "matadores de velhinhos".

Vamos dançar até cairmos exaustos.

Exaustos e sorridentes com as trinta moedas de prata que Mamom nos dá.

Trinta moedas de prata.

Eis aí o custo do meu "É só uma gripezinha".

Trinta moedas.

Antes meu emprego do que mais um velho no mundo.

Que lógica infernal...

Trinta.

Eis aí o preço que italianos e espanhóis estão pagando.

Bora pra rua meu povo!

É tempo de carnaval.

É tempo de Mamom.

Tiago de Souza


Notas sobre o "Estado Mínimo"

Trechos selecionados e misturados de uma velha conversa digital

-Já morei na França. O Estado lá é bem mais "sólido" que o brasileiro. E é ótimo. O Brasil na verdade tem um Estado "hipodimensionado" para um país com nossas características territoriais e demográficas. Infelizmente as estruturas estatais brasileiras são mal direcionadas. Definitivamente, nosso problema não é excesso de Estado, é falta de cidadania. São coisas inteiramente diferentes. O Estado não precisa ser máximo, nem mínimo - ele precisa ser suficiente para as condições específicas do país que atende.

-Estado Mínimo? Viva o feudalismo!

-Já que estamos falando de exemplos históricos, que exemplos de países bem-sucedidos com um Estado mínimo podem ser citados?

-Quase todos os Estados anteriores ao século XIX, com raras exceções, poderiam ser qualificados como "Estados mínimos". Eram Estados basicamente voltados para ação bélica e para a função judiciária. Na Europa Moderna o rei era fundamentalmente o supremo administrador da Justiça.

-O Brasil Imperial também poderia ser considerado um Estado Mínimo - e não era grande coisa.

-O Estado começa a adquirir maior densidade a partir da "Era das Revoluções", tornando-se garante da cidadania moderna em sua tripla configuração: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.

-Como já disse, tenho a experiência de morar em dois países: Brasil e França. O Estado brasileiro parece microscópico ao lado do Estado francês. E nem preciso dizer em qual país é melhor de se viver. Dica: começa com F...

-TODO o transporte público em Paris pertence a uma empresa pública, a RATP. É integrado, multimodal, eficiente e barato. É assim em quase todas as cidades francesas. Já nós, aqui, temos um malha de transporte urbano picotada, cara e precária, quase sempre nas mãos de concessionárias privadas. Só uma comparação simples e trivial.

-O mesmo pode ser dito do transporte ferroviário de longa distância na França, administrado pela excelente estatal SNCF, que existe desde o século XIX. Uma malha ferroviária densa que cobre o país inteiro, com trens de primeira qualidade - TGV, TGV, TGV!!!

-Qualquer residente na França (inclusive estrangeiro) tem direito a auxílio aluguel, fora os projetos públicos de moradia, com aluguel moderado. Política habitacional de verdade.

-Acho que o continente onde hoje em dia encontramos maior concentração de Estados próximos do "mínimo" é a África...

-A ideia de minimizar o Estado para combater a corrupção é mal fundamentada. Parte da premissa de que não existe corrupção dentro da iniciativa privada. Existe. E muito. Mas as empresas privadas geralmente resolvem essas coisas extrajudicialmente, para preservar a imagem. Empresa privada lava a roupa suja dentro de casa.

-Já trabalhei numa empresa privada onde houve um caso gravíssimo de corrupção. Uma pessoa em alto cargo de gerência desviou uma grana firme durante ANOS, até ser finalmente descoberta. Mas não saiu em nenhum jornal, obviamente. A empresa em questão também não era boa cumpridora de direitos trabalhistas. Quando saí de lá entrei na Justiça para reaver 18 mil que eles ainda me deviam.

-A corrupção do setor público quase sempre é originária do setor privado, desde a mega empreiteira até o dono do restaurante da esquina que molha a mão do fiscal.

-"Enxugar" o Estado PARA combater a corrupção é como se uma pessoa saudável amputasse os próprios braços e pernas para reduzir as chances de ter câncer. Não é muito bacana. Nem muito inteligente.

-Também trabalhei numa empresa familiar da qual pedi demissão por razões éticas - a empresa em questão adotava práticas que lesavam financeiramente os clientes, através de cobranças indevidas. Era uma microempresa no setor de serviços. Os sócios eram dois irmãos.

-Basta ler "A riqueza das nações". Adam Smith sabia muito bem que os empresários, entregues a si mesmos, cometeriam as piores barbaridades. Se o pessoal que hoje se diz liberal REALMENTE lesse Adam Smith diria que ele era "comunista".

NOTA ADICIONAL: Esse texto foi originalmente escrito em dezembro de 2018, mas a pandemia do COVID-19 só parece reforçar meus argumentos. Esperar que empresas abram mão de lucros em benefício da Saúde Pública espontaneamente é duvidoso, como a menção anterior a Smith sugere. Podemos citar um caso muito concreto: o GOVERNO sul-coreano tomou medidas de quarentena muito rápidas e eficazes, mas EMPRESAS multinacionais sul-coreanas vêm descumprindo descaradamente recomendações de quarentena em suas filiais de outros países. É o caso do Brasil, onde a Samsung não implementou sequer medidas de home office - o que sugere que vidas brasileiras valem menos que o lucro... Cabe se perguntar se mesmo na Coreia do Sul tais medidas foram implementadas de boa-vontade ou compulsoriamente. 

E aí, vamos de TGV?


segunda-feira, 23 de março de 2020

sábado, 21 de março de 2020

COVID-19 NO BRASIL: a boa e a má notícia

AVISOS IMPORTANTES: Não sou especialista em infectologia ou em estatística. Sou apenas um doutor em História com algum interesse amador por estatística e ciências exatas. No entanto, o que falo aqui se baseia em dados pesquisados de fontes sérias e envolve apenas o uso de matemática simples, como aritmética básica e regra de três. Vale ainda notar que sou um "pessimista esperançoso" (reze pelo melhor, mas prepare-se para o pior). Justamente por isso, trabalho com números majorados, isto é, contando para cima. Como ensina o grande estatístico Nassim Nicholas Taleb, ao estimar riscos devemos sempre contar com o pior e trabalhar com a pior hipótese possível em mente. Note-se ainda que traço aqui ESTIMATIVAS, não PREVISÕES - o futuro a Deus pertence e não sou profeta. Feitos esses avisos, vamos ao que interessa.

Primeiro a má notícia, depois a boa e, no fim, uma conclusão e sugestões.

1) A má notícia
Consultei ontem o boletim diário da Organização Mundial de Saúde (OMS) e constatei alguns índices relevantes sobre o panorama epidêmico no Brasil. Temos quase 500 casos confirmados e 4 óbitos. Uma semana antes, em 13/03/2020, tínhamos cerca 70 a 90 casos confirmados ou em vias de confirmação e nenhum óbito registrado. Isso significa que (a) o contágio se acelerou gravemente em 7 dias; (b) o número de casos não-diagnosticados já está provavelmente na casa dos milhares (eu chutaria algo entre mais que 2.500 e menos que 10.000); (c) a tendência é piorar muito nas próximas semanas. Segundo os dados coletados na China, na Coreia do Sul, no Irã e na Itália, já estamos na faixa em que os casos dobram aproximadamente a cada seis dias. Isso nos dá aproximadamente a seguinte perspectiva para as próximas 3 semanas:

Não me arrisco a projetar mais do que 3 semanas, pois muita coisa pode acontecer nesse intervalo, para melhor ou para pior, com consequências imprevisíveis. No entanto, trabalhando apenas com a estimativa de casos confirmados, podemos imaginar o cenário hospitalar decorrente. Sabemos que aproximadamente 80% dos pacientes de COVID-19 podem ser tratados apenas com isolamento domiciliar e 20% exigem internação, dos quais cerca de 5% necessitam de UTI e 2,5% exigem aparelhos de respiração artificial. Vejamos o que isso significa em nossas estimativas.


Como se percebe, a curto prazo o impacto sobre a rede hospitalar não parece tão grave. Não é bem assim. Tenho uma amiga médica que vem observando o número de internações e encaminhamentos para UTI crescer de modo preocupante durante a última semana - um dos óbitos registrados ocorreu exatamente no hospital onde ela trabalha. Alguns membros da própria equipe hospitalar (menos de 10) já foram infectados e estão em isolamento domiciliar ou internados - isto é, em apenas uma semana nosso "exército" já sofreu baixas que não poderão nos ajudar contra o inimigo; na melhor das hipóteses ficarão fora de "combate" por longas semanas - o que é muito grave.

