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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Epitáfios Pandêmicos

ROBERTO WALDEN
1978-2020
Escritor, servidor, pai
Deixa saudades e uma criança órfã
"Apenas uma gripezinha"

NEYMAR DE JESUS
1935-2020
Peladeiro aposentado;
Histórico de atleta

IRENE MARQUES
1950-2020
Avó, eleitora
"Resfriadinho"

CLOROQUINA NEVES
1964-2020
Uma vida de fantasias
Deixa admiradores

HELENA REIS
1972-2020
Enfemeira, esposa e mãe
"E daí?"

EDSON TOMAZ
1985-2020
Apenas mais um desempregado
Não era coveiro

SÉRGIO MORAIS
1968-2020
Magistrado
Caiu atirando

Inspirado por e dedicado ao Sr. R.W.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

"Cunhambebe Boladão"

"Eu sou uma onça, tá ligado, mano?" - Célebre resposta de Cunhambe Boladão para o Alemão. (Apud STADEN, Hans. História de um rolé canibal na quebrada conhecida como Brasil. Marburg: Komisch Verlag, 1557).

O espectro de Duchamp ronda a Internet.

Brasil escalando a curva


Uma inventiva síntese de nossos tristes tempos.
A aparente ausência de critérios já é, muitas vezes, um critério.
Às vezes leio textos que me fazem invejar os analfabetos. Ignorance is bliss. Indeed.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Os insensatos do Brasil

Não há palavras que definam meu nojo quando vejo um velho jornalista afirmar quase rindo que é muito natural um presidente da República nomear como diretor-geral da Polícia Federal uma pessoa que passou o Revéillon com um de seus filhos. 

Isso é escarrar na impessoalidade da gestão republicana e zombar dos princípios constitucionais - nem PSDB, PT ou PMDB em seus piores momentos ousaram fazer algo assim. É uma imoralidade sem tamanho e uma ousadia lamentável. 

Se essa é a tal "nova política" que Bolsonaro tanto prometia, é muito pior que a "velha política" que ele tanto critica - da boca para fora, depois de três décadas mamando em suas tetas e aconchegando os filhos para mamar nas mesmas. Essa política é nova, mas fede como um velho cadáver em avançado estágio de putrefação. 

Apenas mais uma demonstração, entre tantas, de que nosso farisaico presidente é um sepulcro caiado, repleto de podridão. Se o dito jornalista acha isso muito "natural", sinto informar que a moralidade dele não está à altura da cidadania democrática e republicana. 

É triste ver o circo pegando fogo e as pessoas cegas a isso - cegas simplesmente porque se recusam a enxergar aquilo que é cada vez mais óbvio e evidente; como diz o provérbio, o pior cego é aquele que não quer ver. 

Realmente é mais fácil enganar uma pessoa que depois mostrar a ela que foi enganada. Aquele que compra gato por lebre, confrontado pela realidade, sustentará candidamente que todas as lebres miam. Prefere acatar as mentiras mais servis a admitir seu equívoco. Ocultará como puder sua frustração e até encontrará pífios argumentos para forjar para si mesmo a ilusão de satisfação. 

Eu diria ainda mais: o pior surdo é aquele que só ouve o que quer - infelizmente é assim que se comportam todas as militâncias políticas, tanto a de Lula quanto aquela de Bolsonaro. Ouvirão apenas o canto de suas sereias prediletas e ainda se rejubilarão durante o afogamento. Encontrarão justificativas para todos os defeitos de seus líderes e culpados para todos os seus erros, abusos e desmandos, mesmo os mais óbvios e até os mais graves. Buscarão méritos duvidosos para encobrir os deméritos mais flagrantes. Catarão virtudes em migalhas para satisfazer sua fome de justificação. Laboriosamente encontrarão uma agulha de lucidez num palheiro de desatinos - ou tomarão por agulha a primeira palha que encontrarem. Comprarão caro as mais baratas falácias. 

O militante fanático curvará o próprio intelecto até o solo e será capaz de degustar fezes jurando ser caviar. Porá a mão no fogo até que arda conpletamente em chamas e caia carbonizada ao chão. Se agarrá ao mastro do navio mesmo quando o naufrágio é mais que evidente. Mutilará sua consciência até a mais absoluta desfiguração. Chafurdará na lama como quem nada em águas límpidas. Venderá sua voz pelas mais ínfimas esmolas.

É terrível ver nosso país cercado e acossado por duas hordas de cegos fanáticos que se deixam conduzir por seus cegos líderes até o abismo. Infeliz é o cidadão que se entrega fervorosa e incondicionalmente nas mãos de qualquer tipo de líder e o segue passivamente como uma ovelha até o matadouro. 

A sensatez parece ter abandonado o Brasil e não mostra desejos de retornar...

"A parábola dos cegos" (1568), pintura de Pieter Bruegel. 

segunda-feira, 27 de abril de 2020

"This pandemic has shone a spotlight on the overlooked and undervalued corners of our society".
Dr. Hans Kluge - Diretor Regional da OMS (Europa)

Velhos experimentos

Experimento em animação 3D feito nas férias de 2016, usando meu velho de guerra Bryce 5, programa de CGI da Corel que era de uso profissional em 2004, quando comprei (por uma pequena fortuna), mas hoje é apenas uma velharia descontinuada. Apenas uma distração em clima de "space opera" dos anos 40 ou 50 - algo como Flash Gordon ou Bucky Rogers.

Por sinal, a grande vantagem de trabalhar com um programa obsoleto é que a capacidade de processamento dos meus computadores atuais é infinitamente superior; jamais conseguiria renderizar esse curta com os hardwares de que dispunha doze anos atrás. A exemplo de Carlos Gardel, meu velho Bryce roda a cada dia melhor...

Bryce é ainda melhor para produção de imagens estáticas. Em minha época de estágio no CAP-UERJ produzi um zigurate e um templo grego que deixaram a molecada em êxtase. Estão perdidos em algum velho DVD aqui em casa. Seguem outras brincadeiras mais recentes... Aprecio particularmente criar paisagens pitorescas, exóticas ou fantásticas - a computação gráfica 3D oferece certo prazer demiúrgico difícil de aquilatar.

Como diziam os antigos gregos, a vida é curta e a arte é eterna... Só gostaria de ser um bom artista!!!


































domingo, 26 de abril de 2020

Mas o PT?

Há mais de meia década perdi toda minha paciência com o PT, sua cúpula e sua militância, mas nesse exato momento preferiria muito mais poder descer a lenha em alguém com um mínimo de razoabilidade, como Fernando Haddad. Em suma, não me arrependo de ter votado no malsinado 13 no segundo turno de 2018. Infelizmente a polarização de parte a parte nos empurrou para um delírio eleitoral cujas consequências ainda amargaremos por longo tempo...

Space Monkeys

Para mim, games são uma das melhores fugas da realidade. Como diria Tolkien, não a fuga do desertor que evita a luta, mas aquela do prisioneiro que deseja, ao menos por instantes, respirar alguma liberdade.

Nas últimas semanas peguei o Nintendo 3DS que andava há meses esquecido e resolvi mergulhar em suas janelas virtuais. Restava escolher um título. 

Optei por Star Fox 64 3D, remake do clássico de 1997. Pilotar naves espaciais pelo sistema estelar Lylat - nada mal para tempos de confinamento.

Nenhum reencontro com um grande clássico, qualquer que seja a mídia, é igual ao anterior. Não poderia ser diferente com uma das obras-primas de Miyamoto Sensei. Jogar Star Fox em tempos de pandemia se mostrou uma experiência única. 

O jogo é um bizarro e divertido pastiche de Star Wars, combinado a elementos cartunescos, marionetes bunraku e pinceladas de espiritualidade xinto. Reza a lenda que a inspiração para o tema veio de um santuário em Tóquio dedicado a Inari, divindade associada a raposas e por vezes representada sob a forma do animal.

Deste modo, o jogo encena as aventuras do mercenário e piloto espacial Fox McCloud. Todos os personagens são antropozoomórficos, cartunescos e se movimentam como marionetes. Os diálogos são deliberadamente exagerados, com uma gravidade propriamente burlesca, sem jamais perturbar o acelerado ritmo da aventura, mantendo um delicado e virtuoso equilíbrio entre epopeia e comédia. É um game que se faz sério ao rir ininterruptamente de si mesmo - como apenas Miyamoto consegue fazer e nenhuma continuação da franquia soube emular.

Mas nesse período pandêmico quem capturou minha atenção foi o vilão, Andross, um macaco albino que remete ao macaco-da-neve nativo das montanhas japonesas. Seus capangas retratados ao longo do game  possuem forma símia ou reptiliana - com maior destaque para os símios. De certo modo, a escolha de personagens primatas causa um curto circuito na caracterização antropozoomórfica - afinal de contas, a morfologia original dos macacos já é demasiadamente humana, deixando de causar a mesma estranheza que raposas, pavões, sapos, lebres e outros animais humanizados.

O próprio nome "Andross" é muito significativo, remetendo muito obviamente ao grego andrós, genitivo para adultos masculinos e radical de muitas palavras nas línguas modernas. Longe de ser nome "found in translation", cabe lembrar que o jogo foi desde o início uma produção nipo-britânica, em parceria com a Argonaut Software, então cooptada pela Nintendo por seus significativos avanços na área de computação gráfica 3D. Com efeito, os nomes dos personagens foram originalmente pensados em inglês e apenas depois transliterados para o japonês - transformando o vilão em "Andorufu" na versão japonesa.

