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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Qual era realmente o problema do comunismo?

Tradução do interessante relato de Viktor T. Toth, profissional de TI, físico em “meio período”

Como cresci em um país comunista, a Hungria do “comunismo goulash”, me sinto inclinado a oferecer meus pensamentos, apersar do fato de que já há algumas excelentes respostas aqui [no site], como a de Dima Vorobiev. Debato comigo mesmo se posto ou não esta resposta, pois será longa, tortuosa e bastante pessoal. Todavia... talvez seja útil. Em todo caso, vocês estão avisados.

Antes de chegar aos problemas com o comunismo, permitam-me apontar as poucas coisas que eram bem feitas. Essas são as coisas que tornam um monte de pessoas nostálgicas pelo comunismo.

A Hungria do “comunismo goulash” em que nasci no início dos anos 60 não era um lugar desagradável, certamente. Os dias de terror comunista linha dura tinham passado. O regime stalinista de Rákosi tinha sido deposto em 1956, e as retaliações do regime de Kádár terminaram por volta de 1962, quando muitos prisioneiros políticos foram libertados. No tempo em que me tornara consciente do mundo ao meu redor, no jardim-de-infância, o medo não era mais um fator na vida cotidiana.

Tampouco pobreza ou privação. Não, não éramos ricos. Mas não víamos mendigos nas ruas. Até o fim dos anos 60 não era incomum ver, por exemplo, viúvas da guerra (centenas de milhares de soldados húngaros morreram, lutando principalmente do lado de Hitler na II Guerra), licenciadas pelo todo-poderoso Estado totalitário, operando barraquinhas de cigarros ou de legumes ou similares, ganhando a vida nas ruas; mas mendigos de verdade? Não me lembro de jamais ter visto algum. Nem havia filas na vida diária. Ocasionalmente, é claro, quando alguma loja de hortifruti tinha recebido um carregamento inesperado de bananas ou outras comidas de luxo. Mas se tudo que você quisesse fosse simplesmente um pão, leite, manteiga, algumas fatias de mortadela, talvez legumes da estação ou uma maçã... tudo isso era abundante, facilmente disponível até nas menores cidades.

Crimes eram raros. Você podia andar pelas ruas mal iluminadas de Budapeste até tarde da noite. Crime organizado, particularmente, não existia – minha opinião é que um regime cuja própria natureza era criminosa, para começo de conversa, não tolerava competição.

A educação pública funcionava bem. Claro, aulas de História, especialmente quando se tratava do período posterior à Revolução Industrial, era manchado com o dogma Marxista-Leninista, e por alguma razão, aulas de língua estrangeira eram fracas em todo lugar, ao menos baseado em evidência anedótica que ouvi e minha experiência pessoal, mas havia escolas, elas eram funcionais, e até o ensino superior era gratuito; ou você passava nas provas ou você estava fora, mas dinheiro não comprava um diploma.

A saúde pública funcionava. Podiam faltar equipamentos modernos e brilhantes, mas sempre que precisei de cuidados médicos, eram prontamente disponíveis. Quando eu ficava doente, ainda criança, nosso pediatra fazia consultas domiciliares. Mais tarde, eu simplesmente entrava na clínica central do 6º distrito de Budapeste se eu sentisse necessidade de consultar um especialista. Isso incluía atendimento odontológico e oftalmológico. Vacinas não eram opcionais; nós todos recebíamos as vacinas requisitadas na idade indicada na escola, sem solicitação de autorização familiar. Da mesma forma, até adultos eram obrigados a realizar exames pulmonares regularmente – assim foi eliminada a tuberculose.

Quando eu comecei a escola houve um crescimento explosivo no número de automóveis no país. Carros Lada importados da União Soviética eram parcialmente responsáveis por isso. Conseguimos nosso primeiro Lada de uma das primeiras fornadas, em 1970 ou 1971, creio -Um VAZ-2101 “Zhiguli” branco. Era um carro básico, mas um bom carro. Um confiável burro de carga. A última vez que vi aquele carro foi nos anos 90, com um novo dono, obviamente, mas ainda tinha a velha placa (aquelas velhas placas eram designadas para o carro, não para o proprietário), e ainda que gasto, funcionava.