No entanto, convém observar que a Tabela 2 lida apenas com o número de casos confirmados, e não com o número de casos não-diagnosticados. Nas próximas semanas é provável uma explosão de casos confirmados, muito além da estimativa que tracei, por uma razão muito simples: a FIOCRUZ está produzindo kits de exame em ritmo acelerado para fornecimento ao SUS; já havia 30.000 kits prontos e entregues na última semana, com previsão de mais 40.000 para esta semana. Isso significa que, com mais kits de exame disponíveis, cada vez mais pacientes serão examinados e passarão da estatística de "casos suspeitos" para "casos confirmados" - enquanto muitos outros casos não diagnosticados continuarão invisíveis para detecção, em pacientes assintomáticos em fase de incubação. Até aqui, tudo "bem". A crise parece "sob controle", mas não é bem assim. Cedo ou tarde, os pacientes não-diagnosticados sucumbirão aos sintomas, buscarão atendimento médico e levarão à sobrecarga do sistema de saúde, como veremos na próxima tabela, onde as datas são propositalmente deixadas em aberto, como datas, x, y e z. Nessa tabela trabalho apenas com as piores hipóteses da Tabela 1, pois, como já disse, devemos nos preparar para o pior, ainda que esperando o melhor.

Aqui já temos uma situação MUITO grave. No "Dia Z" - digamos, na virada de abril para maio (ou antes) - já seriam necessários cerca de 4.000 leitos de UTI. O número total de leitos de UTI no Brasil, somando SUS e hospitais privados é de aproximadamente 23.000. Parece tudo "bem", mas não é, pois há muitos pacientes precisando de leitos de UTI por inúmeros outros casos graves de saúde. Posso dar exemplos pessoais. A mãe de uma colega minha, paciente de esclerose múltipla precisou passar algumas semanas na UTI durante o mês de fevereiro. Uma pessoa de minha família teve em 2019 uma infecção bacteriana gravíssima e precisou ficar cerca de dois meses na UTI. Além disso, SEM Coronavírus, já existe fila para UTI. Em 2015, meu sogro, que tinha câncer de pulmão em estágio avançado sofreu uma parada cardiorrespiratória durante um exame com contraste; precisava de UTI, mas não havia nenhuma unidade disponível; ele precisou esperar mais de uma semana numa unidade de caráter emergencial até que houvesse uma vaga disponível para sua transferência para uma UTI "de verdade". Isso significa que a emergência repentina de 4.000 pacientes infectados necessitando UTI agravaria a sobrecarga de um sistema de saúde que já vive cronicamente sobrecarregado.

É necessário fazer todo o esforço possível para NÃO chegarmos nem perto de uma situação equivalente ao "Dia Z" - ou pior. Nas semanas após o "Dia Z" tudo só ficaria pior e pior, nos levando rapidamente a um quadro semelhante àquele que hoje vemos no Irã e na Itália. Em junho, ou antes, estaríamos à beira do caos. E não adianta pensar algo como "Tenho plano de saúde" ou "Tenho dinheiro na poupança", pois a rede privada de saúde também não é capaz de dar conta da situação. Todos os hospitais do Brasil, públicos ou privados, estariam superlotados e sobrecarregados.

Mas há esperança.

2) A boa notícia
Como já vimos, a progressão do vírus é assustadora e perigosa. Não podemos, de modo algum, brincar com uma situação dessas. No entanto, alguns dados nos permitem ver uma luz no fim do túnel. Quais são eles?

Uma semana atrás, ainda não tínhamos nenhum óbito registrado. Essa situação dificultava traçar estimativas sobre a crise, pois não nos permitia estabelecer uma estimativa essencial para avaliar a gravidade da epidemia no Brasil: a taxa de letalidade específica de nosso país.

Gostamos de lidar com números fixos e únicos, pois isso nos passa uma sensação de precisão e certa ilusão de segurança. Um grande perigo é a terrível ilusão causada pelas médias. Uma média aritmética, simples ou ponderada, não representa uma realidade - ela é apenas uma abstração matemática elaborada a partir do registro de um conjunto de casos sobre uma determinada grandeza (estatura, peso, altura, idade, renda etc) e da posterior divisão do somatório pelo número total de casos.

É mais fácil entender isso com um exemplo concreto. Imagine que duas pessoas estão sentadas à mesa e há um frango assado. Uma das pessoas na mesa come o frango inteiro, e a outra não come nada. No entanto, estatisticamente, podemos dizer que cada pessoa naquela mesa comeu em média a metade de um frango. Como abstração matemática, essa afirmação está correta, mas não corresponde à realidade!

O mesmo acontece com relação à taxa de letalidade do COVID-19. A imprensa vem alardeando um número constantemente: a taxa de letalidade do Coronavírus é relativamente baixa, cerca de 3%. Isso causa uma falsa sensação de alívio em muitas pessoas, por dois motivos.

O primeiro é porque 3% é apenas uma porcentagem, não um número absoluto. Isso significa que se tivermos um contágio hipotético de 50 milhões de brasileiros, teríamos cerca de 1.500.000 óbitos. E, considerando a virulência do COVID-19, que é extremamente alta e rápida, 50 milhões pode ser considerado um número otimista. Como dito, na fase inicial de contágio local, o COVID-19 tende a dobrar o número de pacientes a cada 6 dias, mas quando o número de infectados ultrapassa certo limite, entra numa fase de contágio muito mais acelerado, dobrando o número de pacientes a cada dois dias. Imaginemos agora um cenário hipotético, mas nada impossível: no dia 1º de junho o Brasil contaria com 100.000 infectados. A próxima tabela estipula a progressão do vírus e dos óbitos nos dias seguintes, a uma taxa de letalidade de 3%:


Como mostra esse cenário hipotético, em meros 15 dias o número de infectados poderia alcançar o equivalente à população inteira do município de São Paulo, o mais populoso do Brasil, número maior de pessoas que alguns pequenos países, como a Finlândia. Por outro lado, o número de óbitos também seria considerável, maior que a população da maioria dos pequenos municípios brasileiros e mesmo superior à população de municípios de médio porte, como São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Em suma, uma taxa de letalidade de 3%, embora baixa, se torna terrível quando aliada a um vírus com grande potencial contagioso, que em menos de 6 meses já se espalhou por todos os continentes habitados.

O segundo motivo para desconfiar da taxa de letalidade de 3% é que esse número é apenas uma média - ou seja, uma abstração matemática, como dissemos. Na verdade, a taxa de letalidade varia de país para país. Nos casos mais graves, como a Itália e o Irã, chega à espantosa casa dos 5%; num caso de grande sucesso, como a Coreia do Sul, está contida desde a quarentena em "apenas" 0,5%. Isso significa que a taxa de letalidade não é um dado absoluto, mas depende principalmente da maneira com que cada país lida com a crise.

O caso sul-coreano se explica em grande medida por dois aspectos: pela qualidade do sistema de saúde sul-coreano, um dos melhores do mundo, com grande disponibilidade de leitos hospitalares, mas, principalmente, pela rapidez com que as autoridades sul-coreanas reagiram à crise. Medidas severas de quarentena foram tomadas com apenas 31 pacientes confirmados. Caso as autoridades tivessem hesitado demais em tomar medidas de quarentena, mesmo o excelente sistema de saúde sul-coreano estaria provavelmente sobrecarregado - afinal de contas, mesmo construindo dois hospitais em menos de 10 dias a China conseguiu apenas amenizar a crise na província de Hubei,

A Coreia do Sul aprendeu com a trágica experiência da província chinesa de Hubei e da cidade de Wuhan, e nós também podemos aprender com o sucesso sul-coreano. Afinal de contas, o ser humano é o único animal que consegue aprender com os erros e acertos de seus semelhantes. É impossível transformar da noite para o dia nossa rede hospitalar em algo semelhante à Coreia do Sul, mas é perfeitamente viável adotar as mesmas medidas de quarentena.

A boa notícia é justamente essa. Com os dados disponíveis em 20/03/2020, podemos calcular a taxa aproximada de letalidade no Brasil (sempre majorando os números para pior, como explicamos no início do texto). Pois bem. Temos hoje 500 casos confirmados no país, e apenas 5 óbitos registrados. Empregando a famosa "regra de três", podemos agora estimar a taxa de letalidade atual no Brasil.


Esses dados são realmente muito animadores e superam as expectativas. Um taxa de letalidade na faixa de 1% nos deixa mais perto da Coreia do Sul que da Itália e do Irã, ou mesmo da Espanha, da Alemanha e da França. Como explicar esse "milagre" brasileiro?

3) Conclusão e sugestões
A explicação para nossa situação presente é relativamente simples. A última semana nos trouxe algumas gratas surpresas, especialmente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente maior e segundo maior focos de COVID-19 no Brasil, por vários fatores, como denso tráfego aeroportuário internacional, elevada densidade demográfica em suas respectivas capitais e cercanias, transporte público superlotado, entre outros.

No entanto, justamente nesses dois grandes focos infecciosos as autoridades estaduais tomaram atitudes em tempo hábil. Por mais que repudie as concepções políticas de Doria e Witzel, devo reconhecer que ambos se puseram em ação oportunamente, com suas medidas de quarentena, ainda que precárias. Atitudes já foram tomadas e suponho que nossa presente taxa de letalidade se deva às medidas implementadas nessa primeira semana de quarentena. Manter o máximo possível de pessoas em casa, consequentemente reduzindo a concentração de pessoas no transporte público já tem um impacto significativo para a contenção do contágio. Proibir aglomerações também é uma medida essencial. Reduzir o tráfego de pessoas entre municípios e para outros Estados também são atitudes importantes.