Para além disso, a participação de Andross na trama também se mostra demasiadamente humana. O macaco é um cientista maluco, cujos "evil experiments" levam ao seu banimento do luxuriante, dadivoso e utópico planeta Corneria para um exílio forçado em Venom (muito sugestivamente "Veneno"), um planeta vulcânico descrito como "a barren wasteland" na abertura do jogo.

Em Venom, Andross retoma seus macabros experimentos e constroi uma pesada infraestrutura industrial, preparando-se para uma guerra de conquista que poria todo o sistema de Lylat sob seu controle.

Andross não mostra qualquer respeito à Vida, sendo retratado como um impenitente poluidor, o que fica particularmente evidente na "missão" executada no planeta Zonness, cujas águas foram completamente contaminadas por substâncias tóxicas. 

Produzido em meados dos anos 90, Star Fox 64 é bem característico de seu tempo. Na época que testemunhou a inesquecível conferência Eco 92 no Rio abundavam fantasias e alegorias infantojuvenis com temática ecológica, a exemplo da animação Capitão Planeta, que fez tremendo sucesso em vários países e da sofisticada e premiadíssima animação Princesa Mononoke, do mestre Hayao Miyazaki, igualmente lançada em 1997.

A belíssima película de Miyazaki, situada em um Japão atemporal, retrata a guerra entre os seres naturais e sobrenaturais da floresta e os humanos da vizinha refinaria metalúrgica. Sem apelar para maniqueísmo ou pieguice, os humanos da refinaria são desclassificados, prostitutas e leprosos arrebanhados pela empreendedora Eboshi-Sama, que lhes proporciona uma vida digna com o suor de seus rostos. Eboshi é pertinaz e intransigente, mas dificilmente uma vilã. Os seres da floresta, a seu turno são variados e conduzem, cada um a seu modo, a guerrilha contra os humanos que invadem e depredam seu espaço. Sen, a brutal e encantadora "Princesa Mononoke" do título, é uma jovem criada por lobos. 

Entre as criaturas da floresta se encontram os macacos (mais semelhantes a gorilas que macacos-da-neve), cujos sinistros olhos vermelhos traem uma perversidade que choca aos outros animais. Numa cena memorável, durante uma altercação sobre o destino de um humano desacordado, os honoráveis lobos acusam os símios de perfídia, culminando na gravíssima acusação:  "Vocês estão se tornando humanos".

É nesse mesmo limiar entre animalidade e humanidade que encontramos Andross e seus lacaios símios em Star Fox. O que mais me despertou a atenção jogando o título nesses tempos pandêmicos é a obsessão de Andross em criar "bioweapons". Armas químicas e biológicas também estavam na ordem do dia em meados dos 90 - e mais tarde chegaram mesmo a servir de pretexto para a vexaminosa guerra do Iraque. Muitos adeptos de teorias da conspiração hoje também não hesitam em sustentar que o COVID-19 seria uma arma biológica produzida pelo governo chinês - o "chinese virus" ou "Comunavirus".

Jogando no presente contexto pandêmico são ainda mais risíveis as armas biológicas de Andross: em lugar de traiçoeiros microorganismos, o game oferece um elenco de gigantescos monstrengos à Godzilla, que geralmente despertam nos protagonistas uma mistura de indignação, repulsa e compaixão. Matam as inocentes feras artificiais com lágrimas nos olhos, por assim dizer. Em diálogos cujo tom muito lembra a dinâmica dupla Adam West e Burt Ward, os mocinhos se perguntam como Andross ousava fazer tais experimentos.

1997 era logo ali, mas como estamos distantes desse "ecologismo" ingênuo de Star Fox. Mais de duas décadas se passaram, e a catastrofe ambiental se nos mostra muito mais patente - inclusive na pandemia que nos arreganha os dentes. E nós, bichos-primatas como Andross, somos em última análise os "vilões" da trama.

Na abertura do game uma imagem exibe um imenso Andross com expressão gulosa, com ambas mãos estendidas sobre o planeta Corneria, cuja aparência muito lembra a própria Terra. Soa e ressoa familiar.

Como a película de Miyazaki, o game de Miyamoto opõe as forças da "humanidade" e da "natureza", respectivamente representadas pelo antropoide Andross e pelo quarteto de protagonistas - uma raposa, um pavão, um sapo e uma lebre (animais com forte importância no folclore japonês ou na religiosidade xinto).

Essa oposição se desdobra igualmente entre duas polaridades, no binômio Corneria-Venom, implícita no próprio desenrolar da trama; independentemente do trajeto selecionado pelo usuário, o jogo sempre começa com a defesa de Corneria e termina pela tomada de Venom.

Corneria (que provavelmente deriva de "corn") é uma utopia sustentável, onde uma futurista megalópole se integra harmoniosamente ao litoral e à floresta circundantes. A resistência corneriana é organizada pelo General Pepper - um cão, o animal doméstico mais próximo do ser humano. 

Pepper, o cão, é uma benigna figura de autoridade, e é também o inimigo mais odiado por Andross. Na abertura, a narrativa do banimento do primata é representada por uma imagem onde metade do rosto Andross se situa em primeiro plano, à esquerda da tela, com expressão raivosa, enquanto Pepper figura da cintura para cima, com o dedo em riste, em segundo plano, à direita.

Desde o nome de Corneria à liderança canina, tudo nos remete ao universo da agricultura e da domesticação, a uma integração benigna entre natureza e engenho humano. 

No polo oposto temos o peçonhento planeta Venom, de natureza hostil e estéril, mas sede do império industrial de Andross. Curiosamente, no entanto, a base do maligno Andross e cenário do confronto final não é uma futurista planta industrial, mas um arcaico e sinistro templo decorado com estátuas e relevos simiescos - um estranho contraste entre arcaísmo e modernidade.

Somente jogando nesse contexto pandêmico me dei conta de algo que estava há duas décadas diante de mim. Star Fox 64 (SF 64) compõe uma espécie de díptico com outro projeto de Miyamoto, The Legend of Zelda - Ocarina of Time, lançado em 1998 e desenvolvido simultaneamente a SF 64. Apesar da imensa distância de gênero e temática, ambos games possuem profundas ressonâncias que, imagino, não foram conscientemente trabalhadas por Miyamoto. Apesar do desenvolvimento simultâneo, jamais vi Miyamoto ou quem quer que seja cotejar as duas obras, aparentemente tão dessemelhantes.

Muitos consideram Ocarina of Time (OOT) o melhor game de todos os tempos - é quase uma unanimidade; não subescrevo essa opinião, mas concordo sem hesitar que é a melhor obra de Miyamoto Sensei.

Ao contrário da ambientação sci-fi e futurista, OOT é uma fantasia "euromedieval" situada nas terras de Hyrule. O heroi, Link, é personagem genérico (ao contrário do genioso Fox), mas interessa o vilão, Ganondorf - um inescrupuloso feiticeiro, equivalente medieval do cientista louco Andross. Ambos são figuras que ambicionam conhecimento e poder sem limites (integrando o imenso e inesgotável repertório de figuras ficcionais faustianas).

Apesar da aparência europeia, a cosmologia de Hyrule remete sobretudo ao imaginário xintoísta.  O mundo é criação coletiva das  "Deusas Douradas", Jynn, Nayru e Farore, respectivamente deidades do Poder, da Sabedoria e da Coragem. OOT é o primeiro game da franquia Zelda em que as três figuram com proeminência. As três são retratadas como figuras etéreas e luminosas, com vaga silhueta antropomórfica, nas cores azul, verde e vermelho - ao contrário de outros games da franquia, onde ganham formas humanas bem definidas. A feminilidade do poder criador em Hyrule bem remete à proeminência da poderosa e graciosa Amaterasu no panteão xinto. Após a criação do mundo, as Deusas Douradas se retiram para o etéreo Reino Sagrado, deixando em sua saída a TriForce, um resíduo de sua potência criadora.

A primeira metade de OOT, na infância de Link, gira em torno das maquinações rasputinescas de Ganondorf para obter a TriForce e dominar o mundo. Indigno do poder divino, a TriForce se esfacela em suas mãos. O feiticeiro captura para si o Poder de Jynn, mas a Sabedoria de Nayru é absorvida pela princesa Zelda e a Coragem de Farore é assimilada pelo herói Link.

Com o Poder adquirido, Ganondorf se instala como um tirano e profana os templos de Hyrule, causando desequilíbrios naturais e transtornando as vidas dos povos (ou "raças" - sic) de Hyrule. As florestas ficam repletas de monstros, o vulcão onde vivem os telúricos goron sai de controle, o território aquático dos zora é congelado, o deserto do povo gerudo é tomado por tenpestades de areia, fantasmas poluem o poço do vilarejo Kakariko e assim por diante. Já adulto, Link inicia uma jornada para matar os monstros que infestam os templos da Floresta, da Água, do Fogo, das Sombras, e do Espírito. Conforme a pureza de cada templo é restaurada, partes do mundo começam a se regenerar, gradativamente conduzindo ao confronto final contra o feiticeiro em sua torre. Após o derradeiro embate, a TriForce é restaurada e o equilíbrio é restabelecido nas terras de Hyrule.

