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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Capitalismo sertanejo

Esse post está na fila há algumas semanas. Achei muito interessante essa passagem de Tristes trópicos, onde Lévi-Strauss descreve as práticas extorsivas em uma fazenda em que esteve hospedado no Mato Grosso. Como se sabe, esses mecanismos cruéis de compra, venda, crédito e remuneração eram comuns nas fazendas do interior do Brasil. No entanto, a maneira como o autor relata faz toda a diferença. Na periferia do Capitalismo, resplandece a realidade dessa economia injusta de forma tragicômica, com um exagero caricatural digno de desenhos animados...

"Em um vasto bangalô à inglesa, nossos anfitriões levavam uma vida austera, meio criadores de gado, meio donos de mercearia. Com efeito, a venda da fazenda representava o único centro de abastecimento em cerca de cem quilômetros ao redor. Os empregados, trabalhadores ou peõesm vinham aí gastar com uma mão o que tinham ganho com a outra; um jogo de escrita permitia transformar seu crédito em dívida e, desse ponto de vista, toda a empresa funcionava quase sem dinheiro. Como os preços das mercadorias eram, conforme o costume, fixados no dobro ou triplo do curso normal, o negócio poderia ser rentável se esse aspecto comercial não permanecesse secundário. Havia algo de constrangedor em ver aos sábados os trabalhadores trazer uma pequena colheita de cana-de-açúcar, espremê-la logo no engenho da fazenda - máquina feita de troncos grosseiramente aplainados onde os ramos de cana são esmagados pela rotação de três cilindros de madeira - depois, em grandes bacias de chapas, fazer evaporar o sumo ao vento antes de vertê-lo nos moldes onde ele toma forma de blocos grosseiros com consistência granulosa: a rapadura; eles guardavam então o produto no galpão adjacente onde, transformados em compradores, eles viriam na mesma noite adquiri-lo a preços extorsivos para oferecer aos filhos essa única guloseima do sertão".

Não estamos nós também condenados a "gastar com uma mão o que ganhamos com a outra", esmagados entre as engrenagens desse sistema diabólico, verdadeiro "moinho satânico", como diria Karl Polanyi? Condenados a comprar para sobreviver, ao sabor das especulações iníquas da indústria, do comércio e das finanças? Condenados a sustentar e enriquecer os tais "1%", que levam vidas nada austeras, ao contrário desses tristes fazendeiros do sertão?

sábado, 21 de janeiro de 2012

Em cartaz... "As aventuras de Tintin"

Nesta quinta-feira fui assistir ao filme de Tintin. Fiquei muito contente de ver o cinema lotado numa quinta-feira, numa pré-estreia de Tintin, no Rio de Janeiro, onde não temos uma forte "cultura tintinesca". Espero que o filme seja um sucesso e impulsione a divulgação da obra de Hergé no Brasil.

Recomendo fortemente o filme, e não faltam motivos. A animação é fantástica, conseguindo um difícil compromisso entre o estilo ligne claire de Hergé e uma abordagem mais compatível com uma animação em CG. O resultado são belíssimas imagens, com texturas e iluminação inigualáveis. Um dos trabalhos mais lindos que já vi em animação digital. A abertura também é um show à parte. Ao mesmo tempo, a reconstituição histórica de um período pouco definido entre os anos 30 e 50 não deixa a desejar, sendo por si só uma viagem no tempo.

Por outro lado, o roteiro é impecável, conseguindo alinhavar com sucesso as tramas de diversos álbuns diferentes num todo coeso. Embora não seja fiel especificamente a nenhuma história, consegue algo muito mais importante, ser fiel ao espírito da HQ. Ao mesmo tempo, inúmeras referências a outros álbuns e ao próprio Hergé deslizam de modo sutil pelo filme.

Por fim, trilha sonora de John Williams, fantástica como sempre. A composição foi muito feliz, capturando o clima das trilhas dos seriados de aventura das matinês da época. Algumas linhas parecem ter saído da pena de Maurice Jarre.

Pretendo assistir mais vezes!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Reflexões sobre a antropofagia

Neste domingo assisti no Esporte Espetacular uma reportagem sobre o trágico acidente áereo nos Andes que ficou marcado pelo seu episódio de antropofagia. A princípio imaginei que seria mais uma reportagem com o "padrão Globo" de pieguice e sensacionalismo de sempre, mas fui positivamente surpreendido - embora também tenha tido seus momentos de pieguice e sensacionalismo, caso contrário não seria realmente a Globo... Um dos pontos fortes da matéria foi o depoimento de um dos sobreviventes, Gustavo Zerbino. Enquanto assistia a reportagem, me ocorreram inúmeras correlações entre o triste episódio, a antropofagia ritual tupinambá e a antropofagia em geral.