Cada dia conta, e inúmeras autoridades estaduais e municipais também estão tomando medidas, ainda que moderadas. A prefeitura de Recife também é particularmente merecedora de elogios por suas ações preventivas. Em suma, cada medida, por menor que seja, de "distanciamento social" já é importante. Talvez essas atitudes pequeninas pareçam insignificantes como um gota d'água, mas vale lembrar que todo Oceano é constituído por minúsculas gotas d'água. Nesse momento é importante que cada uma dessas gotinhas se acumule, forme uma poça, um lago, um riacho, até finalmente resultar numa poderosa torrente capaz de varrer a ameaça do COVID-19 para longe de nós.

Cada dia, repito, CADA DIA conta, e esses primeiros sete dias de quarentena, ainda que tímidos, ganharam tempo para nós.

Quando os poderosos exércitos cartagineses marcharam com seus elefantes contra a república romana, o general Fabius Maximus Cunctator, sabendo da inferioridade numérica dos legionários romanos, preferiu provocar pequenas escaramuças que atrasavam o avanço do inimigo contra Roma. Muitos acharam que essa estratégia era covarde, que seria preferível enfrentar os cartagineses em uma grande batalha campal contra os inimigos, apesar da inevitável derrota.

Mas Cunctator enxergava mais longe. Ele sabia que cada dia de atraso reduzia os provimentos das tropas de Cartago; o racionamento se impôs e aos poucos os soldados cartagineses foram enfraquecidos ou morreram pela fome. Parte das tropas desertou ou morreu pelo caminho. Finalmente o exército invasor estava suficientemente enfraquecido para que as tropas romanas o expulsassem de seu território. De covarde, Cunctator foi elevado a herói salvador da república romana e seu nome se perpetuou através dos séculos.

Nossa situação hoje é muito parecida àquela da república romana contra as tropas de Cartago. Um exército de bilhões de vírus já invadiu nossas fronteiras e começamos a ter nossas primeiras baixas. Assim como os romanos, nossos recursos para resistir ao inimigo são muito frágeis - nos faltam leitos hospitalares, equipamentos e, principalmente, temos escassez de recursos humanos na área da Saúde; os faxineiros higienizando os hospitais, os técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos são nossa última linha de defesa contra o exército do COVID-19 e precisamos fazer tudo ao nosso alcance para atrasar o exército inimigo, para que os profissionais de Saúde tenham as chances de enfrentar e vencer a batalha derradeira por nós.

Nesse exato momento estamos mais perto da Coreia do Sul que da Itália porque agimos a bom tempo, ainda que um tanto atrasados. A Coreia do Sul começou sua quarentena com apenas 31 casos confirmados, e nós também começamos com ligeira desvantagem, com 77 casos diagnosticados - ao contrário da Itália e outros vizinhos europeus, que esperaram muito mais casos antes de agir. É justamente por isso que nossa taxa de letalidade hoje está mais perto da sul-coreana que da italiana.

No entanto, ainda não chegou a hora de cantarmos vitória. A luta está apenas começando. Essa primeira semana foi muito importante, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Podemos dizer que saímos da primeira batalha com poucos mortos e feridos, mas ainda temos uma longa e amarga guerra pela frente. Nosso inimigo é incansável, e nós também precisamos ser.

Agora que adotamos a estratégia da quarentena, qualquer recuo pode ser fatal. Na verdade, devemos prosseguir cada vez mais vigorosamente no caminho adotado. Não há retorno possível, o caminho é em frente.

Como em uma guerra de verdade, serão necessários grandes, imensos, sacrifícios por parte de cada um de nós e por parte de nossa coletividade. Unidos, venceremos; divididos, sucumbiremos.

Temos diante de nós um grande dilema. As medidas de quarentena certamente terão um peso grave sobre a economia de nosso país - sem falar nos danos à economia mundial. Na verdade, não é propriamente um dilema: vidas humanas valem mais que dinheiro; é simplesmente uma questão de escolher entre a Bolsa ou a Vida. Tenho certeza que todos nós preferimos a VIDA. Entre os anéis e os dedos, fiquemos com os últimos.

Nesse sentido, não temos propriamente um dilema, mas um desafio. A perda econômica será inevitável. É um sacrifício necessário, mas sobreviver a uma guerra sempre exige sacrifícios, especialmente quando temos entre nós um inimigo invisível, silencioso e rápido. Se a Europa e o Japão se recuperaram economicamente de duas guerras mundiais que deixaram seus territórios, fábricas, campos e estradas destroçados, nada nos impede de nos recuperarmos depois da guerra contra o COVID-19, que ao menos não destruirá nossas estruturas produtivas. Mais ainda, o Japão e a Alemanha renasceram das cinzas da guerra mais poderosos que antes; o Japão teve as bombas de Hiroshima e Nagasaki e a Alemanha passou por duas guerras, um regime totalitário e genocida e décadas de divisão, mas os povos japonês e alemão se recuperaram de todos esses traumas com vigor renovado. Se eles puderam, nós também poderemos.

O mais importante, o essencial nesse momento, é manter com firmeza as medidas de quarentena que já foram adotadas, sem revogar NENHUMA delas prematuramente e, nos próximos, dias, semanas e meses, tomar mais e mais medidas preventivas conforme forem necessárias. Como Fabius Maximus Cunctator precisamos atrasar os exércitos do COVID-19 até que nossa vitória definitiva se torne possível.

Cabe agora implementar medidas mais rigorosas de restrição ao tráfego aéreo e rodoviário doméstico e internacional, para evitar que a pandemia se espalhe dentro e fora do país - isso é essencial e já estamos muito atrasados nesse sentido. A reação do governo federal ainda é demasiado lenta, mas lhe cabe implementar essas e outras medidas que já se fazem tardias.

Também é necessário fazer o possível para proteger os microempreendedores, trabalhadores autônomos, desempregados e as famílias em situação de vulnerabilidade. Já existem propostas nesse sentido, para garantia de renda mínima, renegociação de dívidas, suspensão temporária da cobrança de serviços de água, luz e gás, entre outras. Essas propostas precisam ser implementadas quanto antes, pois pouco adianta vencer o inimigo se deixarmos os mais pobres entregues à miséria e à fome.

As grandes empresas de todos os setores, precisam pensar em alternativas inovadoras para manter seus serviços, especialmente os serviços essenciais à população, sem expor seus funcionários à ameaça do COVID-19; talvez sacrifiquem parte de seus lucros financeiros, mas a generosidade não tem preço. Práticas de home office ou revezamento, conforme o setor de atividade envolvido, são uma primeira alternativa; no momento mais crítico talvez seja necessário dar férias coletivas e prolongadas aos empregados, mas cada vida salva fará esse sacrifício valer a pena. O setor bancário também pode fazer muito durante e após a crise, renegociando dívidas de pessoas físicas e jurídicas. O povo brasileiro conta com a consciência e a responsabilidade social dos empresários nesse momento.

Cada cidadão também pode contribuir de várias maneiras. Antes de tudo, obedecendo as orientações de quarentena, evitando aglomerações e mesmo sair desnecessariamente de casa - um pequeno, minúsculo sacrifício. Aqueles de classe média podem dispensar diaristas e empregadas do serviço, pagando suas despesas integral ou parcialmente, conforme possível, negociando descontos em faxinas futuras, se julgarem necessário. Doar ou emprestar um saco de arroz ou uma xícara de feijão a um vizinho pode poupar alguém de um dia de fome. O mais importante é não deixar ninguém desamparado nesse momento. Mais que nunca, precisamos ser solidários uns com os outros. Estamos todos juntos na trincheira contra o COVID-19 e um bom soldado não abandona seus companheiros.

Ressalto ainda uma vez: cada passo certo nos deixa mais próximos do sucesso sul-coreano e cada passo errado nos deixa mais perto da catástrofe italiana.

Termino esse texto citando o famoso discurso do estadista Winston Churchill após a terrível retirada das tropas britânicas e francesas de Dunquerque, na "Operação Dínamo":


Esta luta foi prolongada e violenta. De repente a cena desanuviou, e a tempestade, por ora - mas apenas por ora -, se extinguiu. Um milagre de salvação, alcançado pelo heroísmo, pela perseverança, pela disciplina perfeita, pelo serviço impecável, pela capacidade, pela habilidade, pela fidelidade inconquistável, é manifesto para todos nós [...]. Devemos tomar muito cuidado para não atribuir a essa salvação as características de uma vitória. Mas houve, nessa salvação, uma vitória que deve ser notada. [...] Um esforço como jamais foi visto em nossa história hoje está sendo feito. [...] O capital e a mão-de-obra deixaram de lado seus interesses, direitos e costumes e se colocaram a serviço do bem comum. Eu, pessoalmente, tenho plena confiança de que se todos cumprirem com seu dever [...] nos mostraremos, mais uma vez, capazes de defender nossa terra [...].


Nos cabe agora, cidadãos brasileiros, cumprirmos cada um com nossa parte, pequena ou grande, com a força da Coragem e a luz da Esperança. Se julgar apropriado, passe essa mensagem adiante.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Eu, COVID-19

Olá, primatas!