Como se sabe, pureza e rituais de purificação são um dos aspectos centrais da religiosidade xinto em suas múltiplas vertentes, desde as periódicas misogi harai, purificações de efeito temporário, geralmente obtidas nos grandes festivais anuais ou momentos cruciais da vida dos indivíduos, ao constante esforço ascético de misogi shugyo, empreendido por muitos indivíduos e bastante enfatizado entre praticantes de artes marciais. O local privilegiado para os rituais de purificação, obviamente, são os santuários, grandes ou pequenos. Nada mais razoável, portanto, que o heroi Link se apresente como um purificador de santuários ou que a batalha final contra o cientista Andross se trave num arcaico templo.

Com fortes elementos animistas, a religiosidade xintoísta pouco diferencia natureza, "sobrenatureza" e, por incrível que pareça, tecnologia - lugares, seres vivos variados e artefatos podem ser imbuídos de shin, espírito ou ser kami, deidades. Kami, por sinal, é um termo polissêmico que bem pode significar "divindade" como "cabeça" ou "autoridade", a depender dos contextos.

Esses elementos figuram de maneiras variadas na rica cinematografia de Miyazaki. O célebre e simpático Totoro é o espírito de uma centenária canforeira sagrada - um meigo espírito-árvore, enfim. No encantador A viagem de Chihiro, a protagonista se vê transportada a um mundo-outro onde acaba forçada a trabalhar numa casa-de-banhos onde os espíritos vão relaxar. Numa das cenas mais importantes e catárticas da animação, Chihiro atende um espírito imundo, disforme, malcheiroso e repelente. Durante o banho, vão saindo do espírito sujeiras variadas, inclusive objetos claramente identificáveis como lixo produzido por seres humanos. Logo se desencadeia uma violenta torrente de imundície, ao fim da qual se revela que aquele repelente espírito era um rio poluído; límpido, aliviado, revigorado e grato, ele flui vigorosamente para fora da casa de banhos. A alegoria de Miyazaki nos fala tanto sobre a presença vibrante do xintoísmo na cultura nipônica quanto escancara a contradição de um povo que polui a natureza que ele próprio imbui de sacralidade.

Para todos os efeitos, esse é um universo de referências onde poluição natural e poluição ritual eventualmente convergem (nem sempre, nem para todos). Andross, o cientista maluco e Ganondorf, o tenebroso feiticeiro, são faces da mesma moeda. Em Lylat ou Hyrule, cada um polui seu cosmos ficcional, com tecnologia amoral ou com magia sombria.

Não muito curiosamente, por detalhados que sejam ambos universos sob muitos aspectos, deixam a desejar em relação à política. Em SF64 a figura de autoridade benigna é um general, enquanto em OOT se destaca a princesa Zelda. Ambos games parecem interessados em temas ecológicos em suas dimensões científica e sagrada, mas não política.

Não custa lembrar que no encerramento das Olimpíadas de 2016 a Nintendo cedeu seus direitos intelectuais e suas marcas para que o primeiro-ministro Shinzo Abe emergisse em pleno Maracanã de uma verde manilha de esgoto como Mario, protagonista da franquia Nintendo mais famosa no Ocidente. Muita gente achou a cena fofa, engraçada e simpática - conhecendo Abe, ultraconservador nacionalista que flerta com o autoritarismo e sonha com a reconstituição do Japão enquanto potência bélica, me senti nauseado. Antes viesse fantasiado de Andross ou Ganondorf.

Olhando retrospectivamente, a figura de Abe emergindo dos esgotos virtuais me parece quase emblemática, quiçá como um presságio. Eis que agora, graças à terrível pandemia, os Jogos Olímpicos de Tóquio foram adiados para 2021, enquanto o próprio Abe toma medidas polêmicas e controversas no combate ao COVID-19.

Me pego pensando nas admiráveis figuras de Miyamoto e Miyazaki. Quase ausentes nos games do primeiro, as dimensões políticas da vida (inclusive da ecologia) costumam figurar nas animações do segundo, especialmente no mencionado Princesa Mononoke e no pós-apocalíptico Nausicaa do Vale do Vento.

Mais que falar, Miyazaki faz. Numa época em que trabalhadores da animação japonesa recebiam pagamentos miseráveis, se entregou à luta sindical e, mais tarde, fundou com o amigo Isao Takahata o famoso Studio Ghibli, cujos profissionais são valorizados e bem remunerados.

Em meu confinamento, parti para pilotar minha nave em Lylat e agora pouso no Acre, relembrando a célebre frase de Chico Mendes: "Ecologia sem luta de classes é jardinagem". Mesmo não sendo marxista, concordo com a essência da mensagem de Mendes e Miyazaki - não haverá renovação ecológica sem profundas mudanças sociais, econômicas e políticas em nosso mundo. Não enquanto Abes e outros circularem em nossos esgotos.

COVID-19 está aí para provar.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Breves considerações sobre Slavoj Zisek

Posso estar redondamente enganado, mas considero Zisek uma das maiores fraudes intelectuais do século XXI - simplesmente não consigo levar esse sujeito a sério.

Acabo de saber que ele já está lançando um livro sobre o COVID-19, o colapso capitalista etc. Rápido no gatilho, como sempre; eis um comunista que sabe faturar no mundo capitalista. E, em terras btasileiras, a Boitempo junto com ele. Um autor oportunista com uma editora igualmente oportunista - parceria perfeita. Por sinal, a julgar pelo preço dos livros, a Boitempo me parece curiosamente desinteressada em ser lida pelo "proletariado". Sequer consigo imaginar um trabalhador que viva de salário mínimo comprando um livro da Boitempo.

A bem dizer, acho que uma boa HQ de Alan Moore vale uns dez ensaios de Zisek - e nem precisa ser um clássico como V de Vingança; pode até ser um daqueles Contos do Robocão, do comecinho da carreira.

Para mim, Zisek já começa perdendo por ser lacaniano; não dá para levar Lacan a sério. Até Lévi-Strauss, que era amigo pessoal de Lacan dizia que não o lia, maroto como sempre, por se confessar "incapaz de entender a obra de Lacan". Além do mais, nunca entendi muito bem a necessidade de evocar a psicanálise lacaniana para ornamentar as platitudes zisekianas. 

Pensando melhor, é realmente necessário: platitudes intelectuais só transmitem alguma aparência de relevância quando devidamente ornamentadas, para seduzir aquele tipo de leitor que se encanta por qualquer coisa que lhe soe hermética - exatamente o tipo de pessoa que gosta de citar Wittgenstein ou Lacan a torto e a direito. 

Enfim, vejo Zisek quase como uma caricatura do "intelectual engajado". Muita verborragia, pouco conteúdo, repertório de ideias quase monomaníaco, sempre a mesma lenga-lenga. Uma versão melhorada de Marcia Tiburi.

Há que se reconhecer, no entanto, o mérito de Zisek em se tornar o esloveno mais famoso do mundo; só espero, sinceramente, para bem de seu povo, que a Eslovênia tenha gente mais interessante que ele. A vizinha Sérvia ao menos produziu Petkovic, futebolista com ares de pensador, sempre capaz de deixar desconcertados os jornalistas esportivos brasileiros...


quarta-feira, 22 de abril de 2020

Nomes aos bois

Eu abro mão de termos como "esquerda" e "direita", que têm pouca consistência histórica a longo prazo, anacrônicos entulhos da Revolução Francesa que se prestam exatamente à situação criticada na charge abaixo. Essa reificada dicotomia me parece uma ladeira escorregadia rumo ao maniqueísmo. Prefiro dar nomes aos bois: Socialismo, Liberalismo, Conservadorismo, Neoliberalismo, Anarquismo, Comunismo etc. Não sou "de esquerda" nem "de direita": sou socialista e ponto.


terça-feira, 21 de abril de 2020

Quanto vale a vida de um motoboy?

A resposta parece óbvia, mas está longe de sê-lo.

Se perguntarmos ao próprio motoboy, a resposta provavelmente será: não tem preço. A maioria de nós, reles e ingênuos mortais, tenderia a concordar.

Mas há quem discorde.

Para os donos de certa rede de farmácias, por exemplo, cheguei à estimativa de aproximadamente R$ 9,00 ao dia, R$ 63,00 por semana ou R$ 270,00 ao mês.

Como ouso propor semelhante conclusão? Vejamos.

Hoje fiz uma encomenda em uma farmácia da dita rede. Ao telefonar, uma oferta inesperada: máscaras por R$ 3,00. Pedi 15 - quantidade suficiente para minhas raras saídas do apartamento durante a quarentena (só tenho ido até a portaria receber encomendas) e, espero, para não privar outras pessoas de acesso ao item.

Quando minha encomenda finalmente chegou, fiquei surpreso ao notar que o motoboy - mais "moto" que "boy", pois beirava provavelmente os 60 anos - não usava máscara.

Em suma, a farmácia que oferece aos clientes máscaras por R$ 3,00 (com lucro, obviamente) não tem o cuidado de proteger seu próprio profissional com o mesmo recurso. Considerando a qualidade das máscaras, avalio grosseiramente que o entregador precisaria de ao menos três por dia para se proteger adequadamente, daí o cálculo proposto.

Algum liberal, neoliberal ou ultraliberal de plantão pode alegar que tal gasto prejudicaria a rentabilidade do negócio e que, ao fim e ao cabo, o próprio motoboy seria afetado por tamanha tragédia. Talvez até feche o argumento com uma de suas frases favoritas: "não existe almoço grátis".