Nossas noites frequentemente se passavam em frente a uma TV em preto-e-branco, assistindo o único canal nacional (um segundo canal, originalmente chamado o canal “a cores”, foi lançado, mas no começo tinha apenas algumas horas semanais de programação, e como transmitia em UHF, aparelhos de TV mais velhos, como o nosso, só recebiam o sinal com um adaptador externo). A programação diária, excetuando umas poucas horas de programação para as escolas durante a manhã, começava no final da tarde. O início da noite tinha documentários, talvez uma série cômica importada ou algum programa sobre atualidades. Então, às 19:15 toda criança no país com acesso a televisão assistia “Urso da TV”, um urso-fantoche muito amado, que apresentava os programas infantis noturnos: geralmente uma animação, incluindo alguns deliciosos desenhos animados poloneses e tchecoslovacos.

O telejornal principal vinha a seguir, e então um filme ou algum seriado importado, séries policiais sendo bastante populares. Eu assisti muitos episódios de Kojak, Columbo, Inspetor Maigret (da França) e outras séries com dublagem húngara (argh, dublagem! Não espanta que o ensino de línguas fosse fraco). As transmissões diárias encerravam por volta das 23:00, depois de alguma programação adicional e um segundo telejornal, mais curto. Até os anos 80 não havia transmissão de TV às segundas. Reza a lenda urbana que Kádár defendia pessoalmente que não houvesse TV às segundas, para que as pessoas passassem a noite com a família. Contudo, quando eu cumpri o serviço militar obrigatório no Exército Popular da Hungria, as noites de segunda eram oficialmente noites de cinema. Pequenas instalações usavam projetores de filme convencionais, enquanto uma base maior onde servi durante um tempo tinha sua própria programação noturna às segundas, em TV de circuito fechado.

Então... um breve registro pessoal da vida na Hungria nos anos 70, início dos 80, sob o “comunismo goulash”. Não parece ruim, parece? Então porque alguém como eu aos 23 anos iria pegar sua mala, atravessar a Cortina de Ferro, pedir reconhecimento como refugiado e tentar começar uma nova vida do zero no Ocidente?

Ah... Eu fui mimado. Terrivelmente mimado. Veja, no início dos anos 70, quando eu tinha 10 anos, minha mãe decidiu fazer a jornada de uma vida e visitar minha tia, que vivia aqui em Ottawa, Canadá, me trazendo junto.

Não foi fácil. Naquela época, viagens para o Ocidente eram estritamente controladas. Cidadãos comuns podiam viajar uma vez por ano, mas apenas se eles tivesse uma carta de convite válida de alguém como um parente, disposto a sustenta-los no exterior. A economia do país passava por uma crise monetária, então havia limites muito restritos sobre quanto dinheiro um viajante poderia trocar. E quero dizer limites realmente muito restritos; segundo me lembro, o máximo permitido a minha mãe e eu era de 30 dólares (!) para férias de seis semanas. Mas essa era apenas a questão financeira. Os pré-requisitos para obter um visto de saída eram muito restritos. Recebemos a visita de um inspetor de polícia (!) que inspecionou nossa casa e anotou nossas circunstâncias, para garantir que nós não estávamos, na verdade, planejando deixar o país para sempre. No fim, foi um processo de meses para obter um visto de saída antes mesmo de podermos começar a solicitar um visto canadense de entrada e que nossos parentes pudessem comprar nossas passagens (que, obviamente, eles tinham de comprar para nós, pois não recebemos permissão de gastos suficientes para cobrir os custos de nossa viagem).

Mas, finalmente, nós embarcamos num voo da Swissair, de Zurique para Montreal, e chegamos no Canadá em uma tarde de verão quente e úmida.

E aquilo... aquilo era como visitar um outro planeta.

A riqueza! A variedade de carros nas estradas! A variedade de comida e outros produtos nas lojas! A alta tecnologia, como calculadoras eletrônicas! Eu já era um nerd de matemática. O respeito entre as pessoas! A polidez com que você era tratado em todo lugar! Era... impressionante.