Eu não tenho nome, mas fiquei sabendo que vocês me batizaram "COVID-19". Devo confessar que me sinto um pouco desapontado. Vocês já foram mais criativos - sinto uma ponta de inveja da "Peste Negra".

Eu sou muitos, e estou em muitos lugares. Agradeço a gentileza de vocês em hospedarem tão generosamente minha prole. É uma pena que muitos de vocês acabem morrendo por isso, mas não é minha intenção. Não faço por mal. Preciso apenas sobreviver nesse mundo hostil e vocês me oferecem o abrigo que necessito - embora o sistema imunológico de vocês dificulte um bocado a minha vida.

Não tenho nada contra primatas. Honestamente, admiro vocês, seres pluricelulares, vertebrados, homeotérmicos, girencéfalos, bípedes, com polegares opositores... Sua espécie é realmente impressionante - cada um de vocês é como um mundo inteiro para mim. Mas o mundo não é o bastante.

Sou apenas um agregado estranho de moléculas, invejo até as bactérias e os protozoários. Ao menos não sou um príon.

Eu ficaria satisfeito com qualquer hospedeiro. Um morceguinho já me satisfaz, não sou ambicioso. Me sinto realmente constrangido de prejudicar uma espécie tão engenhosa como vocês, mas algumas coisas estão fora de meu controle - eu simplesmente preciso viver de algum jeito e um vírus não tem muitas opções.  Acreditem, sou muito frágil - não resisto sequer a água e sabão. Pensando bem, meu atual sucesso me surpreende - jamais pensei que conquistaria o mundo inteiro dessa maneira, estou indo muito além de minhas expectativas.

Se vocês forem suficientemente espertos, estarão livres de mim em alguns meses. É uma pena que não haja alternativas de convivência pacífica entre nós. Viajo muito, mas sou péssimo diplomata.

Antes de me despedir, tomo a liberdade de deixar um conselho. Lembrem mais vezes que vocês não são a única espécie desse planeta maravilhoso que compartilhamos. Somos muitos. Vírus, bactérias, protozoários, plantas, fungos, artrópodes, moluscos, vertebrados...

De todos nós, vocês se tornaram a espécie dominante - mas não se esqueçam dos dinossauros. Eles também eram charmosos e fascinantes, à sua maneira abrutalhada, e não estão mais por aqui. Tudo é tão efêmero... Cuidem melhor de nosso planeta; conheço o potencial de vocês e acredito que vocês podem fazer um pouquinho mais de esforço.

Espero que minha breve estadia entre vocês os ajude a refletir mais sobre suas prioridades e valores. Honestamente, não entendo como uma espécie tão talentosa vive tão obcecada por esse tal "dinheiro" que vocês mesmos inventaram e idolatram como se fosse um Deus. Considero um tremendo desperdício de potencial.

Já andei pelo corpo de violonistas, pintores, escritores, arquitetos, rabinos, pais-de-santo, monges, pajés... Vocês são fantásticos e fascinantes. Aproveitem melhor o corpo, a vida, o tempo e os recursos de vocês. Vivam com criatividade, amor, tolerância... Eu conheço vocês por dentro e sei que há muita coisa boa em vocês e entre vocês, primatas.

Me desculpo ainda uma vez pelo transtorno.

Cordialmente,
COVID-19 ("Coronavírus")


quarta-feira, 18 de março de 2020

Qualquer coisa

O Brasil anda cada vez mais insuportável - um verdadeiro caldeirão de cinismo, ignorância, tolice,
fanatismo e outros ingredientes de odor desagradável.

Espero que Dom Sebastião chegue logo... Ou o Juízo Final... Ou as bombas atômicas... Qualquer escatologia há de nos servir...

Que venha Dom Sebastião!

segunda-feira, 16 de março de 2020

Nasrudin e a peste

Ia a Peste a caminho de Bagdá quando encontrou Nasrudin. Este perguntou-lhe:

- Aonde vais?

A Peste respondeu-lhe:
- Bagdá, matar dez mil pessoas.

Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar-se com Nasrudin. Muito zangado, o mullah disse-lhe:
- Mentiste-me. Disseste que matarias dez mil pessoas e mataste cem mil.

E a Peste respondeu-lhe:
- Eu não menti, matei dez mil. O resto morreu de medo.

Conto da tradição sufi.


A arte da (falsa) moderação

Mantendo a aparência mais serena, diga deliberadamente uma mentira deslavada ou uma falácia absurda.

Deixe seu adversário responder, provavelmente exaltado por sua justa e compreensível indignação.

Para o observador desatento, desavisado ou manipulável, você aparecerá com o o "moderado", enquanto o outro será taxado como "agressivo", "radical" ou "extremista".

Para fazer isso você precisa apenas ter a mais absoluta falta de caráter ou de escrúpulos.


sábado, 14 de março de 2020

Antes tarde que nunca


Devíamos ir embora e devolver tudo para os índios. Piadas à parte, acho que 1492 iniciou a pior e mais grave série de epidemias de toda a História humana. Pelo menos os índios deram o troco com a disseminação do tabaco. Se não me engano, o termo Tupi para isso é "tepy" - se vingar ou pagar uma dívida.

Pandemia à carioca

O boteco aqui da minha esquina está lotado, com música ao vivo e tudo. Afinal de contas, álcool mata o vírus, não é verdade?

Moral da história: ou o coronavírus acaba com o Rio, ou o Rio acaba com o coronavírus! Viva Saint-Hillaire!

Vício


sexta-feira, 13 de março de 2020

Viva o Progresso!


Coronavirus: Porquê você deve agir AGORA

Tradução do texto Coronavirus: Why you must act now, de Tomas Pueyo. Recomendo a leitura do original a quem tiver fluência em inglês. Não traduzo os gráficos, nem transponho para cá os links. Teço algumas considerações sobre a situação brasileira, através de observações entre colchetes; também tomo a liberdade de destacar alguns trechos em negrito. Talvez a análise seja alarmista - e talvez a situação seja realmente alarmante; o seguro morreu de velho. Tire suas próprias conclusões e cheque outras fontes de informação. Segue a tradução:

Com tudo que vem acontecendo em torno do Coronavirus, talvez seja muito difícil tomar uma decisão sobre o que fazer hoje. Você deve aguardar mais informações? Fazer algo ainda hoje? O quê?

Eis o que discutirei neste artigo, com diversos gráficos, dados e modelos a partir de várias fontes:

- Quantos casos de Coronavirus haverá em sua área?

- O que acontecerá quando esses casos se concretizarem?

- O que você deveria fazer?

- Quando?

Quando você terminar de ler o artigo, chegará às seguintes conclusões:

O Coronavirus está vindo em sua direção.
Ele está chegando em velocidade exponencial: gradualmente no princípio, e então subitamente.
É uma questão de dias. Talvez de uma semana ou duas.
Quando ele chegar, seu sistema de Saúde ficará sobrecarregado [se aplica particularmente bem ao caso brasileiro].
Seus concidadãos serão tratados em corredores [isso já acontece rotineiramente no Brasil].
Trabalhadores da Saúde cairão exaustos. Alguns morrerão.
Eles precisarão decidir quais pacientes receberão oxigênio e quais morrerão [igualmente provável no Brasil].
A única maneira de prevenir isso é implementar distanciamento social hoje. Não amanhã. Hoje.
Isso significa manter em casa o máximo de pessoas possível, começando agora.

Como um político, líder comunitário ou de negócios, você tem o poder e a responsabilidade de prevenir isso.

Talvez você tenha medos hoje: E se minha reação for exagerada? As pessoas rirão de mim? Elas ficarão zangadas comigo? Eu parecerei estúpido? Não seria melhor esperar outras pessoas tomarem os primeiros passos? Eu irei afetar demais a economia?

Mas em 2 a 4 semanas, quando o mundo inteiro estiver em quarentena, quando os poucos dias de distanciamento social que você tiver permitido tiverem salvo vidas, as pessoas não o criticarão mais: Elas agradecerão você por tomar a decisão correta.

Ok, vamos em frente.

1 - QUANTOS CASOS DE CORONAVIRUS HAVERÁ EM SUA ÁREA?

Crescimento por país


O número total de casos cresceu exponencialmente até que a China os contivesse, mas então o vírus vazou para fora, e agora é uma pandemia que ninguém consegue parar.



No momento, isso se deve principalmente a Itália, Irã e Coreia do Sul:



Há tantos casos na Coreia do Sul, na Itália e na China que se torna difícil ver o resto dos países, mas vamos dar um zoom no canto inferior direito.



Há dúzias de países com taxas de crescimento exponencial. No momento, a maioria deles no Ocidente.


Se você prossegue com esse tipo de taxa de crescimento por apenas uma semana, eis o que você obtém:



Se você quer entender o que vai acontecer, ou como evita-lo, você precisa olhar para os casos que já ocorridos: China, países orientais com experiência com SARS [Síndrome Respiratória Aguda Grave], e Itália.

CHINA


Este é um dos gráficos mais importantes.

Ele mostra em barras laranja o número diário de casos registrados na província de Hubei: quantas pessoas foram diagnosticadas naquele dia.