A este cavalheiro eu responderia que a Matemática está contra ele, visto que apenas a minha encomenda já passava do valor de R$ 450,00 - o que cobriria, com sobra, as máscaras para o motoboy por mais de um mês. Considerando que o mesmo motoboy já fizera inúmeras outras entregas antes de chegar a minha casa e fará tantas outras amanhã e depois, bem vemos que os estimados R$ 270,00 não hão de fazer tanta falta à empresa no balancete anual. Na pior das hipóteses, considerando oscilações diárias de demanda, podemos supor que o serviço do entregador rende à empresa ao menos dez vezes mais que R$ 9,00 por dia, o que já compensaria o custo da medida de proteção.

Um ultraliberal admirador de Milton Friedman e Ayn Rand me responderia prontamente que o motoboy é "livre para escolher" e que, se quisesse, poderia ele mesmo pagar R$ 270,00 para se proteger - logo, o próprio entregador também age como se sua vida valesse menos que isso.

A esse entusiástico ultraliberal eu perguntaria quanto ganha o dito motoboy por mês. Se forem um ou dois salários mínimos, podemos estipular que esse valor pesaria bastante sobre a renda doméstica do entregador, tornando tal luxo pouco viável, ao passo que não pesaria quase nada sobre a margem de lucro da empresa. Isso, é claro, contando que o motoboy seja assalariado, pois muitos são autônomos remunerados segundo critérios obscuros, que mal sabem quanto (ou se) ganharão no dia seguinte.

A essa altura o estimado ultraliberal apelaria talvez à palavra "meritocracia", julgando que o motoboy simplesmente precisaria se esforçar mais para ter condições de adquirir merecidamente suas próprias máscaras.

Eu então engoliria em seco e escolheria com calma minhas palavras para polidamente sugerir ao prezado ultraliberal que a saúde e a vida de um ser humano talvez (apenas talvez) valham mais que dinheiro e que, por isso mesmo, a "mão invisível" do mercado não dá conta sozinha de atender e prover com justiça e dignidade a todas as necessidades da coletividade humana.

Recorrendo ao repertório habitual, o ponderado ultraliberal talvez responda, citando Thatcher, que "não existe sociedade" e que "justiça", "dignidade" e "necessidade" são apenas conceitos relativos e subjetivos, ao contrário de noções práticas e objetivas como "oferta", "demanda" e o "preço" (não valor) delas decorrente.

Já cansado, eu encerraria minha participação na conversa respondendo ao sapientíssimo ultraliberal que o motoboy pode contrair COVID-19 de qualquer cliente da farmácia e sair distribuindo vírus junto com as encomendas e perguntaria - com um sorriso sarcástico, admito - quantas encomendas o distinto ultraliberal já recebeu de entregadores desprotegidos nas últimas semanas, entre uma e outra videoconferência em seu período de home office...

Depois disso, imagino, nosso amável ultraliberal ficará um tanto pensativo sobre a tosse seca e persistente que vem lhe acometendo nos últimos três dias e talvez pondere mais detidamente sobre a quantidade obscenamente pequena de leitos hospitalares per capita disponíveis no Paraíso capitalista e quantos vouchers seriam provavelmente necessários para lidar adequadamente com uma pandemia (caso tal façanha seja possível).

Será que a saúde e a vida de um ultraliberal valem tanto quanto as de um motoboy? That's the question.


domingo, 19 de abril de 2020

O homem que ri

Ah! Me tomais por uma exceção! Sou um símbolo. Ó, todos-poderosos imbecis que sois, abri os olhos. Encarno tudo. Represento a humanidade tal qual a fizeram seus senhores. O homem é um mutilado. O que me fizeram, o fizeram ao gênero humano. Lhe deformaram o direito, a justiça, a verdade, a razão, como a mim os olhos, as narinas e as orelhas; como a mim, lhe puseram no coração uma cloaca de cólera e dor, e sobre a face uma máscara de contentamento. [...] Reis, nobres e príncipes, o povo é o sofredor profundo que ri na superfície. Milordes, vos digo, o povo, sou eu. Hoje o oprimis, hoje me vaiais. Mas o futuro é o degelo sombrio. O que era pedra se torna onda. A aparência sólida se transforma em submersão. Um estalar, e tudo está dito. 

Fala de Gwynplaine, deformado protagonista de O homem que ri, romance publicado por Victor Hugo em 1869 - cerca de dois anos antes do colapso do Império de Napoleão III, após a derrota na Guerra Franco-Prussiana e seguido pela sanguinolenta revolta popular conhecida por Comuna de Paris.

A fala de Gwynplaine caberia perfeitamente na boca de certas versões do Coringa, vilão de quadrinhos (supostamente) inspirado pela maquiagem de Conrad Veidt na adaptação cinematográfica de 1926 de O homem que ri.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Evitando a fadiga - e a pandemia


Outra emblemática imagem do momento presente: a estátua erigida em honra ao carteiro Jaiminho, no Estado de Michoacán, México, sendo higienizada contra o COVID-19.

Como bem sabe a maioria dos latino-americanos de minha geração, o carteiro Jaiminho (ou Jaimito) é um personagem introduzido tardiamente no seriado mexicano Chaves ou, no original, El Chavo del Ocho.

O personagem, encarnado pelo ator Raúl "Chato" Padilla, passou a integrar o elenco após a saída de dois atores e personagens de peso, Ramón Valdés e Carlos Villagrán, que viviam respectivamente Seu Madruga e Quico (ou Don Ramón e Kiko, conforme se prefira).

O bonachão Jaiminho aparece então como o novo carteiro da vizinhança, natural da (então) obscura localidade de Tangamandápio. A característica mais saliente do personagem é seu firme empenho em "evitar a fadiga". A maioria das gags envolvendo o personagem gira em torno de sua lentidão e sua preguiça, que muitas vezes o levam a ser folgado e abusado.

Um dos maiores feitos de Jaiminho foi, sem sombra de dúvida, fazer com que milhões de espectadores descobrissem a existência de Tangamandápio. Em tempos anteriores à Internet, muito se especulava sobre a real existência da localidade. O fato é que o lugarejo não apenas existe como há alguns anos erigiu uma estátua em homenagem ao personagem e seu intérprete, em gratidão pelo renome internacional que trouxe ao povoado. Por sinal, o mero fato de que a pandemia, saindo de Wuhan, tenha chegado a um "fim-de-mundo" latino-americano como Tangamandápio é muito emblemático do mundo hiperconectado em que vivemos.

A bem dizer, Jaiminho é um personagem um tanto apagado e nunca parei para refletir mais detidamente sobre ele em minhas meditações chavológicas. A imagem acima e o contexto de pandemia e quarentena, no entanto, me convidam a pensar melhor sobre Jaiminho, o carteiro.

Com seu ar pacato e imperturbável, Jaiminho é um verdadeiro subversivo. Para evitar a fadiga, burla as normas dos Correios e mesmo o decoro comum - sem jamais se mostrar agressivo ou raivoso (afinal de contas, a raiva também cansa).

É interessante notar que um dos adereços do personagem é sua bicicleta. Uma escolha de figurino brilhante, pois Jaiminho jamais a usa. Na verdade, o carteiro oculta da empresa de correios o fato de que não sabe andar de bicicleta - o que acarretaria em sua demissão, como explica aos demais personagens em diversas ocasiões. Desse modo, Jaiminho arrasta sempre consigo sua inútil bicicleta, oferecendo oportunidades para várias gags.

Vale refletir melhor sobre a relação entre Jaiminho e sua bicicleta. O veículo serviria para que o carteiro, atendendo às urgentes necessidades da sempre apressada modernidade, executasse seu trabalho com maior rapidez, mas é precisamente o contrário que ocorre - longe de auxiliar, a bicicleta se torna um estorvo, um fardo adicional que acaba atrasando o trabalho de Jaiminho.

Desse modo, a singela bicicleta acaba encarnando todas as traquitanas e bugigangas modernas que, em teoria, deveriam simplificar a vida, mas a tornam apenas mais complicada. A bicicleta de Jaiminho é um pouco como tantos sistemas informatizados atabalhoadamente introduzidos tanto pela iniciativa pública quanto privada que, longe de facilitar a vida dos profissionais, só reduzem sua eficiência e os distraem de tarefas mais importantes.

A pesada pasta carregada por Jaiminho também convida a refletir. Quanto daquela correspondência, tão penosamente transportada pelo carteiro, é realmente relevante? Faz pensar nos megabytes de e-mails e mensagens que recebemos e emitimos diariamente, drenando nosso tempo, muitas vezes a troco de nada.

Pensando bem, em muitos aspectos, a figura de Jaiminho ressoa em outra modulação muitos dos temas que perpassam a caracterização de Seu Madruga. Apesar das disparidades de temperamento, o pacato carteiro tem muito em comum com o explosivo malandro-biscateiro-faz-tudo. O zeloso empenho do tangamandapiano em evitar a fadiga ecoa a madruguiana sabedoria: "Não existe trabalho ruim - ruim é ter que trabalhar".

Aprofundando o paralelo, tanto Madruga quanto Jaiminho pertencem ao universo de figuras deliberada ou involuntariamente marginalizadas da modernidade, por deserção ou inadaptação. Madruga é o malandro da periferia urbana, pouco letrado, sobrevivendo às margens do emprego formal. Jaiminho é o homem egresso do interior, de um lugarejo rural como Tangamandápio à selva urbana da Cidade do México.

Sua mansidão no falar é muito característica de tantos interioranos transplantados à pressa louca da cidade grande. Me lembra um bocado meu antigo e querido barbeiro, Seu Virgílio, que já conheci sexagenário. Viera em sua juventude de Tupaciguara, lugarejo de Minas Gerais, para viver nos subúrbios do Rio de Janeiro; depois de tantos anos, perdera o sotaque mineiro, mas não a fala mansa.

