Newsletter

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Oficina de Clio - Newsletter

Inscreva-se na newsletter para receber em seu e-mail as novidades da Oficina de Clio!

Nous utilisons Sendinblue en tant que plateforme marketing. En soumettant ce formulaire, vous reconnaissez que les informations que vous allez fournir seront transmises à Sendinblue en sa qualité de processeur de données; et ce conformément à ses conditions générales d'utilisation.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Poder e violência

Extratos de O Reino de Deus está em vós, de Tolstói:

"Se o trabalhador não tem terra, se ele é privado do direito mais natural, o de extrair do solo seu sustento e de sua família, não é porque o povo assim queira, mas porque determinada classe - os proprietários fundiários - tem o direito de contratar ou não o trabalhador. E esta ordem de coisas contra a natureza é mantida pelo exército. Se as imensas riquezas acumuladas pelo trabalho são consideradas pertencentes não a todos, mas a alguns; se o pagamento dos impostos e seu uso são abandonados ao capricho de alguns indivíduos; se as greves dos operários são reprimidas e as dos capitalistas protegidas, se determinados homens podem escolher as formas de educação (religiosa ou leiga) dos jovens; se certos homens têm o privilégio de fazer leis às quais todos os outros devem se submeter, e de assim dispor dos bens e da vida de cada um, tudo isso acontece não porque o povo queira e porque deve acontecer naturalmente, mas porque os governos e as classes dirigentes assim querem, para seu proveito, e o impõem por meio de uma violência material.

Todos sabem disso, ou, se não o sabem, saberão à primeira tentativa de insubordinação ou de mudança nesta ordem de coisas.

[...]

Os governos afirmam que os exércitos são necessários, por toda parte, para a defesa externa. É falso. São principalmente necessários contra os próprios cidadãos, e cada soldado participa à revelia das violências do Estado sobre os cidadãos.

Para convencer-se desta verdade basta lembrar o que se comete em cada Estado, em nome da ordem e da tranquilidade do povo, servindo-se sempre do exército como instrumento. Todas as brigas internas de dinastias ou de partidos, todas as execuções capitais que acompanham essas agitações, todas as repressões de revoltas, todas as intervenções da força armada para dissipar os grupos ou para impedir as greves, todas as extorsões de impostos, todos os obstáculos à liberdade do trabalho, tudo isto é feito diretamente com a ajuda do exército ou da polícia, apoiada pelo exército. Cada homem que cumpre o serviço militar participa de todas essas pressões que, às vezes, lhe parecem ambíguas, mas, na maior parte do tempo, absolutamente contrárias à sua consciência".

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Contradições: vida e consciência

Extratos de O Reino de Deus está em nós (1895), de Tolstói:

"O operário de nosso tempo, ainda que seu trabalho seja menos penoso do que o do escravo antigo, ainda que obtenha a jornada de oito horas e o salário de poucos rublos por dia, não deixaria de sofrer porque, fabricando objetos dos quais não usufrui, trabalha não para si e voluntariamente, mas por necessidade, para a satisfação dos ricos e dos ociosos, e para o proveito de um só capitalista, proprietário de fábrica ou de indústria.  Sabe que isto ocorre num mundo em que é reconhecida a máxima científica de que só o trabalho alheio é uma injustiça, um delito punido por lei, num mundo que professa a doutrina de Cristo, segundo a qual somos todos irmãos, e que não se reconhece ao homem outro mérito senão o de vir em auxílio do próximo, em vez de explorá-lo.

Ele sabe tudo isso e não pode deixar de sofrer devido a essa flagrante contradição entre o que é e o que deveria ser.

[...]

O homem da classe que se diz culta sofre até mais com as contradições da vida. [...] O homem dotado de uma consciência impressionável não pode deixar de sofrer com tal vida. O único meio para livrar-se desse sofrimento é impor silêncio à própria consciência; mas se alguns conseguem isso, não conseguem impor silêncio a seu medo.

[...]