As barras cinza mostram o verdadeiro número diário de casos de coronavirus. O Centro de Controle de Doenças chinês os definiu perguntando aos pacientes quando os sintomas começaram, durante o processso de diagnose.

Crucialmente, esses casos verdadeiros não eram conhecidos no momento exato. Nós podemos apenas estimá-los olhando retrospectivamente: as autoridades não tomam conhecimento assim que alguém começa a apresentar sintomas; elas só tomam ciência quando alguém vai ao médico e recebe o diagnóstico.

Isso significa que as barras laranja mostram o que as autoridades sabiam em dado momento, e as barras cinza indicam o que estava realmente acontecendo.

Em 21 de janeiro, o número de casos de diagnosticados (laranja) explodiu: havia cerca de 100 novos casos. Na realidade, havia 1.500 novos casos naquele dia, crescendo exponencialmente - mas as autoridades não sabiam disso; o que elas sabiam era que havia 100 novos casos diagnosticados dessa doença [NOTA: Hoje, 12/03, há cerca de 70 pacientes confirmados no Brasil, número bastante próximo].

Dois dias depois, as autoridades puseram a cidade de Wuhan em quarentena. Neste ponto, o número diário de casos diagnosticados era de aproximadamente 400. Note esse número: eles decidiram fechar a cidade com apenas 400 casos em um dia. Na realidade, já havia 2.500 casos naquele dia, mas ainda não estavam diagnosticados [Ou seja: podemos supor que há hoje no Brasil muito mais que 70 pacientes contaminados, mas ainda não diagnosticados; a epidemia pode estar em estágio mais avançado que imaginamos].

No dia seguinte, mais 15 cidades na província de Hubei entraram em quarentena.

Até 23 de janeiro, quando Wuhan foi posta em quarentena, a epidemia crescia exponencialmente, como se vê no gráfico. Casos verdadeiros [ainda não-diagnosticados] estavam explodindo. Assim que Wuhan foi fechada, há uma desaceleração nos casos. Em 24 de janeiro, quando outras 15 cidades foram fechadas, o número de casos verdadeiros (cinza) tem uma parada. Dois dias depois, o número máximo de casos verdadeiros foi alcançado, e vem decrescendo desde então.

Note que os casos laranja (oficiais) continuavam crescendo exponencialmente: por mais 12 dias parecia que a epidemia continuava em expansão - mas não estava. Simplesmente os sintomas dos pacientes já contaminados estavam se tornando mais fortes e mais pessoas procuravam atendimento médico, aumentando a capacidade do sistema de saúde de identificá-los.

Essa diferenciação entre casos oficiais e verdadeiros [não-diagnosticados] é importante. Mantenhamos em mente para mais tarde.

As demais regiões da China estavam bem coordenadas pelo governo central, então elas tomaram medidas imediatas e drásticas. Este é o resultado: 


Cada linha achatada é uma região chinesa com casos de coronavirus. Cada uma tinha o potencial para desenvolver contágio exponencial, mas graças às medidas implementadas no fim de janeiro, todas elas contiveram o vírus antes que se espalhasse.

Enquanto isso, Coreia do Sul, Itália e Irã tiveram um mês inteiro para aprender com o caso chinês, mas não o fizeram. Esses países começaram a apresentar o mesmo crescimento exponencial visto na província de Hubei, ultrapassando todas as regiões chinesas ainda em fevereiro.

PAÍSES ORIENTAIS

Os casos explodiram na Coreia do Sul, mas por que isso não aconteceu no Japão, Taiwan, Singapura, Tailândia ou Hong Kong?


Todos esses países foram atingidos pela SARS em 2003, e todos eles aprenderam com isso. Eles aprenderam quão virulenta e letal ela pode ser, então sabiam levar o problema a sério. É por isso que todos os seus gráficos, apesar de um crescimento muito precoce, não chegaram a tomar dimensão exponencial.

Até aqui, examinamos histórias de coronavirus explodindo, governos conscientes da periculosidade da ameaça e a contendo. Para os demais países, no entatnto, a situação é completamente diferente.

Antes de passar para eles, uma nota sobre a Coreia do Sul: o país é provavelmente um ponto fora da curva. O coronavirus foi contido nos 30 primeiros casos, mas o Paciente 31 foi um super-propagador que o transmitiu para milhares de outras pessoas. Como o vírus se espalha antes de as pessoas apresentarem os sintomas, no momento em que as autoridades se deram conta do problema, o vírus já estava fora de controle. Agora eles sofrem as consequências daquele caso singular. No entato, os esforços coreanos de contenção já se mostram efetivos: a Itália já ultrapassou a Coreia no número de casos, e o Irã irá ultrapassar amanhã [10 de março]. [NOTA: Já temos 70 casos no Brasil, mais que o dobro dos 30 iniciais na Coreia do Sul].

ESTADO DE WASHINGTON [não confundir com a capital americana, Washington D.C.]
Você já viu o crescimento nos países ocidentais, e quão ruins as estimativas para apenas uma semana podem ser. Agora imagine que as medidas de contenção não acontecem como em Wuhan ou em outros países orientais, e você tem uma epidemia colossal.

Examinemos alguns casos, como o Estado de Washington, a Área da Baía de São Francisco, Paris e Madri.

O Estado de Washington é o equivalente americano de Wuhan. O número de casos cresce exponencialmente - atualmente 140.

Mas algo curioso aconteceu desde o princípio. A taxa de letalidade se mostrou altíssima. Em certo ponto, o estado tinha 3 casos e uma morte.

Sabemos de outros lugares que a taxa de letalidade do coronavirus fica aproximadamente entre 0,5% e 5% (mais a respeito adiante). Como a taxa de letalidade poderia chegar a 33%?

Acontece que o vírus vinha se espalhando sem detecção por semanas. Não havia realmente apenas 3 casos; as autoridades conheciam apenas 3, e um deles resultou em óbito porque, quanto piores as condições do paciente, maiores as chances de ele ser diagnosticado.

É um pouco como as barras cinza e laranja na China: nos EUA eles só conheciam as barras laranja (casos oficialmente diagnosticados), e a situação parecia boa: apenas 3 pacientes. Mas, na realidade, já havia provavelmente centenas, talvez milhares de casos não-diagnosticados.

Isso é um problema: só conhecemos os casos oficiais, não os verdadeiros. Mas é necessário saber a quantidade de casos verdadeiros. Como traçar uma estimativa dos casos não diagnosticados? Há duas maneiras, e estabeleci um modelo para ambas, então você também pode experimentar com os números [conferir links no texto original].

Primeiramente, através dos óbitos. Se você tem mortes na região, pode usar esse dado para estimar o número corrente de casos não-diagnosticados. Sabemos aproximadamente quanto tempo leva entre a contaminação do paciente pelo vírus e o óbito (em média 17,3 dias). Isso significa que a pessoa que morreu no Estado de Washington em 29 de fevereiro provavelmente contraiu a doença por volta de 12 de fevereiro.

Além disso, a taxa de letalidade também é conhecida. Para este cenário, estou usando 1% (logo discutimos os detalhes). Isso significa que, por volta de 12 de fevereiro, já havia cerca de 100 casos na área (dos quais apenas um resultou em óbito cerca de 17,3 dias depois).

Agora, usemos o tempo médio de duplicação do coronavirus (tempo médio que a epidemia leva para duplicar o número de pacientes) - 6,2 dias. Isso significa que, nos 17 dias passados até que aquela pessoa morresse, os casos se multiplicaram aproximadamente 8 vezes (=2^(17/6)). Isso significa que, se nem todos os casos são diagnosticados, uma morte hoje sugere cerca de 800 casos verdadeiros [não-diagnosticados].

O Estado de Washington já conta 22 óbitos. Com essa estimativa, chegamos a cerca de 16.000 casos não diagnosticados. O equivalente ao somatório dos casos oficiais da Itália e do Irã.

Se prestarmos atenção aos detalhes, percebemos que 19 dessas mortes ocorreram em uma única região - talvez o contágio não tenha se espalhado tanto. Então se considerarmos [para efeitos estatísticos] 19 desses óbitos como apenas 1, o total de mortes no estado chegaria a 4. Alterando o modelo com esse número, ainda ficamos com uma estimativa de 3.000 casos não-diagnosticados.

Essa abordagem de Trevor Bedford [link no texto original] analisa o vírus propriamente dito e suas mutações para estimar a contagem corrente de casos.

A conclusão é que há provavelmente cerca de 1.100 casos no Estado de Washington agora mesmo.

Nenhuma dessas abordagens estatísticas é perfeita, mas todas elas apontam para a mesma mensagem: nós não sabemos o número verdadeiro de casos, mas é muito mais alto que o oficial. Não está em centenas. Está em milhares, talvez mais [alerta igualmente válido para o Brasil].