Embora muito laborioso, Seu Virgílio trabalhava sem pressa, com esmero e, mais importante, com uma conversa inteligente e agradável, em prosa mansa e vivaz, transmitindo uma serenidade e uma alegria de viver revigorantes. Sua humilde barbearia era um oásis de tranquilidade nesse mundo inquieto e ansioso.

Para evitar a fadiga do leitor, encerro por aqui esse texto, com um convite: que a pandemia e a quarentena que ora experimentamos nos ajudem a viver um pouco mais como Jaiminho, com menos pressa e sofreguidão, no ritmo de Tangamandápio...

Dedico esse texto ao meu amigo Fernando, que me enviou a imagem acima.

Enquanto isso, na Baía de Guanabara...


É uma pena que apenas uma tragédia humanitária de dimensões terríveis consiga parar - momentaneamente - nosso predatório estilo de vida... O momento nos convida a refletir e repensar nossos valores e prioridades enquanto coletividade humana.

A Mata-Atlântica contra-ataca


Imagens da quarentena. Os não-humanos retornam timidamente aos espaços que lhes tomamos nesse mundo que nos pertence a todos. 
 
Parece que esse vídeo foi gravado em um prédio na Gávea. Animais sobreviventes da Mata Atlântica exploram territórios que outrora integravam a floresta que hoje mal existe. 

Podemos e precisamos desacelerar.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

A vida é um labirinto sombrio cujo fio de Ariadne se chama Amor.

Civilização Abalada


É a pandemia abalando os alicerces da civilização judaico-cristã ocidental... Adeus à vergonha e às folhas de parreira!

terça-feira, 14 de abril de 2020

Manifesto Pós-Pandêmico

Sou apenas um professor brasileiro do Ensino Básico e um acadêmico mais que inexpressivo. Sou Nada, talvez Menos-que-Nada. Sou Ninguém e Qualquer-Um ao mesmo tempo.

Principal e profundamente, sou o pai de dois bebês mortos, Miguel e Luiz Miguel. Aqui ponho minha pele e minha alma em jogo - lhe imploro humildemente para ouvir minha pobre voz.

Das profundezas do sofrimento eu grito para você: ouça o pranto de um pai enlutado. Conheço em carne, sangue, coração e lágrimas os limites da humanidade. Todo o conhecimento da Ciência e o poder da Tecnologia não foram suficientes para salvar meus filhos natimortos.

Somos pouco mais que primatas espertos com delírios de grandeza. Somos crianças brincando com facas, motosserras e armas. Somos tão mortais e frágeis quanto nossos ancestrais paleolíticos, embora nos persuadamos a acreditar que somos semi-deuses.

Agora estamos vivendo em nossa muito própria hora mais sombria. Um miserável, invisível, miscroscópico vírus está rastejando entre nós, espreitando e predando nossa carne com garras e dentes afiados. É necessário muito, muito menos que um tigre ou um tubarão para estraçalhar um ser humano.

Estamos trêmulos em nossas casas, apavorados por esse vírus como nossos ancestrais em suas cavernas assustados pelo dentes-de-sabre que rondava. Como o arrogante filho de Dédalo cruzou os ares, nós visitamos a lua - e podemos cair da mesma maneira. Podemos gritar como Ájax em seu rochedo, e ser esmagados pelo mesmo raio. A hybris sempre cobra seu preço.

O terremoto de Lisboa em meados do século XVIII aterrorizou todos os pensadores do Iluminismo e os fez sonhar com um mundo onde o Homem seria senhor de todas as coisas. Temos vivido para e através desse sonho, e ele se parece cada vez mais e mais com um pesadelo.

Na esteira da Revolução Industrial fantasiamos que a Ciência e a Tecnologia, como uma cornucópia mágica, poderiam nos servir esplendorosos e infinitos prazeres, deleites e entretenimento. Para alguns de nós, realmente fizeram e fazem.

Como Dr. Fausto, aceitamos a barganha mefistofélica, e agora pagamos com nossos corpos, vidas e almas.

Nós barganhamos e negociamos os tesouros mais preciosos que possuímos, Tempo e Vida, por bugigangas descartáveis que rapidamente desfrutamos e ainda mais brevemente esquecemos. Trocamos nosso precioso Tempo para adquirir vãos, banais e efêmeros prazeres que mal preenchem o tédio de nossas vidas. Corremos, corremos e corremos para ganhar medalhas de plástico sem qualquer valor.

Levamos vidas atribuladas e fúteis, realizando conquistas ridículas e vazias. Nossos corações são terrenos baldios. Parafraseando Henri Bergson, quase cem anos atrás, compramos chapéus elegantes para cobrir o vácuo de nossas cabeças.

Comemos, e ainda assim permanecemos famintos. Há uma fome dentro de nós, e uma sede insaciável. Lutamos e agonizamos, torturados por nossos desejos sempre crescentes e insatisfeitos. Vivemos como cães loucos correndo atrás de carros.

Essa fome é tão cruel que nos compele a predar contra nós mesmos e nossa terra, água e ar. Somos predadores insaciáveis, devorando tudo a nossa frente e deixando um rastro de pútridas fezes atrás de nós, até o dia amargo em que precisaremos comer as próprias fezes que deixáramos para trás - e então, finalmente, submergir, nos afogarmos e sufocarmos nestas fezes. E assim, após desperdiçar nosso precioso Tempo, destruímos nossa insubstituível Vida.

Tempo e Vida são tão preciosos pois são únicos. Não há modo de recuperar o Tempo gasto e a Vida perdida. Nenhum cientista, engenheiro, médico, banqueiro, industrial, presidente, rei ou imperador pode devolver meus dois bebês. Eles eram únicos e preciosos, e se foram para sempre. Se foram para sempre, como meu avô, minha avó, meu tio, meu sogro e tantas pessoas que eu amava e ainda amo.

Em seus dois últimos anos, costumava visitar minha avó todo sábado, e passar o dia com ela e nossa família. Cada um daqueles sábados se tornou uma memória sagrada para mim. Posso lembrar de sua cabeça recostada na poltrona, cochilando depois do almoço. Era belo contemplar o descanso daquela velha cabeça, endurecida pelas batalhas da vida e abatida pelo tempo. Seu ronco suave soava como uma sinfonia. Victor Hugo estava certo quando dizia que há poucas visões mais belas que o sono dos bebês e dos idosos.

Minha avó nasceu em 1926, em Agostinho Porto, um pobre distrito do município de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro. Ela e seus irmãos costumavam catar carvão do leito da ferrovia, para poupar o carvão necessário para cozinhar em casa - eles colhiam as sobras do "progresso" que passava. Não havia geladeira em casa. Nem rádio, nem TV. Nunca faltou pão à mesa, mas ela já era adulta quando provou pela primeira vez o doce sabor do chocolate. Ela tinha 10 anos quando sua mãe faleceu dando à luz seu irmão caçula. Abandonou a escola para tomar conta da casa e dos irmãos. Eles eram pessoas pobres e trabalhavam duro para sobreviver, mas não era miseráveis. Eles escovavam os dentes com sabão, porque pasta de dente custava muito caro no Brasil, à época. Ela sobreviveu, prosperou e viveu uma longa vida, com seus momentos de alegria e sofrimento.

Quando criança e adolescente eu tinha modestos luxos com que minha avó e seus irmãos sequer podiam sonhar na mesma idade - eu tinha muitos brinquedos, chocolate, livros, quadrinhos, meu próprio toca-fitas... Minha mãe cresceu como uma pessoa de gostos e simples e me esforço para também sê-lo. Trabalho apenas o suficiente para garantir meu sustento e ter algum tempo para minha família, amigos, livros, filmes e games.

Sou uma pessoa realmente fácil de agradar. A verdadeira alegria é gratuita. Contemplar o céu e sentir a brisa em uma noite estrelada é gratuito. Beijar minha esposa é gratuito. Abraçar meu cãozinho é gratuito. Conversar com bons amigos é gratuito. Rir é gratuito. Lembrar de minha avó cochilando é gratuito. Todos esses grandes deleites são gratuitos! Gratuitos! Eles só me custam o precioso Tempo que não negociei por dinheiro.

Tenho esse precioso Tempo disponível, primeiro e sobretudo, porque evito dívidas. O trabalhador moderno está trancado, acorrentado e afogado por dívidas - para supremo deleite de banqueiros e outros predadores financeiros. O viajante do século XVI Jean de Léry comparava banqueiros a canibais comendo a carne e roendo os ossos de órfãos e viúvas - não é má analogia. Para o trabalhador assalariado, o endividamento é vendido como liberdade, mas termina como infindável escravidão. É uma armadilha.

Dívidas. Para quê? Consumo ostentatório para satisfazer insensatos desejos. Uma nova TV, um smartphone bacana, um carrão, uma viagem feita quase exclusivamente para postar fotos em redes sociais. Umas poucas bugigangas descartáveis e alguns dias de lazer que se transformam em meses, se não anos, de dívidas crescentes e esmagadoras. Nada além de chapéus caros para cobrir cabeças vazias e corações famintos.

Mas todos esses luxos têm um preço ainda mais alto. Todas essas TVs, smartphones e carros descartáveis - infelizmente - não crescem em árvores. Pelo contrário, muitas árvores são abatidas para que essas bugigangas sejam fabricadas. Minas são cavadas, vida silvestre é morta, rios são envenenados, ar é poluído para manufaturar todos esses inúteis itens de consumo que cedo ou tarde (geralmente cedo) acabam na lixeira.

