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sábado, 29 de fevereiro de 2020

Sou Mestre, não és nada

"Mein ist das Wort und das Wort ist das Wissen.
Das Wissen ist Macht und Macht ist entrissenes Recht...

Denn ich bin dein Meister
Denn ich bin dein Meister
Ja, ich bin dein Meister
Und du bist nichts
Denn ich bin dein Meister
Denn ich bin dein Meister
Ja, ich bin dein Meister
Und du bist nichts
Nichts als mein Knecht!"

Trecho da canção Denn ich bin der Meister, do álbum Zaubererbruder, da banda ASP, baseado no encantador clássico infanto-juvenil Krabat, de Ottfried Preussler. Seguem minha vexaminosa tradução e a canção propriamente dita: 

"Minha é a palavra e a palavra é saber.  Saber é poder e poder é direito usurpado.../Então sou teu Mestre/Então sou teu Mestre/Sim, sou teu Mestre/ E não és nada/.../Nada senão meu servo".


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Por onde anda o Nióbio?!

Menos de um ano atrás o nióbio era o minério milagroso que alavancaria a economia brasileira a patamares de prosperidade jamais sonhados - como toda panaceia fantasiada nesse país de salvadores da pátria.

Agora ninguém mais fala no pobre coitado - e nossa economia segue estagnada, com o dólar na estratosfera, inflação amargosa e índices de desemprego vexaminosos.

Será que a galinha dos ovos de nióbio morreu?! Ou anda escondida com as vigas da Perimetral...? Mistérios da terra do pau-brasil...





Waldeinsamkeit

Lá por volta de 2004 tive a maravilhosa e inesquecível oportunidade de realizar um estágio de iniciação científica num laboratório de Arqueologia. Durante um ano e meio tive a oportunidade de participar da escavação de um sambaqui e de modestas fortificações setecentistas.

Para além dos encantos do ofício arqueológico e do companheirismo que somente o trabalho de campo proporciona, a paisagem era fascinante.

Nossas escavações eram na Enseada de Piraquara, área de proteção ambiental em Angra dos Reis. Havia uma paradisíaca nesga de praia, altas falésias e uma densa vegetação de Mata Atlântica.

Vez por outra minhas obrigações exigiam que me afastasse de meus colegas ou que eu permanecesse sozinho no sítio arqueológico.

Tenho carinhosas recordações desses momentos solitários na floresta. É difícil descrever a sensação de liberdade que se experimenta caminhando solitário na penumbra da mata ruidosamente silenciosa, ouvindo o distante acalanto das ondas do mar, a dança da brisa com folhas e ramos, os passos apressados de animais afugentados, entre outros mil sons que povoam esses recônditos recantos.

Uma quietude contemplativa e sonhadora nos invade quase instintivamente, como se estivéssemos fora do fluxo normal do tempo. Sozinho na floresta, o bicho-homem se apequena e se engrandece.

Certa feita, num momento em que a azáfama arqueológica não me requisitava, passei cerca de meia hora sentado numa pedra, no meio do mato, mais ouvindo que vendo, atento ao tanto que se passava longe dos meus olhos mas chegava a meus ouvidos. Ouso dizer que foi um dos momentos mais sublimes que já vivi - sobre o qual depois cheguei a escrever um bucólico poema místico.

Ontem descobri que a língua alemã possui um termo específico para isso: Waldeinsamkeit - o deleite de se estar sozinho numa floresta. Achei bonito. É sempre bom quando, primatas palavrosos que somos, conseguimos encontrar uma palavra que nomeie uma experiência profunda e deslumbrante.

Que bom seria se tivéssemos mais oportunidades de vivenciar Waldeinsamkeit...



“Liberdade é poder dizer algo que os outros não querem ouvir”.
George Orwell

domingo, 23 de fevereiro de 2020

O Fenômeno Sanders

Quem diria que menos de 30 anos após o colapso soviético teríamos um candidato autoafirmado socialista como sério concorrente à Casa Branca? Se me dissessem algo assim 10 anos atrás, eu consideraria loucura! 

Independentemente dos resultados concretos, 
o fenômeno Sanders é indicador de curiosas mudanças sociais e culturais nos EUA. A observar com atenção...



sábado, 22 de fevereiro de 2020

O Jogo da Vida

No Jogo da Vida, alguns ganham, outros tentam ganhar. Há também os que sonham ganhar. Muita gente se dá por contente de não perder  muito. Por fim, muitos já nascem praticamente desclassificados para a disputa...

Cada qual com seus dados...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Capitalismo, Socialismo e Consumo - Uma reflexão comparativa sobre o caso alemão (1945-1990)

Segundo a sabedoria de Seu Madruga - um dos maiores pensadores latino-americanos - a diferença entre a Alemanha Ocidental e a Oriental é que numa se bebia cerveja e na outra, vodca. Daí poderíamos inferir que o Capitalismo é fermentado e o Socialismo é destilado?