Mas todos sabemos como são feitas essas leis. Estivemos todos nos bastidores: sabemos que são geradas pela cobiça, pela astúcia, pela luta entre os partidos; que nelas não há e não pode haver justiça real. Por isso, os homens de nosso tempo não podem crer que a submissão às leis sociais e políticas satisfaça às exigências da razão e da natureza humana. Os homens de há muito sabem que é irracional submeter-se a uma lei cuja verdade é dúbia e, portanto, não podem deixar de sofrer ao se submeterem a uma lei cujo bom-senso e cujo caráter obrigatório eles não reconhecem.

[...]

Cada homem de nosso tempo, se penetrarmos na contradição entre sua consciência e sua vida, encontra-se na mais cruel situação. [...] Essa contradição, requinte de todas as outras, é tão terrível que viver participando dela só é possível caso não pensemos, caso a esqueçamos. [...] Só essas razões podem explicar a intensidade terrível com a qual o homem moderno procura entorpecer-se com o vinho, o fumo, o ópio, o jogo, a leitura dos jornais, com viagens e com toda espécie de prazeres e espetáculos. [...] E todos os homens de nosso tempo encontram-se nessa situação; todos vivem numa contradição constante e flagrante entre sua consciência e sua vida".

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A miséria da propaganda

Normalmente os comerciais - especialmente os televisivos - me provocam profunda irritação. Às vezes sinto verdadeira raiva das empresas anunciantes e das agências publicitárias!

Ontem me dei conta da razão pela qual a publicidade costuma me inspirar tamanha aversão: é sua pressuposição implícita de que podemos ser manipulados de forma tão grosseira, com discursos infantilizadores. Pior ainda é perceber quanta gente é capturada por artimanhas tão superficiais...

De maneira descarada, a propaganda se apropria de desejos, receios, sentimentos, valores, linguagens, ideias e ideais para vender produtos e promover mercadorias. Isso é simplesmente aviltante, é sequestrar o que há de mais nobre ou mais delicado para finalidades espúrias.

Na verdade, não tenho nada contra a publicidade em si. Ela pode ser útil e até necessária - por exemplo, nas campanhas de conscientização para causas importantes (sociais, sanitárias, políticas, etc). Até mesmo a propaganda comercial facilita o acesso do consumidor a produtos e serviços de seu interesse, desde filmes a aparelhos eletrônicos, passando pelo novo restaurante do bairro. O que me causa indignação é a flagrante manipulação presente em boa parte das peças publicitárias, recorrendo aos golpes mais baixos, do sentimentalismo familiar barato ao apelo erótico gratuito, passando pelo humor idiota. Acho que é por esse mesmo motivo que me irrito com vendedores insistentes e seus discursos inconsistentes.

Me desculpem pelo desabafo!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Escalas de observação: tempo, espaço, sujeitos e objetos

Dedicado a meu orientador, Rodrigo Bentes Monteiro

Levei cerca de 4 anos produzindo minha tese de doutorado. Meu objeto de pesquisa (a presença francesa na América e no Atlântico) teve por corte cronológico cerca de um século, entre os reinados de Francisco I e Luís XIII. Grosseiramente falando, temos uma relação temporal de 1:25, ou 1 ano de pesquisa para 25 anos de período pesquisado, permitindo que 100 anos de experiências "coubessem" em 4 anos de doutorado e 400 páginas de tese. Tal operação intelectual implica um drástico processo de "compressão de informação". Foi necessário selecionar, cortar e recortar fontes, dados, personagens, temas, problemáticas, conexões... A contragosto, precisei deixar muita coisa de lado - com as devidas "tesouradas" de meu orientador e da banca de qualificação. É preciso muito esforço e alguma dor para "comprimir" todo um mundo de experiências - um século, dois continentes, um oceano - em poucas centenas de páginas.

Mas não é problema apenas de historiadores; existem outros ofícios, com outras escalas. Pensemos no microbiologista: em suas pesquisas, ele lida com organismos infinitamente menores que ele mesmo, seres de vida dramaticamente efêmera. De certo modo, ele opera uma "descompressão de informação", tentando tornar experiências microscópicas no tempo e no espaço inteligíveis para seres macroscópicos - nós. Por sinal, as brevíssimas dimensões temporais com que lida tornam tanto possível quanto necessário repetir experimentos ad nauseam, de modo a montar os quebra-cabeças do infinitamente pequeno. Tais questões também servem para inúmeros cientistas, como os físicos dedicados às dinâmicas quânticas ou à física de partículas, entre tantos outros.