Um dos aspectos que mais me chamou a atenção foi a extrema ritualização do evento por parte de seus sobreviventes, como a construção de rústicos monumentos no local, bem como a realização de "peregrinações" ao lugar. Achei particularmente interessante o caso de Zerbino, que contou ter recolhido um objeto pessoal de cada um dos mortos para entregar posteriormente a seus familiares. Ele mesmo levou seus filhos a visitar o local, lá realizando um jogo de rugby em homenagem aos falecidos, (o avião transportava justamente a seleção juvenil uruguaia para um torneio no Chile). Essas particularidades me pareceram muito interessantes justamente porque em todas as sociedades onde a antropofagia é praticada há também forte carga de ritualidade, não sendo simplesmente uma prática "culinária".

Achei ainda mais interessantes as afirmações de Zerbino a respeito dos acontecimentos e a maneira com que eles atribuíram significados a sua tragédia pessoal. Segundo ele, os mortos teriam feito uma "doação" aos vivos, permitindo-lhes a sobrevivência. Mais ainda, interpreta o episódio como uma história de "amor e solidariedade". Por sinal, ele deixava muito clara sua gratidão aos companheiros que haviam perecido e lhes permitido sobreviver. De certo modo, isso tudo me lembrou bastante as práticas de endocanibalismo, ou seja, o consumo ritual dos corpos de parentes, familiares, amigos (em oposição ao exocanibalismo, onde são consumidos os inimigos, como acontecia entre os tupinambá). Em geral as culturas endoantropofágicas apresentam uma interpretação muito semelhante, como uma forma de reforçar os vínculos entre os que foram e os que ficam; o morto consumido passa a ser parte integrante do vivo, nele sobrevivendo. A relação estabelecida por Zerbino entre sua antropofagia forçada e a possibilidade da existência de seus filhos me parece muito significativa nesse sentido; de certa forma, fica implícito que, de alguma forma, os falecidos ainda vivem em seus filhos.

Por outro lado, também me chamou a atenção a constante "cristianização" do episódio. Zerbino relata que durante todos aqueles dias se mantinham constantemente em oração, rezando o terço, inclusive para se manterem acordados. Foram erigidas cruzes no local do acidente. Enfim, segundo li na Wikipédia, alguns deles teriam, ainda durante sua provação comparado a situação à eucaristia católica (mais uma vez, um ritual). A própria ideia do sacrifício que comunica a vida a outrem, garantindo sua salvação, como expressa por Zerbino, remete ainda ao imaginário cristão.

Em suma, o que me pareceu instigante foi todo o esforço dos sobreviventes em atribuir significados a sua experiência, particularmente significados metafísicos, religiosos. Achei admiráveis as convergências entre essa antropofagia forçada e "acidental" e as práticas antropofágicas altamente regradas e ritualizadas das culturas que as vivenciaram com regularidade. Parece que o canibalismo é uma experiência humana tão extrema que, onde quer que ocorra, mobiliza profundamente os recursos simbólicos e espirituais à disposição daqueles que o experimentam.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Entrevista - Embaixador Vasco Mariz

Depois de muito prometer, finalmente nossa primeira entrevista para a Oficina de Clio, com um convidado muito especial, o embaixador Vasco Mariz. Hoje aposentado, o embaixador representou o Brasil em diversos países e organismos supranacionais. Paralelamente à diplomacia, desenvolveu rica atividade como historiador e musicólogo, granjeando reconhecimento em nosso país e no exterior, tendo várias obras traduzidas. Completando 91 anos, permanece ativo: em março de 2012 lançará o livro Depois da glória, enquanto organiza um seminário comemorativo da unificação italiana no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O embaixador nos concedeu gentilmente esta entrevista.

No Brasil temos uma longa e interessante tradição de diplomatas que se dedicaram paralelamente ao trabalho de historiador, oferecendo valiosas contribuições à nossa historiografia. É o seu caso, e também o de Oliveira Lima, Evaldo Cabral de Mello, Alberto da Costa Silva, entre tantos outros. Em sua opinião, existe tendência à renovação dessa tradição? Podemos esperar novos historiadores entre as próximas gerações do Itamaraty?
A vida diplomática tem momentos de intensa atividade em que o funcionário trabalha 24 horas por dia durante alguns dias tensos. Mas também tem períodos de calmaria, onde é possível, sem prejuízo do cumprimento de seus deveres, dedicar-se a algum hobby, como por exemplo fazer pesquisas e atuar como historiador. Foi o que fiz em minha carreira diplomática de mais de 42 anos. No momento conheço um jovem diplomata, que já publicou diversos livros de considerável interesse e agora está encarregado de organizar a exposição Rio Branco para comemorar o centenário de seu falecimento. Ele promete muito – Luis Cláudio Villafañe. Recomendei o seu ingresso no IHGB.

Ainda sobre diplomacia e História, de que maneira o senhor acha que a experiência como diplomata contribuiu para sua formação como historiador? Além disso, de que forma essa vivência afetou sua compreensão sobre a História?
A carreira diplomática nos obriga a estudar, pelo menos, a história dos países onde servimos e acredito que isso me levou a pesquisar personalidades de nossa história depois da minha aposentadoria. Daí saíram vários livros como o que espero lançar em março próximo, cujo titulo é “Após a glória”, isto é, o que aconteceu com algumas personalidades nacionais depois que ficaram famosas.

