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sexta-feira, 24 de julho de 2020

Oração Derradeira

Senhor, Senhor!

Olhando para este céu azul, entrego minh'alma pecadora! Ao som dos canhões, entrego minh'alma.

Tende piedade de mim! Tende piedade de nós, Senhor!

Sinto o chão duro e áspero sob minhas costas. As mãos chamuscadas de pólvora. Ainda seguro debilmente meu mosquete carregado para um último disparo. A camisa e a barba empapadas de sangue. Meu sangue.

Pólvora. Pólvora. Pólvora. Tanta pólvora, Senhor! Quanta pólvora! Sinto o cheiro; ouço as explosões.

Pólvora. Salitre. Carvão. Enxofre. Assim me disse o mestre artilheiro. Enxofre de Satanás. Pólvora de Satanás.

Que digo, Senhor? Digo bobagens, apenas bobagens. Nem sei o que digo. Sinto sede, sinto frio, sinto o sangue que se esvai. O céu ainda parece azul. Ainda.

Meu ombro não dói mais. Tento mover o braço. Não consigo. Não sinto minha mão.

A poucos passos escuto o ricochetear de balas contra a amurada de pedra. Foi uma bala como essas que me atingiu. Apenas uma. Quente, rasgando, queimando, esmagando. Minha carne, meu osso, meu sangue. Agora não importa mais.

Há poucos momentos eu e meu amigo disparávamos nossos mosquetes sobre a amurada, entre as ameias. Precisávamos defender nossa fortaleza. Atravessamos o oceano para defender esse forte. Pela Fé. Pelo Império. Pelo Rei. Pela Lei. Pela Santa Cruz. Por nossos soldos.

Do outro lado do Mar Oceano. Do outro lado, Senhor. Do outro lado estão minha mulher e meu filho. Entrego-Vos as vidas deles. Cuidai deles por mim. Cuidai do órfão e da viúva, pois sois Deus de Misericórdia!

Meu amigo está morto ao meu lado. Um petardo certeiro atravessou seu olho. Um bom homem, um bom cristão. Tende piedade dele, Senhor.

Viemos aqui por boa causa. Trazer a Palavra de Salvação para o gentio selvagem, nas garras de Satã, condenado à eterna danação. Nossos canhões, mosquetes, colubrinas, receberam a Vossa bênção. Para salvação do gentio e condenação do herege que o seduz.

Eis agora o herege que nos ataca. De seus galeões disparam as bocas de fogo contra nosso forte. As muralhas de pedra estremecem ao coice bestial das balas. Sinto o chão que trepida sob minhas costas.

Abaixo de mim, nossos canhões respondem. As explosões abafadas ecoam. Ouço as correntes que gemem a cada disparo. Vejo as nuvens negras que sobem ao céu azul. Ouço a tosse abafada dos meus camaradas que ainda lutam. Ou será minha própria tosse? Já não sei mais, Senhor.

Sei que morro, mas imploro ainda. Guardai este forte, Senhor Amado, em nome da Santa Cruz, para glória d'El Rey.

De seus escaleres, os hereges desembarcaram na praia, com seus mosquetes e colubrinas. Cada um de meus camaradas correu para seu posto.

Agachados sob a amurada, carregávamos nossos mosquetes, depois fazíamos um rápido disparo por entre as ameias. Sem tempo para mirar direito, a cada disparo confiamos em Vossa mão para guiar nossas armas, como fizestes com a funda de Davi!

O herege se oculta atrás das rochas na praia. Em grande número veio o herege, maior do que imaginávamos. Cinco galeões, sabe-se lá quantas bocas de fogo. Escaleres repletos de homens, como um enxame. Que esperança para uma pequena guarnição como a nossa? Em Vós, apenas em Vós, Senhor, esperamos! De vós há de vir o socorro!

Nossos canhões conseguiram naufragar um dos galeões inimigos. Isto ainda tive a Graça de contemplar! Também alguns escaleres foram atingidos antes de chegar à praia. Alguns hereges se afogavam, bem vi.

Pouco depois tombou meu grande amigo. O olho esquerdo estraçalhado e o nariz despedaçado jorravam sangue. Espumava sem dizer palavra, o pobre cristão. O rosto se contorcia de dor e a mão crispada agarrava a manga de minha camisa. Encomendei a Vós a pobre alma, com o sinal da Santa Cruz. Foste misericordioso, Senhor. Morreu rápida e graciosamente, como merecia tão bom cristão.

Fechei o olho que ainda restava a meu finado amigo e retornei a meu posto nas ameias, com ânimo e fé redobrados para a peleja contra o herege.

Meu disparo seguinte foi certeiro, pude ver. Vislumbrei o alvo e puxei o gatilho. Uma flor sangrenta desabrochou no peito do herege que tombava. Olho por olho, dente por dente, vida por vida. O disparo detonou como um cântico de hosanas e a pólvora cheirava como incenso.