Vejam bem, é realmente isso. A vida na Hungria do “comunismo goulash” não era ruim. Era até melhor que tolerável. Mas as pessoas sabiam. Elas sabiam quão melhor podia ser a vida, se não fosse pelas restrições arbitrárias e barreiras artificiais do regime. Elas sabiam o que estava ausente das lojas.

Algumas pessoas encontraram maneiras de ultrapassar as barreiras. Pequenos empreendedores, cujos negócios floresciam dentro dos limites impostos pelo Estado comunista. Meu amigo, que realmente tinha não um, mas dois ótimos e brilhantes BMWs em sua garagem dupla, e que foi uma das primeiras pessoas na Hungria a ter um computador pessoal Commodore-64. Mas até ele teve que esperar muitos, muitos anos para que uma linha telefônica fosse instalada em sua casa; até na cidade de Budapeste (uma das primeiras cidades do mundo, por volta de 1930, a ter uma rede completamente automatizada de telefonia) linhas telefônicas levavam mais de 20 anos para serem realizadas.

Nós chamávamos a Hungria “o mais feliz dos quartéis”. Porque em muitas maneiras (incluindo as condições muito reguladas sob as quais cada um recebia permissão para deixar brevemente o paraíso socialista) ela nos lembrava a vida de soldados em serviço.

Por que o regime era tão terrível? Por que ele desperdiçava potencial humano tão deliberadamente?

Eu culpo a premissa básica da doutrina marxista. A ideia de que o “homem socialista” trabalhará sem compensação até o melhor de suas habilidades, e consumir apenas de acordo com suas necessidades, simultaneamente preocupando-se com as necessidades dos outros. A ideia de que o verdadeiro valor dos bens e serviços é determinado pela quantidade de trabalho envolvida, não pela sua necessidade e por sua escassez.

Uma vez brinquei que se essa doutrina fosse tomada literalmente, o produto de meus esforços no vaso sanitário deveria ser muito valioso, pois eu certamente me esforço bastante para produzi-lo. Embora de gosto duvidoso, esta piada ilustra perfeitamente quão ilógico e mal orientado era o dogma comunista.

Agora muitos tentarão convencer você de que o que teve lugar na Europa Oriental ou na União Soviética não era “verdadeiro” comunismo. Que ele desviara de seus princípios centrais logo no começo, ignorando os avisos de pessoas como Trotsky. Bobagem, eu digo. Quando você repete o mesmo experimento sob diferentes circunstâncias e, de novo e de novo, você obtém o mesmo resultado: um Estado policial totalitário com uma economia ineficaz, é hora de parar para pensar.

Mas talvez mais que qualquer outra coisa, os sucessos do comunismo mencionados acima mostram que esses Estados não abandonaram aqueles princípios comunistas centrais. A razão pelas quais Estados no bloco comunista normalmente tinham bons resultados em áreas como educação e saúde pública é precisamente porque essas são áreas que não podem ser medidas usando apenas estatísticas econômicas. Um sistema eficiente de saúde pública não maximiza lucros e minimiza custos; ele maximiza a saúde da população. De modo similar, um sistema educacional eficiente maximiza níveis de letramento e outros índices de escolaridade, não renda.

Infelizmente, uma sociedade saudável e vibrante exige muito mais que saúde e educação. O que talvez tenha inspirado o dito algo críptico (de origem desconhecida para mim ou para o Google) de que “o socialismo é uma coisa boa, mas numa névoa densa, tarde da noite, o capitalismo pode ser melhor”[1].

Com efeito, lembrem como o grande experimento comunista acabou, no fim, não com uma explosão, mas com um mero gemido. A Hungria abrindo suas fronteiras, em particular permitindo a fuga de cidadãos da Alemanha Oriental. A Alemanha Oriental pega despreparada, primeiro tentando restringir as viagens de seus cidadãos até para “países socialistas irmãos” e depois, apressadamente abrindo suas próprias fronteiras de maneira desordenada, levando ao colapso do Estado e à reunificação alemã. A União Soviética de Gorbachev que, depois de sua derrota no Afeganistão e seus próprios problemas internos, não tinha apetite para intervir militarmente, deixando ainda mais valentes esses Estados satélites, que silenciosa, mas rapidamente, se afastaram de ditaduras monopartidárias. Finalmente, o mal aconselhado e mal preparado golpe tentado por grupos de linha-dura, a falha do qual apressou não apenas o colapso do regime comunista, mas a imprevista fragmentação da própria União Soviética.