Árvores centenárias são mortas para nos dar um mísero smartphone que será descartado seis meses depois. Trocar séculos por meses não é nada esperto. Podemos construir uma fábrica em meses, mas anos são necessários para que uma árvore cresça e prospere a partir de uma pequenina semente. Uma empresa pode falir em meses, mas uma boa árvore irá dar (não vender) oxigênio por anos. Oferecerá sombra para pessoas e abrigo para animais. Poucas coisas nesse planeta são ao mesmo tempo tão valiosas e baratas quanto uma árvore. Mas normalmente não pensamos assim. Uma árvore viva não significa Dinheiro, mas madeira morta, cortada em toras e tábuas, pode atingir um bom preço nos mercados certos.

E assim, precioso Tempo é gasto para matar valiosa Vida. Trocamos tesouros sem preço por mercadoria barata e consumo sem sentido. Que barganha estúpida! No fim das contas, sequer somos primatas muito espertos.

Agora mesmo, há alguns primatas bilionários (e também outros mais pobres) resmungando que deveríamos abandonar a quarentena e desistir de algumas vidas humanas para salvar "a economia" - o que significa sobretudo seus próprios ativos e patrimônios. Esse bilionários estão nos dizendo simplesmente que deveríamos fazer sacrifícios humanos para apaziguar o faminto deus Dinheiro. É uma terrível, grotesca e cínica reencenação dos verdadeiros sacrifícios humanos praticados por culturas de outrora em um contexto real de adoração e devoção. Esse clero capitalista merece o mesmo título dado séculos atrás a seus precursores por Jean de Léry: canibais comendo a carne e bebendo o sangue de órfãos e viúvas. Para tais pessoas, vidas humanas são simplesmente combustível para manter o motor da economia se movendo para lugar nenhum. É, quase literalmente, "cut-throat capitalism", "capitalismo selvagem".

Há algumas décadas cientistas vinham alertando sobre o perigo de "super-vírus" emergindo de florestas devastadas e da redução de habitats de animais silvestres, que tendem a se tornar superpovoados caldeirões para a fermentação de vírus, replicando e sofrendo mutações muitas e muitas vezes, eventualmente originando novas cepas poderosas e mortíferas. Quando se troca árvores por smartphones, a exploração madeireira e a mineração podem favorecer a emergência de semelhantes vírus como subprodutos indesejados. A ação humana em larga escala geralmente traz consequências não-intencionais e imprevisíveis. E as escalas são largas, pois um estômago tem limites, mas contas bancárias não.

A desigualdade social é outra aliada desses vírus. Em muito países e cidades africanos e asiáticos, as pessoas precisam recorrer a "wet markets", "mercados vivos", para comer proteína animal. Esses mercados não conseguem oferecer condições sanitárias adequadas, pois há poucas câmaras frigoríficas disponíveis (quando há alguma). Animais silvestres e domésticos são mantidos vivos nesses espaços confinados e superlotados e abatidos ali mesmo, tornando "wet markets" o ambiente perfeito para a fermentação de vírus, sua circulação entre espécies e subsequente surto. De fato, o COVID-19 começou a se espalhar no "wet market" de Wuhan - e de lá alcançou gente no mundo inteiro - incluindo pessoas ricas nas maiores megalópoles, vestindo ternos caros e comendo as melhores carnes em restaurantes elegantes. O vírus não tem preferências sobre quais humanos predar; ele simplesmente o faz, em qualquer lugar, a qualquer hora, onde possível.

O panorama da situação é relativamente simples. Em poucos anos tivemos epidemias modestas e locais e outras terríveis, como Ebola, SARS, H1N1, e agora o apavorante COVID-19. Se continuarmos destruindo florestas, e pessoas em países pobres continuarem a ter negado seu direito de comer alimentos adequadamente manejados, podemos aguardar mais e mais epidemias e pandemias nos anos e décadas por vir - inclusive mais rápidas e mortíferas. É o material com que se fazem os pesadelos.

Quanto mais devastarmos para consumir, mais forte os riscos ambientais baterão de volta. Quando predamos a natureza, predamos a nós mesmos. Nós fazemos parte da natureza, afinal de contas. NÓS SOMOS CARNE - a filósofa australiana Val Plumwood descobriu isso da pior maneira, sobrevivendo a um ataque de crocodilo. Mas temos dificuldade de aceitar essa realidade auto-evidente, como nota Plumwood:


No pensamento ocidental [...] o humano é posto à parte da natureza como radicalmente diferente. Religiões como o Cristianismo então buscam continuidade narrativa para o indivíduo na ideia de um "eu" autêntico que pertence ao reino imperecível acima da esfera inferior da natureza e da vida animal. A alma eterna é a parte real, duradoura e identificadora do "eu" humano, enquanto o corpo é animal e corrompido. [...] Me parece que na cultura de supremacia humana do Ocidente há um forte esforço para negar que nós humanos também somos animais posicionados na cadeia alimentar. Essa negação de que nós mesmos somos comida para outros se reflete em vários aspectos de nossas práticas funerárias. O caixão forte, convencionalmente enterrado bem abaixo do nível de atividade da fauna do solo, e a lápide sobre a tumba, para impedir que qualquer outra coisa nos escave de volta, impede o corpo humano ocidental de se tornar alimento para outras espécies. Filmes e histórias de horror também refletem esse terror profundamente enraizado de se tornar comida para outras formas de vida: horror é o cadáver coberto de vermes, vampiros sugando sangue e monstros alienígenas devorando humanos. Horror e ultraje geralmente acompanham histórias de outras espécies devorando humanos. Até ser picado por sanguessugas, moscas varejeiras ou mosquitos podem provocar vários níveis de histeria. [...] A ideia da presa humana ameaça a visão dualista da supremacia humana na qual os humanos manipulam a natureza de fora, como predadores, mas nunca como presas.


Como Stanley Milgram propôs décadas atrás, vivemos em um mundo pequeno e ele se tornar menor a cada dia. Partilhamos esse planeta como nossa casa comum. Em uma casa saudável não se pode esperar ter uma bela sala de jantar e uma cozinha imunda e ter boa comida à mesa. Agora mesmo, por assim dizer, Wuhan é a cozinha, a mesa está em Wall Street e COVID-19 está no menu. Devemos cuidar bem de nossa casa inteira, se quisermos viver bem e seguros nela.

Agora o mundo está quase completamente sob quarentena. Dessa vez, o meio-ambiente nos bateu tão forte que fomos obrigados a fazer uma amarga e indesejada parada.

Estamos assustados e aborrecidos, mas relatos ao redor do mundo nos dizem que o ar e a água estão mais limpos em vários lugares. Nós somos fortes, mas a natureza é ainda mais forte. Umas poucas semanas de desaceleração estão dando ao meio-ambiente uma chance de curar algumas feridas.

Se quisermos aprender alguma lição de todo este medo e sofrimento é que não apenas nós podemos desacelerar, como nós devemos desacelerar - para nosso próprio bem.

Afinal de contas, estamos sobrevivendo.

Podemos viver e prosperar com muito menos - como fez minha avó.

Podemos ter vidas significativas com menos consumo. Podemos desfrutar todas essas verdadeiras alegrias que são gratuitas - desde que nos concedamos Tempo.

Podemos preencher nossas cabeças com pensamentos significativos e dar adeus aos elegantes, caros e ridículos chapéus. Podemos compartilhar nossos sonhos com nossos filhos e nossos pais. Podemos ter tudo isso que não tem preço e faz nossas vidas valerem a pena.

Agora mesmo, temos a chance de quebrar esse ciclo perverso de consumo, dívida, exaustão e destruição.

Podemos sonhar e pavimentar a estrada para longe desse pesadelo agitado e sem sentido. Podemos construir pontes para um outro futuro, mais brilhante. Podemos escapar da tirania dos números e das metas de produção. Podemos retomar o senhorio sobre nossos insensatos desejos e deixar toda Vida ser vivida e amada.

Não será fácil. Muitos interesses estão em jogo. Temos dentro de nós mesmos essa fome por mais, e mais, e mais.

Deveríamos consumir menos e trabalhar menos.

Deveríamos partilhar mais equitativamente o produto de nossos esforços. Deveríamos reconhecer adequadamente o valor de tantos trabalhadores que são tão essenciais e tão mal pagos. Deveríamos mostrar nossa gratidão e respeito aos lixeiros que mantém nossas ruas saudáveis, aos faxineiros que limpam nossas escolas e hospitais, aos humildes fazendeiros que abastecem nossas mesas e todos aqueles trabalhadores cuja contribuição para nossas vidas é subestimada e mal recompensada.

Deveríamos desafiar os bilionários que ganham tanto e compartilham tão pouco. Eles podem viver com alguns bilhões a menos - e devem fazer isso. Eles precisam de nós muito mais que nós precisamos deles. Devemos ocupar Wall Street de novo e de novo, até que aquele 1% entenda que existimos. Quem eles pensam que são? Somos todos humanos, vivendo e sofrendo nesse planeta que partilhamos.

Deveríamos parar de adorar o deus Dinheiro e apaziguar suas necessidades com sangue.

Devemos nos importar realmente com as pessoas que sobrevivem com dificuldade, perto ou longe.

Devemos reconhecer o verdadeiro e profundo valor do Tempo e da Vida.