ÁREA DA BAÍA DE SÃO FRANCISCO

Até 8 de março, a Área da Baía não tinha nenhum óbito registrado. Isso torna difícil estimar quantos casos não-diagnosticados existem [o mesmo se aplica ao Brasil no momento, sem nenhum óbito confirmado]. Oficialmente, havia apenas 86 casos. Mas os Estados Unidos estão realizando poucos exames, porque não há kits em números suficiente. O país decidiu criar seu próprio kit de testagem, que acabou não funcionando. Estes são os números de testes realizados en diferentes países até 3 de março:

A Turquia, sem nenhum caso de coronavirus, tinha realizado 10 vezes mais testes por habitante que os EUA. A situação não está muito melhor aogra, com cerca de 8.000 exames realizados nos EUA, o que significa que cerca de 4.000 pessoas foram examinadas.



Aqui, você pode usar apenas uma parcela dos casos oficiais para estimar os não-diagnosticados [devido ao número limitado de exames efetuados]. Como decidir que parcelas da população examinar? Para a Área da Baía, eles vinham examinando todos que viajaram ou tiveram contato com um viajante, o que significa que há bastante conhecimento sobre casos relacionados a viagens, mas nenhum dos casos espalhados na comunidade. Comparando a proporção entre contágios locais e contágios por viagem, pode-se estimar quantos casos não diagnosticados existem.

Examinei essa proporção na Coreia do Sul, que oferece bons dados. Na época em que tinham 86 casos confirmados, a porcentagem de contágio local era de 86% (86 pacientes e 86% são apenas coincidência).

Com esse número, pode-se calcular o número de casos não-diagnosticados. Se a Área da Baía tem 86 casos confirmados hoje, é provável que o número verdadeiro seja de aproximadamente 600 pacientes.

FRANÇA E PARIS
A França confirma 1.400 casos hoje e 30 mortes. Usando os dois métodos acima, pode-se estimar uma faixa de casos não-diagnosticados: entre 24.000 e 140.000.

Deixe-me repetir isso: o números de casos não diagnosticados na França está provavelmente uma ou duas ordens de magnitude acima do oficialmente reportado.

Não acredita? Olhemos novamente o gráfico de Wuhan.

Se somadas as barras laranja até 22 de fevereiro, há 444 casos; mas somando todas as barras cinza chega-se a mais de 12.000 casos. Então quando Wuhan achava que tinha 444 casos, tinha 27 vezes mais. Se a França pensa que tem 1.400 casos, é provável que tenha na realidade dezenas de milhares.

A mesma matemática se aplica a Paris. Com 30 casos registrados dentro da cidade, o número de casos não-diagnosticados está provavelmente na casa das centenas, talvez milhares. Com 300 casos confirmados na região da Ile-de-France [onde fica Paris], o total de casos na região talvez já exceda dezenas de milhares.

ESPANHA E MADRI
A Espanha tem números muito similares aos da França (1.200 casos vs. 1.400, e ambas com 30 óbitos). Isso significa que as mesmas regras se aplicam: a Espanha já tem provavelmente mais de 20.000 casos não-diagnosticados.

Na região da Comunidade de Madri, com 600 casos oficiais e 17 óbitos, o número verdadeiro de casos fica provavelmente entre 10.000 e 60.000.

Se você lê esses dados e murmura: "Impossível, não pode ser verdade", lembre-se apenas disso: com esse número de casos, a cidade de Wuhan já estava em quarentena.

2 - O QUE ACONTECERÁ QUANDO ESSES CASOS DE CORONAVIRUS SE CONCRETIZAREM?

Então, o coronavirus já está aqui. Está escondido, e crescendo exponencialmente. [A mesma inferência é válida para o Brasil].

O que acontecerá em nossos países quando forem atingidos. É fácil saber, pois temos diversos lugares onde já está acontecendo. Os melhores exemplos são Hubei e Itália.

Taxas de letalidade
A Organização Mundial de Saúde (OMS) cita 3,4% como taxa de letalidade (porcentagem de pessoas que contraem o coronavirus e morrem). Esse número está fora de contexto, então deixe-me explicar.

Isso realmente depende do país e do momento: entre 0,6% na Coreia do Sul e 4,4% no Irã. O que isso significa? Podemos usar um "truque" para entender.

As duas maneiras para se calcular a taxa de letalidade é óbitos/total de casos e óbitos/casos fechados. O primeiro tende a subestimar a taxa, pois muitos casos abertos ainda podem terminar em óbito. O secundo tende a superestimar a taxa, pois é provável que os óbitos se fechem muito antes dos casos de pacientes recebendo alta.

O que fiz foi examinar como ambos evoluem ao longo do tempo. Ambos números convergirão para o mesmo resultado quando todos os casos estiverem fechados, então se você projeta tendências passadas para o futuros, pode fazer uma estimativa de qual será a taxa final de letalidade.

Isso é o que se percebe nos dados. A taxa de letalidade na China atualmente se encontra entre 3,6% e 6,1%. Se projetarmos esses dados no futuro, há uma aparente convergência a algo entre 3,6% e 4%. Isso é o dobro da estimativa corrente, e 30 vezes pior que a gripe.

No entanto, essa estatística se compõe de duas realidades completamente diferentes: Hubei e o resto da China.

A taxa de letalidade em Hubei provavelmente convergirá para cerca de 4,8%. Enquanto isso, para o resto da China, provavelmente convergirá para 0,9%:

Também plotei os números para o Irã, Itália e Coreia do Sul, os únicos países com número suficiente de mortes para ter relevância estatística.


A proporção de óbitos/total de casos converge para a faixa entre 3% a 4% tanto no Irã quanto na Itália. Minha aposta é que os números também acabarão em torno disso.

A Coreia do Sul é o caso mais interessante, porque esses dois números se encontram completamente desconectados: óbitos/total de casos é de apenas 0,6%, mas óbitos/casos fechados é de impressionantes 48%. Minha hipótese é de que algumas coisas singulares andam acontecendo por lá. Primeiro, eles estão examinando todas as pessoas (com tantos casos abertos, a taxa de letalidade parece baixa), e deixando os casos abertos por mais tempos (então os casos se fecham mais rápido quando há óbito). Segundo, eles têm muitos leitos hospitalares (ver gráfico acima) [NOTA: o exato oposto do Brasil, onde temos insuficiência crônica de leitos]. Também pode haver outras razões que desconhecemos. O que é mais relevante é que a taxa óbitos/total de casos vem flutuando em torno de 0,5% desde o começo, sugerindo que permanecerá assim, provavelmente muito influenciada pelos sistemas de saúde e de gestão de crises [NOTA: o sistema de saúde no Brasil é precário, mas nosso aparato para gestão de crises é quase inexistente - ficamos MUITO longe das perspectivas otimistas observadas na Coreia].

O último exemplo relevante é o cruzeiro Diamond Princess: com 706 casos, 6 mortes e 100 recuperações, a taxa de letalidade ficará entre 1% e 6,5%.

Note-se que a distribuição de faixa etária em cada país também terá impacto. Uma vez que a letalidade é muito mais alta para pessoas idosas, países com população maior população de idosos, como o Japão, atingirão média mais elevada que países mais jovens, como a Nigéria. Também há de se considerar fatores climáticos, especialmente temperatura e umidade, mas ainda não está claro como estes podem afetar taxas de contágio e letalidade.

Isso é o que se pode concluir:

- Haverá outros fatores externos que influenciarão a taxa de letalidade.
- Excluindo esses fatores, países mais preparados tenderão a ter taxas de letalidade entre 0,5% (Coreia do Sul) e 0,9% (resto da China).
-Países com sistema de saúde sobrecarregado [como o Brasil] terão uma taxa de letalidade entre 3% e 5%.

Formulando de outro modo: países que agirem rápido poderão reduzir dez vezes o número de óbitos. E isso considerando apenas a taxa de letalidade. Agir rápido também reduz drasticamente os casos, tornando o problema ainda menor [sic].

Então o que um país precisa para se preparar?

Qual será a pressão sobre o sistema de saúde
Cerca de 20% dos casos exigem internação, 5% dos casos requerem Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e cerca de 2,5% exigem tratamento muito intensivo, empregando itens como aparelhos de ventilação ou ECMO (oxigenação extra-corporal).
O problema é que itens como aparelhos de ventilação e ECMO não podem ser fabricados ou comprados facilmente. Alguns anos atrás, os EUA tinham um total de [apenas] 250 máquinas de ECMO, por exemplo. [Nem quero imaginar a situação no Brasil].

Então, se subitamente é necessário lidar com 100.000 pessoas infectadas, muitas delas precisarão de exames. Cerca de 20.000 exigirão hospitalização, 5.000 necessitarão de UTI, e 1.000 precisarão de máquinas que não temos em quantidade suficiente. E isso trabalhando apenas com uma estimativa de 100.000 casos.

Isso sem contar questões como disponibilidade de máscaras. Um país como os EUA tem em estoque apenas 1% das máscaras necessárias para a proteção dos profissionais de saúde (12 milhões de tipo N95, 30 milhões de tipo cirúrgico, contra uma demanda estimada em 3,5 BILHÕES). Se um excesso de casos aparecer subitamente, haverá máscaras suficientes para apenas duas semanas. [Repito: imagine aqui no Brasil].

Países como Japão, Coreia do Sul, Hong Kong ou Singapura, assim como regiões chinesas fora de Hubei foram preparadas e ofereceram o tratamento que os pacientes necessitavam.