Aqueles tempos eram um pouco assustadores. Estavam acontecendo eventos que, em thrillers políticos da era da Guerra Fria, geralmente representavam o caminho para o Armageddon nuclear. Em vez disso, houve apenas algumas mortes, por exemplo, na Romênia e na Lituânia, mas a transição, embora rápida, foi bastante pacífica.

Duas imagens desse período permanecem em minha mente. Primeiro, os incontáveis carros da Alemanha Oriental, Wartburgs e Trabants, abandonados na Hungria, perto da fronteira com a Áustria. Seus proprietários devem ter passado anos, senão décadas, na lista de espera antes de obter esses veículos. No entanto, eles também estavam muito conscientes de que aqueles carros eram lixo sem valor no mercado livre. Eu vi isso como um símbolo: como os regimes comunistas desperdiçaram o trabalho, o talento, a criatividade e a vida das pessoas. Essa impressão foi reforçada quando apareceram imagens do protótipo do primeiro ônibus espacial soviético sendo transformado em atração de um parque de diversões, apenas para ser seguida pela visão ainda mais trágica de um hangar mal conservado desabando em cima do próprio ônibus espacial, que realizara um voo espacial não tripulado, mas que nunca tivera a chance de levar cosmonautas ao espaço.

Esse era o problema com o comunismo. É simplesmente um projeto com fundamentos falhos**[2]. Você pode remendar aqui e ali, tentando governar através da polícia secreta, jogando gente em campos de reeducação, instilando terror e um sistema ditatorial de liderança, mas nada disso consertará um sistema se sua premissa básica tiver uma falha profunda. Por outro lado, você pode manter tudo acima: a polícia secreta, os campos de prisioneiros, a ditadura monopartidária, contanto que você jogue fora a doutrina marxista defeituosa e a substitua por uma economia de mercado funcional, como foi feito na China e no Vietnã.



E isso também pode explicar porque as falhas do comunismo são rapidamente esquecidas por gente que se encontrou no lado perdedor do capitalismo frequentemente selvagem que se seguiu ao colapso soviético. De que servem lojas cheias de produtos se você não tem dinheiro para compra-los? Por que você deveria se consolar com condomínios de luxo quando você é expulso do pequeno e desconfortável apartamento onde você cresceu? Por que você deveria se impressionar com um novíssimo aparelho de ressonância magnética quando seus dentes estão apodrecendo porque você não tem meios de pagar um dentista? E se você lembra (ou sabe pela lembrança de seus pais ou avós) como era quando o direito a sua residência era garantido pelo Estado, quando a cesta básica estava sempre disponível a preços que até aqueles de menor renda podiam pagar, quando atendimento médico era realmente universal e gratuito... você não se sentiria nostálgico? Você não sentiria inclinado a ferchar os olhos para a natureza totalitária do regime que garantia tudo isso, mesmo com suas ineficiências e falhas manifestas?



No fim das contas, o que é melhor: um Tesla Roadster que você não pode comprar, ou um Zighuli desajeitado e sedento de gasolina, mas confiável, que você pode adquirir, mesmo que ele não tenha câmbio automático?






[1] Desde então eu perguntei a minha mãe sobre esse dito. Ela acredita que ouviu isso no rádio nos anos 60, em um programa de sátira política (sim, havia sátira política no “comunismo goulash”). Era uma piada envolvendo uma conversa entre dois pequenos empreendedores bem-sucedidos, óbvios beneficiários do regime. Um deles se queixa: “Você sabe, quando eu dirijo por aquela grande avenida de Budapeste em uma névoa densa, numa noite escura, eu sempre me perco. Antes da guerra, você podia identificar onde estava pelas placas de lojas conhecidas. Mas hoje? Todas as placas de lojas estatais são iguais e você nunca sabe onde está; todas as esquinas parecem iguais”. Seu amigo concorda e responde: “Sim, acho que você está certo. Porque o socialismo é uma coisa boa. Mas numa névoa densa, tarde da noite, o capitalismo é melhor”.