Mais que nunca, devemos nos esforçar para construir uma Vida melhor, mas sempre tendo em mente a sabedoria de Martin Luther King:


Mas há algo que devo dizer a meu povo que se encontra no cálido limiar que adentra ao palácio da justiça. No processo de ganhar nosso devido lugar não devemos ser culpados de malfeitos. Não tentemos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir nossa luta no elevado plano da dignidade e da disciplina. Não podemos permitir que nosso criativo protesto degenere em violência física. De novo e de novo devemos nos erguer às majestosas alturas de encarar a força física com a força da alma.


E também devemos trazer em nossos corações as palavras de Gandhi:


Eu acredito que lutar contra aquilo que é imoral pressupõe oposição mental e, portanto, moral. Eu procuro neutralizar completamente a espada do tirano, não a trocando por um aço melhor, mas frustrando sua expectativa de encontrar em mim uma resistência física. Ele encontrará em mim uma resistência de alma que escapará à sua força. Tal resistência o ofuscará e forçará que se curve. E o fato de se curvar não humilhará o agressor, mas o enobrecerá.


Devemos lembrar o gesto de Rosa Parks - simplesmente se recusando a se levantar num ônibus e permanecendo em seu lugar, ela acendeu uma centelha que pôs em ação o Movimento dos Direitos Civis. Há grande poder nessas simples atitudes de força moral.

É simples de falar, mas muito difícil de fazer, de fato. Há tantas questões e tão poucas respostas.

O problema tem dimensões culturais, políticas e econômicas, todas emaranhadas e muito complexas.

Não é uma questão de dias ou anos, mas de décadas. Contudo, devemos começar agora mesmo.

O dia após a pandemia é o dia em que devemos começar nossa transformação.

Como sugere David Mitchell, somos todos apenas gotículas em um oceano - mas o que é um oceano, senão uma multidão de gotículas? Sejamos esse poderoso oceano.

Solidariamente,
Luiz Fabiano Tavares
Brasileiro, professor, historiador, humano

A versão original desse texto foi publicada em inglês sob o título "Post-Pandemic Manifest"; como dizia Umberto Eco, no mundo atual certas circunstâncias exigem que nos expressemos primeiro em inglês e apenas depois traduzir para nossa língua nativa - daí o procedimento.


sábado, 11 de abril de 2020

"Tu vai morrer, Corona!"

"Eu tô putão! Eu tô puto contigo, Coronavirus! Eu vou te matar, Corona! Corona filho-da-puta! Tu vai morrer, Corona! Eu tô muito puto!"

De minha janela, acabo de ouvir esses gritos enfurecidos de um passante - ao que tudo indica, um paciente psiquiátrico.

Minha reação imediata foi o riso, mas provavelmente não há graça nenhuma. Antes de tudo, porque esses comportamentos exuberantes costumam ser o extravasamento de um inimaginável sofrimento íntimo.

Difícil imaginar o motivo de tamanha explosão de fúria. Talvez o passante em questão tenha algum ente querido doente ou até tenha perdido alguém. Talvez seja simplesmente reflexo do bombardeio midiático em torno do tema.

Me lembra o interessante livro O homem que se achava Napoleão - Por uma História política da loucura, da historiadora Laure Murat, que se debruçou sobre prontuários de pacientes internados em instituições psiquiátricas francesas durante a Revolução, constatando que muitos deles apresentavam delírios psicóticos relacionados ao contexto político. Um dos casos mais curiosos era de um homem que julgava ter sido guilhotinado e afirmava, contra todas as evidências, não ter mais cabeça.

Apesar de repetitiva (ou talvez por isso) a fala do homem que acaba de passar pelo meu prédio tem nuances muito elucidativas.

Antes de tudo, chama atenção o modo como ele personifica o vírus. Dirige-se a ele como se fosse uma pessoa humana, dotada de intencionalidade. Toma o vírus efetivamente por interlocutor, tratando-o na segunda pessoa.

Aos berros, revela ao vírus sua raiva e sua inequívoca intenção de vingança e de retribuir o malefício: "Eu vou te matar, Corona!" - uma ameaça que projeta sobre o próprio vírus a capacidade de sentir medo.

Creio que Lévy-Bruhl, Bergson, Huizinga e Lévi-Strauss, cada um a seu modo, teriam muito a dizer sobre a triste e curiosa cena passada em minha rua. Certas passagens de La pensée sauvage me vêm à mente enquanto traço essa reflexão. O pensamento "selvagem" dormita no homem "civilizado", e vem à tona na sibilina linguagem dos sonhos, das artes e da loucura.

De certo modo, o passante furioso se faz porta-voz de cada um de nós: estamos "putões" com o Corona, mas nossas cartesianas racionalizações nos impedem de expressar dessa maneira. Que são nossos esforços de criar vacinas e coqueteis antivirais senão essa mesma pulsão vital por matar o Corona? Não é a fé desesperada e irracional de alguns na milagrosa cloroquina um sentimento muito próximo ao do passante em seu delírio?

Espero, sinceramente, que esse homem fique bem e tenha quem o acolha em seu desespero.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Cinocracia

Cinocracia - Regime político onde os cães governam o mundo. Uma ideia que valeria a pena experimentar...


domingo, 5 de abril de 2020

Post-Pandemic Manifest

I am not an English speaker.

I am just a brazilian high-school teacher and a less than minor scholar. I am Nothing, even Less-than-Nothing. I am Nobody and Everyman at once.

I am mostly and deeply the father of two dead babies, Miguel and Luiz Miguel. Here I wage my skin and my soul on the game - I humbly beg you to listen my poor voice.

From the depths of sorrow I scream to you: hear the cry of a grieving father. I know in flesh, blood, heart and tears the limits of mankind. All the knowledge of Science and the might of Technology were not enough to save my stillborn children.

We are little more than smart apes with dellusions of grandeur. We are kids playing with knives, chainsaws and guns. We are as mortal and frail as were our Paleolithic ancestors, although we fool ourselves into believing we are demi-gods.

Now we are living and dying through our very own darkest hour. A miserable, invisible, microscopic virus is creeping and crawling among us, sneaking and preying our flesh with sharp teeth and claws. It takes much, much less than a tiger or a shark to tear a human being apart.

We are trembling in our houses, afraid of this vírus, as did our ancestors in their caves of the sabretooth lurking around. As the arrogant son of Daedalus soared the skies, we visited the moon - and we might fall as well. We may shout as Ajax on his rock and be crushed by the same lightining. Hybris always has its price.

The Lisbon earthquake in mid-eighteenth century made all the thinkers of Enlightenment dread and dream of a world where Man would be master of all things. We have been living for and through this dream and it looks more and more like a nightmare.

In the wake of Industrial Revolution we phantasized Science and Technology, like a magical cornucopia, could serve us a dazzling and endless supply of pleasures, delights and entertainment. For some of us, it really did and does.

As Dr. Faust, we accepted the mephistophelic bargain, and now we pay with our bodies, lives and souls.

We bargained and bartered the most precious treasures we hold, Time and Life, for expendable gadgets we soon enjoy and forget even sooner. We trade our precious Time to acquire vane, ludicrous and evanescent pleasures that barely fulfill the boredom of our lives. We run, and run, and run to win plastic medals of no worth.

We live busy and futile lives, accomplishing ridiculous and empty conquests. Our hearts are wastelands. Paraphrasing Henri Bergson, almost one century ago, we buy fancy hats to cover the void of our heads.

We eat, and yet we starve. There is a hunger inside us, and an unquencheable thirst. We struggle and agonize, tortured by our ever growing and unfulfilled desires. We live like mad dogs chasing cars.

This hunger is so cruel that it compells us to prey upon ourselves and our earth, water and air. We are unsatiable predators, devouring everything ahead of us and leaving a trail of putrid feces behind us, until the bitter day we should eat the very feces we once left behind - and then, finally, submerge, drown and choke in those feces. And thus, after wasting our precious Time, we destroy our irreplaceable Life.

Time and Life are so precious because they are unique. There is no way to recover the Time we spent and the Life we lost. No scientist, no engineer, no physician, no banker, no industrialist, no president, no king, no emperor can give back my two babies. They were unique and precious, and they are forever gone. Forever gone, as my grandpa, my grandma, my uncle, my dad-in-law and so many people I held and still hold so dear.

In her last two years, I used to visit my grandma every Saturday, and spend the day along with her and our family. Each of those Saturdays are now sacred memories for me. I can remember her head leaning on the couch, napping after lunch. It was beautiful to comtemplate the rest of that old head, battle hardened and weather beaten. Her soft snoring sounded like a symphony. Victor Hugo was right when he said there are few sights more beatiful than the sleep of the babies and the elderly.

My gradma was born 1926, in Agostinho Porto, a poor village of Rio de Janeiro State. She and her siblings used to gather coal from the railway, to spare the coal needed to cook - they harvested the leftovers of the passing "progress". There was no fridge at home. No radio, no TV. The table never missed bread, but she was an adult when she tasted the sweetness of chocolate for the first time. She was 10 when her mother died giving birth to her younger brother. She left the school to take care of home and siblings. They were poor, hard working people, but not miserable. They brushed their teeth with soap, because toothpaste was then too expensive in Brazil. She survived, she thrived and lived a long life, with its moments of joy and sorrow.

As a kid and teenager I had modest luxuries my grandma and her siblings could not even dream of at the same age - I had many toys, chocolate, books, comic books, my own K7 player... My mother grew to be a person of simple tastes and so I strive to be. I work just enough to earn a living and have some time to my family, friends, books, movies and games.