Meu coração batia mais rápido. As lágrimas escorriam quentes por minhas faces.

Fiz mais cinco ou seis disparos, sem ver bem para onde iam. Estava cansado. Por instantes, recostado contra a amurada, repousei o mosquete ainda quente. O som de ricochetes se fazia ao meu redor. Um ou outro petardo zunia acima de minha cabeça.

Derramei a pólvora lentamente pelo cano do mosquete. Pressionei delicadamente o pó negro com o soquete. Peguei mais uma bala, sopesando o chumbo em minha mão. A bala desceu pelo cano, com um ruído áspero. Um pequeno toque com o soquete e estava quase tudo pronto. Senti a força da mola quando puxei a cultatra. Reparei que a pederneira já estava bastante desgastada. Empunhei o mosquete com o indicador próximo ao gatilho.

Em instantes me ergui, me debruçando sobre a ameia. Tive apenas tempo suficiente para avistar o balaço que se aproximava. Por um instante parecia que o mundo inteiro explodia e no momento seguinte estava aqui, estendido no chão, com meu ombro esmigalhado.

Não sinto mais nada. O céu azul e as nuvens negras desapareceram. Acho que fechei os olhos. O barulho das explosões agora parece chegar de muitas léguas de distância. Sinto alguém puxar delicadamente o mosquete de minha mão. Será um anjo?


quarta-feira, 22 de julho de 2020

Liberdade e Humildade

"O preço da liberdade é a eterna vigilância".

O preço da vigilância é a crítica permanente.

O preço da crítica é a perpétua autocrítica.

O preço da autocrítica é a profunda humildade.

Não há verdadeira Liberdade sem verdadeira Humildade.


quarta-feira, 15 de julho de 2020

Boas apostas

Da perspectiva eleitoral, política é como cassino. Cada eleitor aposta suas fichas e depois vê o resultado da roleta. O mais importante é deixar os evidentemente piores de lado - mas o povo brasileiro tem muito talento para fazer exatamente o contrário disso.


domingo, 12 de julho de 2020

O desabrochar do Cravo

A muito custo, um frágil Cravo germinou e brotou.

Era um verão abrasador, que crestava suas tenras folhas. Apenas o orvalho noturno abrandava as agruras desse bravo cravinho.

O clima se fazia inclemente. Ao impiedoso verão sucedeu um outono terrível, que anunciava um inverno monstruoso.

Sacudido por violentas tempestades, cresceu o Cravo, robustecido pelas intempéries.

Veio o inverno, longo, rigoroso e brutal, com violentas geadas que ameaçavam todas as flores do prado. Muitas sucumbiram.

Quase milagrosamente, em meio ao frio opressor, o Cravo pôs um botão.

Veio a primavera. Tímida, débil, frágil como uma orquídea.

Ainda atormentado pelas lembranças invernais, o botão do Cravo teimava em se manter fechado. Sobrevivera a tantas durezas, por que se expor agora?

Em meio à primavera, nuvens trovejantes cobriram o céu.

Foi então, corajosamente, que o Cravo desabrochou.

Abriu suas pétalas em espetáculo ao mundo e gritou: "NÃO"!

E o prado inteiro ouviu. NÃO.

As nuvens se envergonharam e os trovões se calaram.

E o grito do Cravo deu esperança a muitas outras flores.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Refugo

Seria o Estado brasileiro apenas um insípido subproduto das Guerras Napoleônicas?

"Le Brésil n'est pas un pays sérieux!" - "Ils sont fous, ces brésiliens, Astérix!"

terça-feira, 7 de julho de 2020

Bolsonaro, Barbárie e o Pacto Civilizatório

Há quase 11 anos postei neste blog um texto lamentando as comemorações pela morte de Bin Laden nas ruas dos Estados Unidos. Comemorar a morte de um bárbaro é um gesto que nos aproxima do próprio bárbaro.

Da mesma forma, mais recentemente, refleti sobre meus próprios sentimentos de regozijo, igualmente lamentáveis, quando recebi a notícia da prisão de Sérgio Cabral.

A língua alemã, em sua riqueza, possui um termo específico para esse tipo de sentimento demasiadamente humano: Schadenfreud - a alegria pela desgraça alheia.

O respeito à doença, ao sofrimento, ao infortúnio e ao luto daqueles que abominamos e nos causam repugnância é um dos limites mais importantes entre a civilização e a barbárie.

O Sr. Jair Messias Bolsonaro, infelizmente, não é uma pessoa conhecida por respeitar esses limites. Sabemos bem disso,  como atestam inúmeros episódios.

Bolsonaro manifestava publicamente seu desejo de que um câncer ou um infarte tirassem a vida da então presidente Dilma Roussef, paciente oncológica convalescente. Comemorou a morte de Fidel Castro.