[2] Alguém, em uma conversa, sugeriu que sou um anticomunista juramentado. Não sou. Eu vivi sob o comunismo e não gosto dele, apenas isso. Eu hoje vivo no capitalista Canadá. Eu não sou cego às falhas desta sociedade, mas é uma sociedade incomparavelmente mais decente. Mas às vezes nós toleramos as falhas de uma sociedade fundamentalmente boa menos que aquelas de uma sociedade defeituosa desde a base. Uma outra piada me vem à cabeça, esta de um livro do imortal (não realmente; ele morreu de tifo em um batalhão de trabalho forçado em 1943, onde ele foi recrutado devido a sua ascendência judaica) Jenö Reitö, cujos romances, em sua maioria escritos nos anos 30 e muitos deles passados na Legião Estrangeira Francesa, são deliciosas leituras ainda hoje, engraçados como os de Douglas Adams. Esta piada envolve um cozinheiro gourmet que acaba em um batalhão penal, mas depois se encontra em uma base onde acontece um cambalacho colossal. Para manter os prisioneiros quietos, no entanto, eles são mantidos em conforto, o que inclui acesso a comidas luxuosas. O protagonista acaba enrascado de qualquer maneira, e quando seus amigos perguntam por que, ele responde: “Lá em Manson [cidade africana fictícia], eles apenas cozinhavam comida de má qualidade. Isso posso tolerar. Mas aqui, eles cozinham mal comida de boa qualidade, e isso é insuportável”.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Um retrato da caserna

Testemunho deliciosamente irreverente do antropólogo Messias Basques sobre sua experiência no Serviço Militar Obrigatório


Quem teve o desgosto de ser obrigatoriamente alistado para o “tiro de guerra” pôde ver de perto o cotidiano das Forças Armadas. É muito zoado, uma mistura de Loucademia de Polícia com escotismo meia-boca e obsessão por passar a vida ouvindo ofensas e xingamentos de superiores.



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Vida como jogo

"Se Deus é digno da suprema seriedade, e o homem não passa de um joguete de Deus, e esse é o melhor aspecto de sua natureza. Portanto, todo homem e mulher deve viver a vida de acordo com essa natureza, jogando os jogos mais nobres, contrariando suas inclinações atuais [...] Pois eles consideram a guerra uma coisa séria, embora não haja na guerra jogo ou cultura dignos desse nome, justamente as coisas que nós consideramos mais sérias. Portanto, todos devem esforçar-se ao máximo por viver em paz. Qual é, então, a maneira certa de se viver? A vida deve ser vivida como jogo, jogando certos jogos, fazendo sacrifícios, cantando e dançando, e assim o homem poderá conquistar o favor dos deuses e defender-se de seus inimigos, triunfando no combate".
Platão

Gregos jogando para seus deuses

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Ájax futurista

"...um dia, o filho mata o pai... O povo mata o rei... O homem mata Deus... Não se trata de inveja. É uma ação necessária para poder andar com os próprios pés! [...] Mesmo que o meu corpo seja destruído, a minha vontade de ferro é imortal! Lembre-se, ó manipulador de fantoches que observa do alto de seu pedestal em Zalem! [...] Povo de Zalem... Escute-me através dos ouvidos do anjo da morte... A minha voz representa a ira do povo da superfície... Fomos perseguidos e pisoteados durante séculos pelo sistema opressor de Zalem e de sua Factory! Saibam que minhas palavras representam o ódio dos mortos inocentes! A devastação e a estagnação da superfície! O ódio e o desalento deste mundo são culpa de Zalem! Lembrem-se! Um dia vocês pagarão por terem tirado o céu de nosso alcance! [...] Este meu corpo é só uma carcaça. Nunca poderão me matar de verdade. Pode atirar! Aproveitem essa vitória momentânea!"
Den of Barjack [Battle Angel Alita]

Ciborgue indomável

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Batman na arena política

Os primatas do planeta Terra nos surpreendem ao cabo das translações solares.