Mas o resto dos países ocidentais está indo sobretudo na mesma direção que a província de hubei e a Itália. O que está acontecendo lá?

Com o que se parece um sistema de saúde sobrecarregado
As histórias acontecidas em Hubei e na Itália estão começando a ficar assustadoramente parecidas. Hubei construiu dois hospitais em dez dias, mas ainda assim, o sistema ficou completamente sobrecarregado.

Em ambos casos [Hubei e Itália] pacientes inundaram os hospitais. Precisaram receber cuidados em qualquer lugar: em corredores, salas de espera... [No Brasil já vivemos assim SEM pandemia].

[Seguem um thread de Twitter com testemunho de um médico atuando na Itália, assim como uma reportagem da imprensa italiana; consulte o texto original para links]

Profissionais da saúde usam uma única peça de equipamento de proteção durante horas, porque não há em quantidade suficiente. Como resultado, eles não podem deixar áreas infectadas durante várias horas; quando eles saem, desabam, desidratados e exaustos. Não existem mais turnos. Algusn profissionais estão saindo da aposentadoria para cobrir carências. Voluntários sem nenhuma experiência em enfermagem são treinados às pressas para desempenhar tarefas críticas. Todo o pessoal está em alerta, sempre.

Isso até que eles mesmos caiam doentes. O que acontece muito, porque eles estão constantemente expostos a virus, sem equipamento de proteção suficiente. Quando isso acontece, eles entram em quarentena por 14 dias, durante os quais não podem ajudar ninguém. Na melhor das hipóteses, é um profissional inativo por duas semanas; no pior caso, eles morrem.

O pior acontece nas UTI, onde pacientes precisam compartilhar aparelhos de ventilação e ECMO. Na verdade é impossível compartilhar esses aparelhos, então os profissionais da saúde precisam determinar quais pacientes irão usá-los. Isso realmente significa escolher quem vai viver e quem vai morrer.

[segue link da imprensa belga sobre situação na Itália]

"Depois de alguns dias, precisamos escolher. [...] Não é possível entubar todos os pacientes. Nós decidimos baseados na idade e no estado de saúde" - Christian Salaroli, médico italiano.

Tudo isso é o que leva um sistema de saúde a ter taxas de letalidade de cerca de 4%, em vez de 0,5%. Se você quer que a sua cidade ou o seu país atinjam os 4%, continue hoje sem fazer nada.

3 - O QUE VOCÊ PODE FAZER?

Aplainar a curva
Agora já é uma pandemia [reconhecida pela OMS]. Ela não pode ser eliminada, mas podemos fazer algo para reduzir seu impacto.

Alguns países têm sido exemplares nisso. O melhor é Taiwan, que é extremamente conectado com a China e ainda assim tem menos de 50 casos. Esse artigo recente [link no texto original] explica todas as medidas precocemente tomadas, que foram focadas em contenção.

Eles conseguiram conter a epidemia, mas a maioria dos países falhou. Agora, eles estão jogando outro jogo: mitigação. Eles precisam tornar o vírus tão inofensivo quanto possível.

Se reduzirmos o número de infecções tanto quanto possível, nosso sistema de saúde conseguirá cuidar muito melhor dos pacientes, reduzindo o índice de letalidade. E se conseguirmos diluir sua frequência ao longo do tempo, alcançaremos um ponto onde o resto da sociedade poderá ser vacinado, eliminando completamente o risco. Então nosso objetivo imediato não é eliminar o contágio de coronavirus; é atrasá-lo.

Quanto mais atrasarmos os casos, melhor o sistema de saúde pode funcionar, menor a taxa de mortalidade e maior a parcela da população que poderá ser vacinada antes de ser infectada.

Como podemos aplainar a curva?

Distanciamento social
Há uma medida muito simples e que funciona: distanciamento social.

Se você retornar ao gráfico sobre a cidade de Wuhan, lembrará que assim que se estabeleceu a quarentena, os casos diminuíram. Isso acontece porque as pessoas deixam de interagir e o vírus não se espalha.

O consenso científico corrente é que o vírus pode se espalhar em torno de dois metros se um paciente tosse. Caso contrário, as gotículas caem no chão e não infectam ningúem.

A pior infecção então vem das superfícies: o vírus sobrevive por até 9 dias em diferentes superfícies como metal, cerâmica e plástico. Isso significa que objetos como maçanetas, mesas ou botões de elevador podem ser terríveis vetores de infecção.

A única maneira de realmente reduzir esse perigo é com distanciamento social: manter as pessoas dentro de casa pelo máximo de tempo possível, até que a pandemia seja controlada.

Isso já foi feito no passado. Especificamente, durante a pandemia de gripe de 1918 ["Gripe Espanhola"].

Lições da "Gripe Espanhola"

Pode-se perceber como a Filadélfia não agiu rápido, a teve um elevado pico de letalidade. Compare com Saint Louis, que agiu rápido.

E então veja Denver, que tomou medidas de contenção e depois as afrouxou - eles tiveram um pico duplo, com o segundo mais alto que o primeiro.

Fazendo uma generalização, eis o que se encontra:

Esse gráfico mostra como houve muito mais mortes por cidade, dependendo da rapidez com que as medidas de contenção foram tomadas na gripe de 1918. Por exemplo, uma cidade como Saint Louis tomou medidas 6 dias antes de Pittsburg, e teve meno da metade de mortes por cidadão. Em média, tomar medidas 20 dias mais cedo reduzia pela metade a taxa de letalidade.

A Itália finalmente percebeu isso. Eles puseram a região da Lombardia em quarentena no domingo e, no dia seguinte, segunda-feira, eles perceberam o equívoco e decidiram pôr o país inteiro em quarentena.

Esperançosamente, veremos os resultados nos próximos dias. No entanto, isso pode levar uma ou duas semanas para ficar visível. Lembre do gráfico de Wuhan: houve um intervalo de 12 dias entre o momento em que a quarentena foi anunciada e o momento em que os casos oficiais (laranja) começaram a reduzir.

Como políticos podem contribuir para o Distanciamento Social
A questão que os políticos estão [ou deveriam estar] se perguntando não é se eles devem fazer alguma coisa, mas qual é a ação apropriada a tomar.

Há vários estágios para controlar uma epidemia, começando com antecipação e terminando com erradicação. Mas já está muito tarde para a maioria das opções agora. Com esse nível de casos, as duas únicas opções disponíveis para os políticos são contenção e mitigação.

Contenção
Contenção significa se assegurar de que todos os casos sejam identificados, controlados e isolados. É o que Singapura, Hong Kong, Japão ou Taiwan estão fazendo tão bem: eles rapidamente limitaram o número de pessoas entrando no país, identificaram os doentes, os isolaram, usam equipamento de proteção "pesado" para os profissionais da saúde, controlam seus contatos, os colocam em quarentena... Isso funciona muito bem quando você está preparado e faz isso cedo e não precisa parar completamente sua economia para fazer isso acontecer.

Já falei da abordagem de Taiwan. Mas a da China também é boa. Os esforços empreendidos para conter o vírus foram surpreendentes. Por exemplo, eles formaram até 1.800 equipes de 5 pessoas cada para rastrear cada paciente infectado, todos com quem eles interagiram e então todos com quem essas pessoas interagiram e isolando todo esse conjunto. Foi assim que eles conseguiram conter o vírus num país de 1 bilhão de pessoas.

Não é isso que os países ocidentais vêm fazendo. E agora é tarde demais. O anúncio recente de que os EUA cancelaram a maioria das viagens para a Europa é uma medida de contenção para um país que já tem hoje três vezes o número de casos que a província de Hubei tinha quando entrou em quarentena, crescendo exponencialmente. Como podemos saber se isso é suficiente? Podemos fazer isso examinando a proibição de viagens na cidade de Wuhan.

Esse gráfico mostra o impacto que as proibições de viagem em Wuhan tiveram para atrasar a epidemia. O tamanho das bolhas mostra o número diário de casos. A linha superior mostra os casos se nada fosse feito. As duas outras linhas mostram o impacto se 40% ou 90% das viagens forem eliminadas. Esse é um modelo estatístico criado por epidemiologistas, porque não temos como saber com certeza.

Se você não percebe muita diferença, está certo. É muito difícil ver alguma mudança na evolução da epidemia.

Pesquisadores estimam que, no total, a proibição de viagens em Wuhan só atrasou o contágio na China de 3 a 5 dias.

Mas o que os pesquisadores pensam que poderia ser o impacto na redução da transmissão?

O bloco superior é o mesmo que você viu antes; os dois outros blocos mostram taxas de transmissão decrescentes. Se a taxa de transmissão fica abaixo de 25% (através de Distanciamento Social), isso aplaina a curva e atrasa o pico por 14 semanas. Diminua a taxa de transmissão para 50%, e você atrasa ainda mais a epidemia [no original: "you can't see the epidemic even starting within a quarter"].

A proibição dos EUA de viagens para a Europa é boa: provavelmente ganhará algumas horas para nós, talvez um dia ou dois. Mas não mais. Não é o suficiente. É contenção, quando o que precisamos é mitigação.