O senhor já é sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro há muitos anos. O que significa para o senhor ser sócio dessa instituição tão importante para a construção da historiografia brasileira?
Sou sócio do IHGB há quarenta anos exatamente, pois fui admitido em 1982. Creio que o IHGB me fez conhecido e respeitado nos meios intelectuais do país. Por isso tenho procurado retribuir. O seminário francês de 2009 e o seminário italiano, que se realizará em fins de março próximo foram organizados por mim por encomenda do presidente.

Muito se fala sobre o papel do IHGB para o conhecimento histórico no século XIX. Mas e o século XX? Para o senhor, que participou de boa parte dessa trajetória, quais foram as contribuições mais significativas do Instituto à historiografia brasileira no último século?
Eu destacaria a realização de congressos científicos importantes com participação internacional, a publicação ininterrupta da revista que se tornou a mais antiga das Américas, a promoção de pesquisas em arquivos portugueses e a publicação de inventários ou dos próprios documentos, a ampliação do acervo arquivístico, iconográfico e museológico e sua divulgação em exposições e publicações.

As últimas décadas foram marcadas por uma relação complicada entre a historiografia praticada em nossas universidades e o IHGB. Durante algum tempo a produção do Instituto foi tachada de antiquada, “positivista”, encarada com desconfiança. Mesmo a Revista do Instituto foi objeto de certo preconceito, como uma publicação ultrapassada. Contudo, nos últimos anos, particularmente na última década, temos assistido a uma nítida mudança: a universidade tem buscado nova aproximação ao Instituto; o preconceito contra a produção do Instituto vem diminuindo acentuadamente, passando mesmo por uma fase de revalorização, enquanto muitos professores universitários vêm se tornando sócios. Como o senhor interpreta esse processo, a que atribui essa mudança de atitude?
Toda entidade, cultural ou não, tem fases de maior ou menor atividade, segundo o dinamismo e o modelo de orientação de seu presidente. O IHGB, a entidade cultural mais antiga do Brasil, fundada em 1838 e cuja revista é publicada regularmente desde então, tem notável tradição, mas teve fases de menor ou maior atividade, de maior ou menor modernização. Sou membro do IHGB há exatamente 40 anos, desde 1982. Para lá fui convidado por Pedro Calmon, notável intelectual, que foi sucedido por outro respeitado historiador, Américo Jacobina Lacombe. Seu sucessor Vicente Tapajós sofreria do Peter principle, isto é, fora bom secretário-geral, mas desapontou como presidente. Desde 1995 o IHGB é dirigido por Arno Wehling, que tem sabido atrair para a entidade alguns dos melhores jovens historiadores do país e algumas personalidades intelectuais nacionais. O IHGB tem atuado com bastante eficiência e realizado seminários de apreciável oportunidade. Realizou um convênio com a editora do Senado Federal, que vem publicando anualmente três ou quatro números da revista, que hoje é considerada entre as melhores do país. Por tudo isso o atual presidente tem sido reeleito sucessivamente.

Ainda sobre a reaproximação entre o IHGB e a historiografia universitária, o que o senhor gostaria de ver concretizado nos próximos anos? Que frutos lhe parece possível que nasçam desse reencontro?
Nossos historiadores universitários, por melhores que sejam, estão um pouco engessados pelo excesso de trabalho. Desconfiam um pouco do IHGB, que consideram elitista e conservador. Por sua vez os sócios do IHGB tendem a minimizar o mérito dos historiadores profissionais, que tanto labutam contra fatigantes horários e remuneração modesta. Nós, os sócios do IHGB, temos por vezes a tendência de admitir o ingresso de algum figurão da política ou da diplomacia, que embora tenha considerável mérito pessoal e várias obras publicadas, não têm aquela vivência dos bancos universitários que me parece necessária para a formação do bom historiador. No momento, sinto que o corpo de sócios do IHGB está ficando um pouco idoso demais e tenho insistido com o atual presidente para estimular o ingresso de historiadores mais jovens. Temos intensificado parcerias com universidades como a realização conjunta de encontros científicos, cursos e seminários.

Como se sabe, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi fundado num momento muito especial da história de nosso país, de estímulo à produção intelectual nunca antes visto; por sinal, no mesmo ano também foram fundados o Arquivo Imperial e o Colégio Pedro II, como parte desse esforço. Naquela época, esperava-se que o IHGB cumprisse o papel de fomentar a produção de conhecimento sobre o passado e o território do Brasil, com o fito de pensar projetos de nação para um país recentemente independente. Na sua opinião, que papel o Instituto pode ou deve desempenhar no Brasil do século XXI?
Creio que o IHGB está desempenhando no momento uma variada atividade de estudos de toda a ordem sobre as diversas fases de nossa historia e tem estimulado trabalhos e pesquisas sobre personagens importantes menos estudados e que merecem uma melhor avaliação. Eu mesmo, na minha idade avançada, vou publicar no primeiro trimestre do ano corrente um livro que reúne diversas pesquisas e estudos sobre personagens de nossa história pouco estudados ou controvertidos. O atual presidente tem procurado estreitar as relações com os institutos históricos estaduais visando uma cooperação constante para valorizar a história, a memória e a própria identidade regional.