Nos anos 50, no auge da paranoia macartista, Batman era acusado de induzir os meninos à homossexualidade; quem diria que décadas depois ele seria acusado de "fascista" pelas militâncias de esquerda... Coitado do morcegão!

O personagem salta há mais de 80 anos pelos telhados de Gotham City e já foi abordado de inúmeras maneiras ao longo dessas décadas. 

É curioso que as militâncias digitais andem  mais preocupadas com a fortuna Wayne que com o Batman propriamente dito. Qualquer leitor atento sabe que Bruce Wayne, o entediado playboy milionário, desde a primeiríssima história,  sempre foi apenas a máscara do Batman.

Na história inaugural, publicada na revista "Detective Comics 27" em maio de 1939, Batman figura desde o começo como protagonista. Wayne aparece durante toda a narrativa apenas como um jovem cuja frivolidade chega a ser casualmente lamentada pelo Comissário Gordon. Só nas duas últimas vinhetas ocorre a revelação: Batman é Bruce Wayne. O milionário fútil, entojado e almofadinha talvez até causasse alguma antipatia aos jovens leitores que tiveram a honra de testemumhar a estreia do Cavaleiro das Trevas.

Para todos nós que viemos depois, é impossível saber, pois lemos desde a página 1 sabendo que Wayne e Batman são a mesma pessoa. Há de fazer diferença.

Quanto a Batman ser um "espancador de pobres", vale lembrar que o vilão da primeiríssima aventura era um milionário que assassinava os próprios sócios para dominar sozinho o negócio. Batman surgiu combatendo um "capitalista selvagem".

De resto, elucubrações excessivas sobre as dinâmicas sociais e políticas de Gotham City, uma cidade ficcional, beiram o ridículo. Como bem sinalizava David Mazzuchelli, desenhista de "Batman-Ano Um", uma das histórias mais icônicas do personagem, quanto mais realismo se tenta aplicar ao fantasioso universo dos super-herois, mais evidente se torna o absurdo da premissa original.

Vale notar, inclusive, que "Ano Um", publicada em 1987, mostra um novato Batman em confronto com uma Gotham City decadente e degradada, dominada por empresários gananciosos e mafiosos associados a um prefeito e uma força policial corrupta. Uma das sequências mais emblemáticas da série mostra Batman invadindo um banquete dessa predatória elite e anunciando sua cruzada por Gotham: "Senhoras e senhores, vocês comeram bem. Comeram a riqueza de Gotham... Seu espírito. O banquete acabou. De hoje em diante nenhum de vocês estará a salvo".

Digna de nota também é a longa sequência de aventuras do Batman produzidas pelos engajados Dennis O'Neil e Neal Adams nos anos 70, entusiastas da contra-cultura da época, muitas vezes abordando temáticas sociais com uma abordagem nada elitista. Uma dessas histórias chega a retratar Batman ajudando guerrilheiros contra um regime ditatorial em um fictício país latino-americano!

Desde sua primeira aparição nos quadrinhos em 1939, Batman figurou em literalmente milhares de obras midiáticas, incluindo HQs, livros, animações, séries televisivas, filmes e video-games, entre outras, com abordagens variadíssimas. Há versões de Batman para todos os gostos e desgostos.

Reduzir Batman a um sádico milionário fantasiado de morcego para espancar bandidos pobres é algo tão simplório que beira o ridículo. Mas é desse tipo de reducionismo que se alimentam as paixões políticas e as querelas estéreis e ociosas. 

Discursos bobos e superficiais como o do meme acima só trazem descrédito àqueles que os reproduzem e banalizam questões sérias como violência urbana e desigualdade social; pouco contribuem para o debate público e até fortalecem as forças políticas que pretendem criticar.

#Reflita

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Servidor Público: Guardião da Democracia e da Liberdade

Oportuna e interessante reflexão do historiador conservador Christopher Dawson no livro O julgamento das nações (1942); em plena II Guerra Mundial, Dawson sinalizava para a importância do servidor público autônomo, ativo, altivo e consciente para a preservação da liberdade, contra a sempre possível escalada de tirania por parte de governantes eleitos (vale lembrar que o partido nazista chegou ao poder por via eleitoral). Grifos meus.


