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domingo, 31 de maio de 2015

Leituras - "Bloodlust", de Russell Jacoby

Acabo de ler Bloodlust - On the roots of violence from Cain and Abel to the present, do historiador Russell Jacoby. Trata-se de obra instigante, provocativa, e um tanto perturbadora.

Composto por quatro ensaios, o livro discute uma curiosa teoria, a de que a violência humana se canaliza principalmente para aqueles que estão mais próximos, em termos culturais, ideológicos, religiosos, etc. Segundo Jacoby, as "pequenas diferenças" causam mais ódio e violência que as "grandes diferenças". Seu ponto de partida são os mitos de Caim e Abel e dos gêmeos Rômulo e Remo, exemplos arquetípicos de disputa e assassinato entre irmãos. Ao longo dos ensaios, o historiador nos conduz através de diversos conflitos fratricidas, desde as Guerras de Religião na França quinhentista aos recentes conflitos nos Bálcãs, passando por inúmeras guerras civis e genocídios.

O argumento é muito bem desenvolvido, através de inúmeros exemplos. Como salienta Jacoby, o massacre de São Bartolomeu não foi promovido por pessoas estranhas, mas por vizinhos e parentes, gente que se conhecia e convivia cotidianamente. Da mesma forma, as comunidades judaicas na Alemanha antes do Holocausto não constituíam um povo distante e extremamente diferenciado; pelo contrário, os judeus alemães eram bem integrados, tendo desde o século XVIII assimilado os valores da cultura alemã, em relação à qual nutriam sentimentos de pertença. Por sinal, alguns dos mais virulentos antissemitas vinham de famílias judaicas convertidas mais ou menos recentemente. Outro caso curioso é o de Mohamed Atta, um dos participantes dos atentados de 11 de Setembro. Atta não era um completo estranho à cultura ocidental: era formado em Engenharia e Arquitetura, tendo defendido tese de mestrado na Alemanha. Seu ódio ao Ocidente vinha da ameaçadora proximidade, não da distância.

Mas como explicar esse perturbador paradoxo?

Jacoby propõe algumas soluções, recorrendo ao diálogo interdisciplinar, especialmente com a Antropologia e a Psicanálise. O historiador lança mão da noção de "desejo mimético", proposta pelo pensador René Girard: a proximidade cultural instigaria desejos semelhantes, promovendo e acirrando conflitos e rivalidades.

Bloodlust propõe uma reflexão curiosa, ao mesmo tempo que nos deixa questionamentos inquietantes. Um livro fascinante.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Leituras - "Sangue Azul", de Ana Carolina Delmas

É com grande satisfação que falo de Sangue Azul, cuja autora é minha amiga de longa data, Ana Carolina Delmas. Por sinal, o livro mostra que, embora tenha se tornado doutora em História, continua sendo a menina com fichário do Harry Potter que conheci na graduação.

O romance narra as aventuras de Olivia Spenser, jovem melancólica e solitária que descobre um oculto mundo de magia, habitado por criaturas fantásticas e fascinantes. Não revelo mais para não estragar as surpresas do leitor!

A trama se desenvolve em ritmo vertiginoso, lembrando algumas das aventuras de Tintin - mal dá para acreditar que a autora conseguiu desenvolver uma narrativa tão densa em cerca de 400 páginas! O livro desperta a curiosidade desde os primeiros parágrafos e é difícil interromper a leitura, pois a história apresenta inúmeros momentos climáticos e muitas reviravoltas.

No entanto, é interessante observar que, apesar do rápido ritmo, a narrativa nos conduz aos poucos e de maneira bastante orgânica da Londres contemporânea ao mundo mágico, numa transição quase imperceptível, à moda das lendas celtas e dos romances medievais. Por sinal, um dos pontos fortes de Sangue Azul é a maneira pela qual entrelaça o "nosso mundo" ao universo da magia de modo espontâneo e convincente, sem rupturas abruptas ou descontinuidades flagrantes: celulares e trens de alta velocidade aqui convivem harmoniosamente com unicórnios ou centauros - sem falar nos fofos talulos.

A protagonista é uma personagem encantadora e é instigante acompanhá-la em sua jornada mágica. O elenco do romance é imenso, e há diversas figuras e criaturas interessantes, entre as quais destaco a cativante mantícora Baruk Naveen, cujo desenvolvimento na trama é surpreendente. Também gostei muito de Sir Benjamin Knightley, personagem desaparecido desde o início do livro, mas cujas marcas povoam o mundo mágico e cujos feitos passados afetam o rumo da história, tendo uma presença talvez mais forte pelo modo como se sente sua ausência - um feito literário considerável.

Muitos dos personagens (a maioria, na verdade) são imortais, com séculos de existência e aí a formação de Ana como historiadora faz a diferença, entremeando suas trajetórias de vida com diversos momentos históricos. Destaco ainda que o mundo elaborado pela autora se apropria de modo bastante criativo e original de diversas influências mitológicas e literárias, constituindo um bom exemplar daquilo que Tolkien propunha como "subcriação".

Por fim, é bom ver uma escritora brasileira produzindo um romance que não se veja estreitamente atrelado a temas "nacionais", como acontece tão frequentemente, embora esse mundo mágico tenha me parecido um tanto "eurocêntrico" - quem sabe numa continuação Olivia e Nicolas não poderiam encontrar o curupira ou a mula-sem-cabeça?

Concluo com uma passagem de que gostei muito, e que resume o espírito do livro:

"Acreditar não é um processo fácil. Eu testemunhei muitas coisas, vivenciei muito e ainda assim posso afirmar que conheci apenas uma pequena parte do que existe. [...] Por sorte, mente e conhecimento são ilimitados, têm franca e infinita capacidade de expansão".