Creio que o extremo oposto esteja nos ramos da astronomia, da astrofísica, da cosmologia e afins. Saltamos do ínfimo ao infinito, às temporalidades e distâncias que em tudo extrapolam as dimensões humanas e terrestres. Considerando que a astronomia metodicamente científica conta cerca de 400 anos, como dar conta de fenômenos estimados na ordem dos bilhões de anos? Quantas existências de astrônomos seriam necessárias para acompanhar a vida e a morte de uma única estrela? Aqui é a observação simultânea de fenômenos similares - às vezes escassos - que busca resolver os enigmas do infindável. É o supremo esforço de "compressão de informação", tentando reduzir os mistérios do cosmo à nossa limitada ciência...

Concluindo, creio que toda operação científica precise passar por operações semelhantes, no sentido de mediar as diferentes escalas e dimensões espaço-temporais que separam sujeito e objeto, de algum modo tentando estabelecer relações, equivalências e correspondências entre as diversas experiências e perspectivas possíveis acerca da realidade. Vale lembrar, segundo as teorias da computação, que toda operação de "compressão" e "descompressão" implicam na perda ou simplificação de informações, levando a reduções de nitidez e precisão.

O conhecimento é uma eterna tentativa de abraço entre sujeito e objeto, uma superação de distâncias nunca realizada por completo, mas sempre aprofundada.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O grande marginal

Esta é a história de um marginal:

Andava em péssimas companhias.

Não seguia os valores das pessoas respeitáveis.

Seus comportamentos, atitudes e palavras chocavam e incomodavam muita gente de bem.

Defendia e divulgava ideias subversivas.

Questionava as leis e as autoridades.

Muitos tinham medo dele; alguns o odiavam.

No fim, acabou preso, torturado e condenado à morte.

Ficou conhecido como Jesus Cristo.

"Jesus carregando a cruz", pintura de Hyeronimus Bosch.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Eles

Eu tenho medo. Muito medo.


Eles são muito perigosos. Eles são violentos e cruéis. Eles odeiam nossa civilização, Eles odeiam nossos valores. Eles querem destroçar, esmagar e queimar tudo que amamos. Eles desejam matar nossos anciãos, estuprar nossas mulheres, escravizar nossas crianças. Eles sonham em dançar sobre nossos túmulos.


Por que Eles nos odeiam tanto?

Eu tenho medo. Muito medo.


De dia, Eles perturbam meus pensamentos. À noite, Eles povoam meus pesadelos. Eu sei, eles estão lá, em seus esconderijos, planejando dia e noite como acabar conosco. Eles tramam suas teias como aranhas famintas e maldosas. Eu sei, eu sei. De dia, Eles pensam em nossa destruição; à noite, Eles sonham com nossa ruína.


Por que Eles nos odeiam tanto?

Eu tenho medo. Muito medo.



Precisamos fazer alguma coisa, antes que Eles nos destruam. Temos que agir mais rápido que Eles, temos que atacar primeiro. É a única maneira de sobreviver, de evitar nosso fim, de preservar nossa civilização, nossas crenças, nossos valores. A guerra é a única solução contra Eles. É lamentável, eu sei, mas Eles não deixam outra escolha. Não é possível dialogar com Eles. Eles são irracionais, perversos, traiçoeiros. Alguns entre nós discordam... Cegos... Sonhadores... Traidores! A guerra é terrível, mas necessária. Quem não está conosco, está com Eles, está contra nós. Contra Nós!


Por que Eles nos odeiam tanto?

Imagens: Detonação da bomba de Hiroshima (1945); Massacre de São Bartolomeu (Paris, 1572); Holocausto; Cruzadas; Perdas territoriais palestinas; Atentados do 11 de Setembro (2001)