Na verdade, o servidor público é mais apto que o empresário ou o político para para representar o princípio do serviço desinteressado e a honra profissional na sociedade moderna em face da motivação capitalista de lucro e da vontade de poder ditatorial. No passado, é verdade, foram os elementos negativos da burocracia que se tornaram mais evidentes, o que resultou na associação, na mentalidade popular, disso com excessiva regulamentação e formalismo, com a evasão da responsabilidade pessoal e o amor pela rotina. [...] Houve uma expansão imensa nas funções e no poder da burocracia que muito se distancia do que era um século atrás [...]. Mesmo assim, nossa sociedade ainda não assimilou a mudança, e a opinião pública ainda está influenciada pelos hábitos mentais que pertenceram a tradições que há muito deixaram de existir. O serviço público ainda não percebeu plenamente a extensão dessa responsabilidade. Não basta ser um especialista competente e trabalhador. Nada pode ser mais respeitado do que o padrão da burocracia alemã. Por essa mesma razão, todavia, foi o servo obediente de um poder qualquer produzido por quaisquer meios a obter o controle do Estado. [...] Em outras palavras, o servidor público deve ser, ele mesmo, um homem livre e um cidadão, se tem de administrar uma sociedade livre.


Guardadas as diferenças de contexto entre o Reino Unido na época de Dawson e o Brasil atual, suas observações se fazem mais que oportunas no atual contexto em que tramita uma "Reforma Administrativa" que ameaça as bases do serviço público tal como postuladas na Constituição de 1988. Ao consagrar a figura do servidor público CONCURSADO, nossa atual Constituição visa garantir justamente que sejam selecionados para servir à população profissionais plenamente capacitados para o exercício de suas respectivas funções - ao contrário do que prevalecia antes de 88. Infelizmente, como os britânicos de 1942, boa parte dos brasileiros de 2020 "ainda não assimilou a mudança".


O servidor público concursado não pode se tornar um joguete nas mãos de políticos cujos mandatos são passageiros, não pode ser reduzido, retomando as palavras de Dawson a um "servo obediente de um poder qualquer". Nesse sentido, vale lembrar as reflexões de Hannah Arendt sobre a "banalização do mal" no regime nazista, muitas vezes perpetrado por funcionários públicos que, como Eichmann, "apenas seguiam ordens".


De resto, vale lembrar que na história recente de nosso país, os grandes escândalos de corrupção e de negligência ao bem comum raramente são protagonizados por servidores públicos concursados, mas sim por empresários e políticos, motivados, como sinalizava Dawson, por lucro e poder. Os cúmplices e articuladores desses tristes conluios, na maioria das vezes, são os ocupantes de cargos comissionados, apadrinhados por políticos, muitas vezes sem a mínima capacitação para a função que deveriam desempenhar.


Nesse sentido, é do interesse de todo cidadão brasileiro rechaçar vigorosamente essa Reforma Administrativa em pauta, à medida que enfraquece o servidor público capacitado, responsável e comprometido com a população. E cabe também aos servidores públicos concursados, cada vez mais, tomar consciência de sua imensa responsabilidade como guardião da democracia e da liberdade contra todo tipo de arbitrariedade, abuso ou até tirania por parte das autoridades eleitas.




quinta-feira, 10 de setembro de 2020

No limits


Leia-se: "para apadrinhados, o céu será o limite". Ou, como diria Buzz Lightyear, "ao infinito e além"!

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Humanos, cobaias e cientistas

"Meu caro Ido... Neste mundo existem apenas dois tipos de seres humanos... As cobaias e os cientistas que têm o direito de dissecá-las".
Dr. Desty Nova [Battle Angel Alita]

Duas coisas muito difíceis

Dissuadir alguém de cometer tolices; persuadir alguém a tomar atitudes sensatas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Cada "ordem" traz o "progresso" que lhe corresponde.

Obviedade

Ao contrário do que querem os religiosos, a existência de Deus não é óbvia. Tampouco é óbvia sua inexistência, como pretendem os ateus. Entre uns e outros, a única obviedade é a arrogância humana, que toma seus desejos por verdades e suas conveniências por certezas. A vida e o universo são repletos de mistérios, e mistérios se recusam a ser óbvios.