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sábado, 15 de outubro de 2011

Leituras - "A ilha do dia anterior", de Umberto Eco

Um dos melhores romances históricos que já li. Passado no século XVII, o livro narra a história de Roberto Pozzo di San Patrizio, senhor della Griva, jovem fidalgo italiano que após um naufrágio chega a num navio abandonado numa ilha do Pacífico Sul. Ali divide seu tempo entre a busca de um intruso misterioso e as memórias de sua vida. A partir desses elementos o autor constrói uma narrativa não-linear que nos leva através de um passeio pela cultura seiscentista, passando pela infância de Roberto no Piemonte, sua participação no cerco à fortaleza de Casale, suas aventuras na Paris de Richelieu, além de uma viagem pelos oceanos entre excêntricos passageiros de um navio.

O romance adota inúmeros estilos de escrita ao longo de suas páginas mimetizando de forma curiosa e criativa as peculiaridades da literatura barroca. Através de inúmeros personagens marcantes o livro evoca as características mais variadas da época, com grande destaque para as mais diversas extravagâncias intelectuais; Eco lembra que este foi o século de Descartes e Galileu, mas também uma época de literatura exuberantemente exótica, de esoterismo delirante, de utopias mirabolantes e, principalmente, que as fronteiras a separar umas das outras eram muito tênues.

"A ilha do dia anterior" é uma verdadeira viagem pelo "Grand siècle", um livro que abre as portas para uma compreensão profunda e empática da mentalidade de uma época ao mesmo tempo muito semelhante e diferente da nossa...

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Chapolim Colorado no reino de Clio

No último post discuti algumas possibilidades de abordagem do Chaves numa perspectiva historiográfica. Hoje é a vez do Polegar Vermelho. "Oh, e agora, quem poderá me ajudar"?

A princípio, me parece que as aventuras do Chapolim Colorado constituem um universo ainda mais rico para a pesquisa do historiador, por diversos motivos. Como meus movimentos são friamente calculados, explorarei apenas alguns deles.

Uma possibilidade bastante instigante é utilizar os episódios "históricos" de Chapolim para estudar História e Memória na cultura popular. Afinal de contas, como sabemos, Chapolim é um grande contador de histórias, tendo já narrado as façanhas de Cristóvão Colombo, Leonardo da Vinci, Júlio César, entre muitos outros. Aliás, não podemos esquecer que geralmente essas histórias não são narradas isoladamente. Pelo contrário, os relatos de Chapolim são sempre feitos em função dos problemas vivenciados por algum personagem, geralmente desempenhando uma utilidade exemplar, numa perspectiva de "historia magistra vitae", o que por si só já daria um interessante estudo sobre os usos da História na cultura contemporânea. Também não podemos esquecer das inexplicadas viagens no tempo realizadas pelo Vermelhinho, que permitiriam abordagem semelhante, caso de suas aventuras no Velho Oeste, entre piratas, etc.

Além desses episódios "históricos" não podemos esquecer dos literários, que trazem versões chapolinescas de clássicos da literatura como Fausto, "Juleu e Romieta", Pigmaleão, etc. Esses episódios me parecem muito instigantes como fontes para o estudo das relações entre cultura popular e erudita, fornecendo material para Chartier nenhum botar defeito!

Por outro lado, existem outros aspectos instigantes a investigar, como os inúmeros episódios de Chapolim que fornecem alguma representação de situações contemporâneas à época de produção do seriado, especialmente da Guerra Fria, notadamente das corridas armamentista e espacial, como é o caso dos episódios com tramas de espionagem, viagens espaciais, ou armamentos e inventos mirabolantes, como o "extrato de energia volatium" ou o "debilizador potencial". Mas... "Palma, palma, não priemos cânico"! É importante lembrar que essas alusões ao contexto coetâneo nunca são diretas e explícitas, o que, na verdade, só torna seu estudo ainda mais interessante. Além disso, as referências são sempre distorcidas, exageradas, como convém à linguagem humorística, obviamente. Contudo, o que tornaria mais rica essa análise é justamente o caráter periférico de Chapolim, como produção mexicana, oferecendo uma perspectiva diferente do que podemos encontrar num filme de James Bond, por exemplo.

Nesse sentido convém destacar talvez a possibilidade de pesquisa mais significativa em torno do Chapolim. Não podemos esquecer que "El Chapulin Colorado" é um super-herói, notadamente um super-herói latino; por sinal, o único bem sucedido comercialmente, o que diz muita coisa. Afinal de contas, as aventuras de super-heróis são um gênero tipicamente ianque que não costuma encontrar muito sucesso em produções estrangeiras, apesar do evidente sucesso do material exportado dos EUA, como as bilheterias de cinema da última década comprovam fartamente. Uma análise detalhada da figura do Chapolim, de seus poderes, equipamentos, vilões, tramas e valores pode ser muito enriquecedora em termos da reflexão sobre as identidades na América Latina, sobre o modo como nós latino-americanos nos vemos, de que maneira o Chapolim simboliza nosso papel no mundo, etc. Afinal de contas, o papel dos super-heróis é justamente encarnar valores, como estão aí para comprovar Superman ou Capitão América. Por sinal, uma pesquisa como essa deveria necessariamente discutir outra curiosa figura, o Super Sam, "Oh, yeah"! O cotejo entre o Polegar Vermelho e sua contraparte ianque certamente daria oportunidade a reveladoras análises.