Mais recentemente, já na função de Presidente da República, fez comentários escarninhos sobre os brasileiros falecidos na atual pandemia, especialmente o grotesco "E daí?"

Jair Messias Bolsonaro, infelizmente, é um ser humano que não respeita, nunca respeitou, os limites do pacto civilizatório. Nem mesmo a experiência da fatídica facada o fez repensar tais posturas.

Agora circulam notícias de que o Presidente Bolsonaro está sob suspeita de ter contraído COVID-19.

Tomemos o cuidado de não nos rebaixarmos, sequer jocosamente, à barbárie de Bolsonaro.

Não devemos desejar "Força, COVID" ou nos regozijarmos com a possibilidade da morte do presidente. Tais atitudes nos rebaixam ao mesmo nível de barbárie que tanto reprovamos nele.

Barbárie alimenta barbárie. Em nome da preservação do sempre frágil pacto civilizatório, precisamos nos colocar acima do "olho por olho, dente por dente".

Diante da barbárie, nos cabe cultivar a altivez ética de lutar contra as próprias pulsões bárbaras, vingativas e rancorosas que existem dentro de cada um de nós.

A alegria diante da desgraça alheia é um impulso muito humano, quase instintivo, que habita em nós. Não é vergonha sentir isso e seria hipocrisia negar que tais sentimentos estão em nós.

No entanto, como humanos, somos seres dotados da capacidade de escolher. Podemos escolher cultivar ou não tais sentimentos. Tal semente existe em nossos corações, mas devemos, em sã consciência, irrigá-la? Desejamos transformar nossas consciências em plantações de amargo ódio? Que colheita podemos esperar de semelhante cultivo?

De minha parte, sinto, como tantos, a inclinação de me regozijar com a enfermidade do presidente, desejar-lhe a morte e fazer piada com o tema.

Mas evitarei isso. Como ser humano, faço a escolha consciente de não me entregar a essas inclinações ou cultivar tais atitudes. Como recitava Mandela, "sou capitão de minha alma".

E como capitão de minha alma, escolho não sucumbir à lamentável barbárie que consome a alma do Capitão Bolsonaro.

Em nome de meus familiares e amigos que sofrem e sofreram as consequências dessa pandemia, só posso manifestar minha esperança - provavelmente inútil - de que sofrendo a enfermidade na própria carne, Bolsonaro reveja suas atitudes e, como ser humano que também é, possa fazer escolhas e tomar atitudes melhores no futuro.


domingo, 5 de julho de 2020

As voltas que o mundo dá (2009-2020)



Matéria da revista Época em 2009.

E pensar que naquele tempo eu também acreditava nisso.

Ce siècle avait neuf ans. J'étais jeune et naïf, hélas!

Só se desiludem aqueles que se iludiram. É da natureza das miragens desaparecer quando avançamos em sua direção.

"Deixo um Brasil mais preparado"...! Capcioso adjetivo - "preparado" para quê? A colheita diz muito sobre a semeadura.

Basta vento para desmanchar castelos de areia.

2030? Nem quero imaginar.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Da Ação Excelente

Se os resultados finais de nossa ação ficam próximos da intenção original, significa que agimos com excelência; inversamente, podemos medir o grau de inépcia do agir pela distância entre a intenção motivadora e o resultado obtido. A ação excelente alcança os fins apropriados através dos meios adequados. Para tanto, o agente deve, antes mesmo de definir seus fins, avaliar os recursos disponíveis e as condições conhecidas, assim como sopesar os riscos e precaver-se contra os imprevistos. "O ótimo é inimigo do bom": intenções sóbrias favorecem resultados excelentes; intenções delirantes conduzem a resultados decepcionantes. A simplicidade é a melhor amiga da excelência.


Twilight Omen

In the swollen swamps,
Twilight whispers omens
Restless sleepers
Hear gloomy chants

One Voice must sing,
Two Princes may fall;
Will the King hold his throne?
The blade of Fate is sharp

The folk on the marshes
Breath poisoned air;
Some choke, some die
Too many people cry

In the mourning castle,
The court laughs no more
The throne crumbles,
The crown is heavy

Even heroes avoid
Haunted roads and paths
Starving ghosts roam,
By hatred blind

The King is deaf,
The King is drunk,
The King is mad,
The King is mute

The castle is full of songs,
But the singers weep
Any joy is madness,
Only madness brings joy

The Jester is hanged,
Barons hold their daggers,
Pale Dukes silently wait
Each man feels like a maiden

Shields are dusty
Swords are blunt
Spears are rusty
Wardrums are quiet

The seeds were rotten,
Harvest is bitter
The fields are barren,
The mills stand still

Crows wait on the trees
Wide eyed owls watch
Hungry vultures laugh
Sharp is the blade of Fate