Uma vez que há centenas ou milhares de casos crescendo na população [igualmente provável no Brasil], evitar que mais cheguem, rastrear os existentes e isolá-los não é mais o suficiente. O próximo nível é mitigação.

Mitigação
Mitigação requer Distanciamento Social pesado. Pessoas precisam permanecer em casa para reduzir a taxa de transmissão (T) de T=~2-3 que o vírus segue na ausência de medidas para uma taxa abaixo de 1, para que o vírus eventualmente morra.

Essas medidas requerem o fechamento temporário de empresas, lojas, transporte coletivo, escolas e estabelecimento de quarentenas... Quanto pior a situação, maior o Distanciamento Social necessário. Quanto mais cedo se impões medidas pesadas, menos tempo é necessário mantê-las, mais fácil se torna diagnosticar os casos em fase inicial e menos pessoas são infectadas.

Isso é o que Wuhan precisou fazer. Isso é o que a Itália precisou aceitar. Porque quando o vírus está em franca expansão, a única medida é interromper de uma vez o contágio em todas as áreas infectadas.

Com milhares de casos oficiais - e dezenas de milhares de casos não-diagnosticados - isso é o que países como Irã, França, Espanha, Alemanha, Suíça ou EUA precisam fazer.

Mas eles não estão fazendo.

Alguns negócios estão trabalhando de casa.
Alguns eventos de massa foram cancelados.
Algumas áreas afetadas estão entrando em quarentena por iniciativa própria.

Todas essas medidas diminuirão a velocidade do contágio. Elas reduzirão a taxa de transmissão de 2,5 para 2,2, talvez 2. Mas elas não são o suficiente para nos botar abaixo de 1 por tempo suficiente para estancar a epidemia. E se não conseguirmos fazer isso, precisamos chegar o mais perto possível de 1, para aplainar a curva.

Então a questão se torna: quais são as escolhas que podemos fazer para reduzir a taxa T? Esse é o menu que a Itália pôs diante de nós todos:

-Ninguém pode entrar ou sair de áreas de quarentena, exceto caso haja necessidades familiares ou profissionais comprovadas.
-Movimento dentro das áreas de quarentena deve ser evitado, exceto quando justificado por razões pessoais ou profissionais urgentes e inadiáveis.
-Pessoas com sintomas (infecção respiratória ou febre) recebem "forte recomendação" para permanecer em casa.
-Horários de descanso padrão de profissionais da saúde são suspensos.
-Fechamento de todos os estabelecimentos educacionais (escolas, universidades...), academias de ginástica, museus, estações de ski, centros culturais e sociais, piscinas e teatros.
-Bares e restaurantes com horário de funcionamento limitados das 06:00 às 18:00, com ao menos um metro de distância entre as pessoas.
-Todos os botequins devem ser fechados.
-Todas as atividades comerciais precisam manter uma distância de um metro entre clientes. Aquelas que não puderem fazer isso devem fechar. Templos podem permanecer abertos desde que garantam essa distância.
-Visitas de familiares e amigos limitadas nos hospitais.
-Reuniões de trabalho devem ser adiadas. Trabalho à distância deve ser encorajado.
-Todos os eventos esportivos e competições, públicos ou privados, são cancelados. Eventos importantes podem ser realizados sem presença de espectadores.

Então, dois dias depois, eles mudaram a decisão: Não, na verdade, todos os negócios que não sejam essenciais precisam ser fechados. Agora fechamos todas as atividades comerciais, escritórios, cafés e lojas. Apenas transporte, farmácias e fornecimento de alimentos [mercados etc] permanecerão abertos".

Uma abordagem é aumentar gradualmente as medidas. Infelizmente, isso dá ao vírus precioso tempo para se espalhar. Se você quiser segurança, faça ao estilo de Wuhan. Pessoas podem reclamar agora, mas agradecerão depois.

Como líderes de negócios podem contribuir para o Distanciamento Social?
Se você é um líder de negócios e quer saber o que pode fazer, o melhor recurso para você é o "Staying Home Club" [link no texto original].

É uma lista de ações de Distanciamento Social  implementada por empresas de tecnologia nos EUA - até agora, 138.

Elas vão desde permissão para trabalho de casa [a distância] a restrição de visitas, viagens ou eventos.

Há mais coisas que cada companhia pode determinar, como o que fazer com trabalhadores por hora, manter o escritório aberto ou não, como conduzir entrevistas, o que fazer com cantinas... Se você quer saber como minha companhia, Course Hero, realizou algumas dessas coisas, com um modelo de anúncio para seus empregados, aqui está o usado por minha companhia [link no texto original].

4 - QUANDO?
É possível que você tenha concordado com tudo que eu disse, e estava apenas se perguntando, desde o começo quando tomar cada decisão. De outro modo, que gatilhos precisamos para cada medida.

Modelo para gatilhos baseado em riscos
Para resolver isso, eu criei um modelo [link no texto original].

Ele permite a você tabular o número de casos em sua área, a probabilidade de que seus empregados já estejam infectados, como isso pode evoluir ao longo do tempo, e como isso pode orientar você sobre permanecer funcionando.

Ele nos informa coisas como:
-Se a sua companhia tem 100 empregados na área do Estado de Washington que tem 11 mortes por coronavirus, há uma chance de ao menos 25% de que um de seus empregados esteja infectado, e você deve interromper atividades imediatamente.
-Se sua companhia tem 250 empregados majoritariamente na Baía Sul (condados de San Mateo e Santa Clara, que juntos têm 22 casos oficiais e cuja número é provavelmente maior que 54), por 3/9 você terá cerca de 2% de chance de ter ao menos um empregado infectado.
-Se sua companhia fica em Paris e tem 250 empregados, hoje há uma chance de 0,85% de que um de seus empregados tenha coronavirus e amanhã será de 1,2%, então se você só se sente confortável com uma chance de 1%, deveria fechar seu escritório amanhã.

O modelo usa rótulos como "companhia" e "empregados", mas o mesmo modelo pode ser usado para qualquer coisa: escolas, transporte público... Então, se você tem apenas 50 empregados em Paris, mas todos eles pegam o RER [trem suburbano], vindo no meio de milhares de outras pessoas, a probabilidade de que ao menos um deles fique infectado é muito maior e você deveria fechar seu escritório imediatamente.

Se você ainda está hesitando porque ninguém está mostrando sintomas, apenas perceba que 26% dos contágios ocorre antes que se percebam sintomas.

Você faz parte de um grupo de líderes?
Essa matemática é egoísta. Ela leva em conta os riscos individuais para cada companhia, tomando tanto risco quanto se queira até que o inevitável martelo do coronavirus feche seus escritórios.

Mas se vocês faz parte de uma liga de líderes de negócios ou de políticos, seus cálculos não são apenas para uma empresa, mas para toda a sociedade. A matemática se torna: qual é a probabilidade de qualquer uma de nossas companhias seja infectada? Se você faz parte de um grupo de 50 companhias com uma média de 250 empregados, na Área da Baía de São Francisco, há uma chance de 35% de que ao menos uma das companhias tenha um empregado infectado, e 97% de chances de que isso aconteça na semana que vem. Eu acrescentei uma aba no modelo para experimentar com isso.

CONCLUSÃO: O CUSTO DA ESPERA
Talvez seja assustador tomar uma decisão hoje, mas você não deveria pensar dessa maneira.

Esse modelo teórico mostra diferentes comunidades: uma que não toma medidas de Distanciamento Social, uma que as toma no Dia n do surto, a outra no Dia n+1. Todos os números são completamente fictícios (eu os escolhi para serem similares aos do surto de Hubei, com 6 mil novos casos diários na pior das hipóteses). Eles estão aqui apenas para ilustrar quão importante um único dia pode ser em algo que cresce exponencialmente. Você pode ver que o intervalo de um dia leva ao pico mais tarde e mais alto, mas então os casos diários convergem para zero.

Mas e quanto a casos cumulativos?

Nesse modelo teórico que se assemelha aproximadamente a Hubei, esperar mais um dia gera 40% de casos a mais! Então, talvez, se as autoridades de Hubei tivessem declarado a quarentena em 22 de janeiro, em vez de 23 de janeiro, eles teriam reduzido o número de casos em impressionantes 20.000.

E lembre-se, estes são apenas casos. A mortalidade pode ser muito mais alta, porque não haveria apenas mais 40% de mortes diretamente. Também ocorreria um colapso muito mais rápido do sistema de saúde, levando a uma taxa de mortalidade 10 vezes maior, como vimos antes. Então uma diferença de um dia em medidas de Distanciamento Social podem resultar numa explosão do número de mortes em sua comunidade, pela multiplicação dos casos e taxa de letalidade mais alta.

Essa é uma ameaça exponencial. Cada dia conta. Quando você atrasa sua decisão por apenas um dia, você não está contribuindo apenas para mais alguns casos. É provável que já haja centenas ou milhares de casos em sua comunidade. Cada dia sem Distanciamento Social faz com que esses casos cresçam exponencialmente.

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Esse é provável o único momento na última década em que compartilhar um artigo pode salvar vidas. Todos precisam entender isso para evitar uma catástrofe. O momento de agir é agora.