I am a person really easy to please. True joy is free. Stare the sky and feel the the breeze in a starry night is free. Kiss my wife is free. Cuddle my little dog is free. Talk with good friends is free. Laughter is free. Remember my napping grandma is free. All those great delights are free! Free! They cost me only the precious Time I did not barter for money.

I can afford myself this precious Time, first and foremost, because I avoid debts. The modern worker is locked, chained and drown by debts - for utmost delight of bankers and other financial predators. Sixteenth century traveller Jean de Léry compared bankers to cannibals eating the flesh and chewing the bones of orphans and widows - it is not a bad analogy. For the salaried employee, debt is sold as freedom, but ends like unending slavery. It is a trap.

Debts. What for? Conspicuous consumption to fulfill foolish desires. A new TV, a shiny smartphone, a sleek car, a travel made almost exclusively to post pictures on social networks. A few expendable gadgets and some days of leisure that wind up to months, if not years, of growing and crushing debts. Nothing but expensive hats to cover empty heads and hungry hearths.

But all those luxuries have an even higher price. All those expendable TVs, smartphones and cars - unfortunately - do not grow on trees. Au contraire, many trees happen to be cut for those gadgets to be made. Mines are dug, wild life is killed, rivers are poisoned, air is polluted to manufacture all those useless items of consumption that sooner or later (rather sooner) end up in the garbage.

Centuries old trees are killed to give us a puny smartphone that will be discarded six months later. Trading centuries for months is not smart at all. We can build a factory in months, but years are needed for a tree to grow and thrive from a tiny little seed. An enterprise may go bankrrupt in months, but a good tree will give (not sell) oxygen for years. It will offer shadow for people and shelter for animals. Few things in this planet are at once worthier and cheaper than a tree. But we do not usually think so. A living tree means no Money, but dead wood, cut in logs and planks, can reach a good price in the right markets.

And so, precious Time is spent to kill worthy Life. We trade priceless treasures for cheap merchandise and meaningless consumption. What a stupid bargain! We are not even very smart apes, after all.

Right now, there are billionaire apes (and some poorer, too) grumbling that we should abandon quarantine and hand over some human lives to save "the economy" - wich mostly means their own assets and patrimony. Those billionaires are simply telling us that we should make human sacrifices to appease the hungry god Money. It is a dreadful, pitiful and cynical reenactement of true human sacrifices made by foregone cultures in a real context of worship and devotion. This capitalist clergy deserves the same title given to their precursors centuries ago by Jean de Léry: cannibals eating the flesh and drinking the blood of orphans and widows. For such people, human lives are just fuel to keep the engine of economy moving to nowhere. It is, quite literally, "cut-throat capitalism".

From decades now, scientists have been alerting from the dangers of "super-viruses" emerging from devastated forests and shrinking wildlife habitats, which tend to become overpopulated brewing cauldrons for viruses to replicate and mutate times and times again, eventually giving birth to powerful and deadlier new strains. When you trade trees for smartphones, logging and mining can favor the emergency of such viruses as undesired byproducts. Human action in large scale usually has unintended and unpredictable consequences. And the scales are large, since a stomach has limits, but bank accounts do not.

Social inequality is another ally of such viruses. In many african and asian countries and cities, people must rely on "wet markets" to eat animal protein. Those markets cannot afford to offer proper sanitary conditions, as there are few (if any) fridge chambers available. Wild and domesticated animals are kept alive in those confined and overcrowded spaces and butchered on spot, making wet markets the perfect environment for the brewing of viroses, exchange between species and subsequent outbreak. Indeed, COVID-19 began to spread in the wet market of Wuhan - and from there it reached people all over the world - including rich people in the world greatest megalopolis, wearing expensive suits and eating the finest meats in nice restaurants. The virus is not picky on which humans to prey at; it just do it, anywhere, anytime, wherever possible.

The outline of the situation is relatively simple. In a few years we had minor, local epidemies, and terrible ones, like Ebola, SARS, H1N1, and now dreadful COVID-19. If we keep destroying forests, and people in poorer countries continue to have denied their right to eat properly handled food, we may expect more and more epidemics and pandemics in the years and decades to come - even quicker and deadlier ones. It is the matter nightmares are made off.

The more we devastate to consume, the harder environmental hazards will hit back. When we prey upon nature, we prey upon ourselves. We are nature and nature is us, after all. WE ARE MEAT -australian philosopher Val Plumwood discovered it the hardest of ways, surviving a crocodile attack. But this self-evident reality is hard for us to accept, as Plumwood notes:


In Western thinking [...] the human is set apart from nature as radically other. Religions like Christianity must then seek narrative continuity for the individual in the idea of an authentic self that belongs to an imperishable realm above the lower sphere of nature and animal life. The eternal soul is the real, enduring and identifying part of the human self, while the body is animal and corrupting. [...] It seems to me that in the human supremacist culture of the West there is a strong effort to deny that we humans are also animals positioned in the food chain. This denial that we ourselves are food for others is reflected in many aspects of our death and burial practices. The strong coffin, conventionally buried well below the level of soil fauna activity, and the slab over the grave to prevent any other thing to dig us up, keeps the Western human body from becoming food for other species. Horror movies and stories also reflect this deep-seated dread of becoming food for other forms of life: Horror is the wormy corpse, vampires sucking blood, and alien monsters eating humans. Horror and outrage usually greet stories of other species eating humans. Even being nibbled by leeches, sandflies, and mosquitoes can stir various levels of hysteria. [...] The idea of human prey threatens the dualistic vision of human mastery in which we humans manipulate nature from outside, as predators but never prey.


As Stanley Milgram proposed decades ago, we live in a small world and it gets smaller every day. We share this planet as our common house. In a healthy house you can't expect to have a pretty dinning room and a filthy kitchen and get good food at the table. Right now, so to speak, Wuhan is the kitchen, the table is at Wall Street and COVID-19 is on the menu. We must take good care of our entire house, if we want to live well and safe in it.

Now the world is almost completely under quarantine. This time, environment stroke us so hard that we were obliged to take an unwilling and bitter halt.

We are scared and annoyed, but reports from around the world tell us air and water are cleaner in many places. We are strong, but nature is even stronger. A few weeks of slowing down are giving the environment a chance of heal some wounds.

If we are willing to learn a lesson from all this fear and suffering, is that not only we can slow down, as we should slow down - for our own good.

After all, we are surviving.

We can live and thrive with much less - as did my grandma.

We can have meaningful lives with less consumption. We can enjoy all those real joys that are free - since we give ourselves Time.

We can fill our heads with meaningful thoughts and part ways with the fancy, expensive and ridiculous hats. We can share our dreams with our children and our parents. We can have all that is priceless and make our lives worth living.

Right now, we have the chance to break this perverse cycle of consuption, debt, exhaustion and destruction.

We can dream and pave the road away from this busy and meaningless nightmare. We can build the bridges to another, brighter future. We can fly away from the tirany of numbers, production goals. We can regain mastery over our foolish desires and let all Life be lived and loved.

It will not be easy. Many interests are at stake. We have within our very selves this hunger for more, and more, and more.

We should consume less and work less.

We should share more equally the product of our efforts. We should rightfully acknowledge the worth of so many workers that are so essential and so underpaid. We should show our gratitude and respect for the garbage men that keep our streets healthy, for the janitors that clean our schools and hospitals, for the humble farmer that supply our tables and all those workers whose contribution to our lives is underestimated and unrewarded.

We should challenge the billionaires that earn so much and share so little. They can live with some billions less - and they must do so. They need us much more than we need them. We must occupy Wall Street again and again, until that 1% understand we exist. Who they think they are? We are all humans, living and suffering in this planet we share.

We should stop worshipping god Money and appeasing his needs with blood.

We must really care about the people that live through hard times, near or far.

We must acknowledge the true and deep worth of Time and Life.

More than ever, we should strive to build a better Life, but Always keeping in mind the wisdom of Martin Luther King:

But there is something that I must say to my people who stand on the warm threshold which leads into the palace of justice. In the process of gaining our rightful place we must not be guilty of wrongful deeds. Let us not seek to satisfy our thirst for freedom by drinking from the cup of bitterness and hatred. We must forever conduct our struggle on the high plane of dignity and discipline. We must not allow our creative protest to degenerate into physical violence. Again and again we must rise to the majestic heights of meeting physical force with soul force.
And we must also keep in our hearts the words of Gandhi:

I believe that fighting against what is immoral presupposes mental and, therefore, moral opposition. I seek to completely neutralize the sword of the tyrant, not by exchanging it for better steel, but by deceiving his expectation of finding in me a physical resistance. He will find in me a soul resistance that will escape his strength. Such resistance will dazzle him and force him to bow. And the fact of bowing will not humiliate the aggressor, but will praise him.
We must remember the gesture of Rosa Parks - by simply refusing to stand up in a bus and remaining on her seat, she ignited a spark that put in motion the Civil Rights Movement. There is great power in those simple attitudes of moral strength.

It is simple to say, but very hard to do, indeed. There are so many questions and so few answers.

The problem has cultural, political and economical dimmensions, all entangled and very complex.

It is not a matter of days or years, but of decades. However, we must begin right now.

The day after the pandemic is the day we must begin to change.

As suggests David Mitchell, we all are only droplets in an ocean - but what is an ocean if not a multitude of droplets? Let us be this powerful ocean.

In solidarity,
Luiz Fabiano Tavares
Brazilian, teacher, historian, human