Esses dois posts foram apenas uma breve aproximação ao tema. Há muito a se aprofundar e pretendo explorar melhor o universo CH sob as luzes de Clio em outras ocasiões. Aliás, fica a dica para quem se interessar pelo tema; há um vastíssimo território por descobrir! "Não contavam com minha astúcia! Sigam-me os bons"!

domingo, 9 de outubro de 2011

Chaves & Chapolim - Objeto de estudo da História Cultural

Se você já torceu o nariz só lendo o título, só posso lhe dizer uma coisa: "você não vai com a minha cara"? Como meus caros amigos sabem, sou fã incondicional da obra de Roberto Gomez Bolaños, o Chespirito. O tema desse post é uma reflexão que venho desenvolvendo há alguns anos. Na verdade, causa-me estranheza a falta de trabalhos nesse sentido; por sinal, considero-a sintomática dos preconceitos que ainda grassam na academia. Afinal de contas, as séries em questão são um grande sucesso em TODOS os países da América Latina há nada menos que 36 ANOS, sem esquecer que com uma mínima renovação de episódios ao longo de todos esses anos. Não é necessária muita sensibilidade historiográfica para se perceber que há aí algum fenômeno cultural bastante significativo, que escapa ao mero efeito de massificação cultural. Contudo, como sabemos, as pesquisas voltadas para a produção artística de "alta cultura" são sempre vistas com mais benevolência, mesmo que as obras em questão não tenham um alcance social muito amplo. É preferível falar de filmes "de arte" que de cinema pipoca, como tem descoberto meu camarada Rogério Marques, que se aventura a percorrer sendas menos batidas.

Mas voltemos ao tema do post. Ultimamente têm sido publicados alguns livros sobre Chaves. Embora curiosos, a meu ver apenas um tem valor acadêmico apreciável, "Foi sem querer querendo", de Luís Joly, Fernando Thuler e Paulo Franco, fruto de uma pós-graduação em Comunicação Social. Na área de História, nada. Pretendo aqui ventilar algumas sugestões sobre como Chaves e Chapolim podem proporcionar vasto campo de estudos, sendo riquíssimas fontes primárias. Na verdade, Chapolim ficará para outra ocasião, pois há muito, muitíssimo a se falar. "Pois é, pois é, pois é"!

O universo de Chaves é um esplêndido microcosmo que representa de forma estilizada, distorcida e refratada uma complexa constelação de relações muito comuns nas grandes cidades latinoamericanas. De fato, a vila do Chaves é muito interessante pelas dinâmicas relacionais que apresenta, carregadas de tensão e ambiguidade.

Uma das relações que mais me fascina na série é aquela mantida entre Seu Madruga e Prof. Girafales, magistralmente sintetizada no famoso discurso de apresentação da peça das crianças no Festival da Boa Vizinhança, onde Girafales fala sobre Seu Madruga com uma fabulosa mistura de menosprezo, complacência e, talvez, uma ponta de inveja (vide citação nos comentários do post). Os diálogos entre os dois personagens são frequentemente marcados por certa reverência de Seu Madruga ao conhecimento e posição social do professor, apesar de certo desrespeito latente e dissimulado; por outro lado, é nítida a atitude de superioridade de Prof. Girafales, sem falar de seu ostensivo e explícito desprezo por Madruga, mal disfarçado pelas regras de civilidade. No entanto, essa relação tem seu reverso, e muitas vezes, sempre reticente e encabulado, Girafales recorre aos conselhos de Madruga, que diz ser um homem "mais vivido". A relação entre os personagens se baseia toda nas distâncias culturais, no abismo a separar cultura oral e letrada, instrução formal e aprendizado empírico, erudição e malandragem. De fato, sua inserção no mundo do trabalho diz muito: um é o funcionário público especializado e qualificado, o outro o biscateiro faz-tudo, sem emprego ou renda fixa, devendo seus famigerados 14 meses de aluguel... Um episódio onde essas distâncias culturais são exploradas de modo muito interessante é aquele onde os dois ensinam Chaves e Quico a "violar tocão"; as diferentes posturas e métodos dos dois em suas aulas mostram atitudes diversas em relação à cultura musical.

Outra relação interessante é a de Chaves e Seu Barriga, onde a tônica dominante é a benevolência do dono da vila em relação ao menino de rua. Sem dúvida, esta tem muito de ideológico. Barriga é um homem rico, que vive de rendas, mas ao mesmo tempo é bonachão e sempre que possível ajuda Chaves de alguma forma. Além disso, tolera estoicamente os meses de aluguel atrasado de Seu Madruga sem despejá-lo. Essas relações exploram as ambiguidades das relações de classe na América Latina de modo igualmente ambíguo. Nesse sentido é bom lembrar que todos se compadecem da condição miserável de Chaves, muitas vezes fazem algo para mitigar suas necessidades, mas jamais algo definitivo. Por sinal, Dona Florinda o emprega em seu restaurante, mas como trabalhador informal, não fosse a valorosa atuação da União dos Trabalhadores Pró-Juventude, da Associação Pró-Direitos Femininos e do Diretório Nacional dos Veteranos em Restaurantes (os outros significados para as siglas dessas respeitáveis instituições vocês já conhecem); aliás, no fim das contas, não é Chaves que conquista seus direitos, mas Dona Florinda, conscientizada, que os concede, de cima para baixo. Soa familiar, hermanitos?

Há muitas, muitas outras possibilidades a explorar, mas por hoje é só. "Sigam-me os bons"!