Bier oder Vodka?




quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Pedras de tropeço

Os cristãos que põem e impõem normas, fardos e prescrições variadas acima do amor e da compaixão incondicionais ainda não compreenderam a essência libertadora da mensagem cristã. Não são livres, nem conhecem a verdade que liberta. 

Desconhecem a verdade, da qual se acham donos. Desconhecem a Deus, que compreendem em demasia. Como donos da verdade, não serão jamais buscadores de uma verdade que já julgam possuir e dominar. 

Adoram ídolos fabricados em suas pueris fantasias de controle e poder. Servem-se de Deus, em lugar de servi-Lo. Transformam-se em ventríloquos da divindade, que manipulam qual fantoche. A "palavra de Deus" é sempre aquela que sustenta seus preconceitos, ódios e caprichos, adulando seu soberbo senso de superioridade moral. 

Apedrejariam a mulher adúltera, desprezariam o bom samaritano e rejeitariam o filho pródigo - crucificam Jesus diariamente. Adoram o Cristo, mas clamam por Barrabás. Olham, mas não enxergam. Ouvem, mas não escutam. São apenas cegos conduzindo cegos, falsos profetas, fariseus redivivos.

Preferem a letra que mata ao espírito que vivifica.

Em sua soberba, fazem-se pedras de tropeço, para cristãos e não-cristãos. 

Autonomeados porteiros do Paraíso, certos de sua "salvação", fazem do mundo um dantesco purgatório. Sua religião é maior que Deus - rematada tolice, como dizia Shakespeare. 

Felizmente, para eles, o amor cobre a multidão dos pecados. E Deus, diz a sabedoria joanina, é Amor. A estrada de Damasco possui mais curvas que imaginamos, e é longa como o Universo...


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Piada Carioca

A maravilhosa, mui heroica, leal etc etc Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi nomeada pela UNESCO como "Capital Mundial da Arquitetura" durante o ano de 2020.

Deve ser piada... Como pode a cidade mais caótica do continente americano ser "Capital Mundial da Arquitetura"?! Faz pensar que alguém na UNESCO andou tomando umas caipirinhas a mais...

Apenas a patética Ciclovia Tim Maia já deveria servir como critério de desclassificação imediata para o título!!!

Em minha humilde opinião carioca, nomear o Rio como "Capital Mundial da Arquitetura" seria equivalente a conceder o Nobel da Paz a Hitler... Heil, Rio!!!


sábado, 15 de fevereiro de 2020

À Victor Hugo

Maître, comme il revient souvent, l'anniversaire
Des monarques puissants dont le règne éphémère,
Après quelques printemps, au tombeau doit finir ! ...
Il faut qu'un siècle passe avant que nous revienne
Ton jour de fête, ô roi de la pensée humaine
Dans l'immense avenir !

Il suffit, pour marquer la fuite des années
S'engouffrant dans l'abîme avec nos destinées,
Qu'un monde, par un astre en l'éther emporté,
Ait parcouru l'ellipse où son disque s'engage.
Mais les ans sont trop courts : les siècles comptent l'âge
De l'immortalité !

Te voici donc au seuil de ton apothéose ;
Un autre temps redit la chanson grandiose
Que sur la lyre d'or ton génie accorda.
L'Océan a clamé ton nom à notre plage ;
Puisse sa grande voix te rapporter l'hommage
Du lointain Canada !

Et si notre vivat aux bravos se marie,
C'est que nous chérissons la langue et la Patrie
Que tu couvres de gloire avec tes chants vainqueurs :
C'est bien ton verbe noble à la mâle cadence
Qui vibre dans nos voix, c'est bien ta noble France
Qui vibre dans nos coeurs !

Malgré les faibles sons d'une lyre inhabile,
Nous voulons célébrer ton oeuvre indélébile,
En des vers fugitifs que guette le néant,
Pardon, si notre Muse, ô maître, ambitionne
Cet orgueil d'élever sa modeste couronne
Jusqu'à ton front géant !
Charles Gill

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

As verdadeiras afinidades não cabem dentro de rótulos. É impossível encerrar corações grandes em limites mesquinhos.
"Sempre se pode mencionar Wittgenstein, já que ele é suficientemente vago para sempre parecer relevante".
Nassim Nicholas Taleb
"Um ataque ad hominem contra um intelectual, não contra uma ideia, é altamente lisonjeiro. Ele indica que a pessoa não tem nada de inteligente a dizer sobre sua mensagem".
Nassim Nicholas Taleb

Viral

"Repetirei o seguinte até ficar rouco: o que determina o destino de uma teoria na ciência social é o contágio, não sua validade".
Nassim Nicholas Taleb


Cozinha fluminense - Fevereiro, 2020


-Eu não curto muito música clássica [sic], só para relaxar quando estou estressado...
-Você não estaria confundindo Ravel com Rivotril?

No mesmo barco...?

Estamos todos no mesmo barco - alguns em luxuosos camarotes, outros amontoados no porão e muitos ao relento na coberta.

E não há botes salva-vidas para todos.

A antropofagia de naufrágio não está descartada. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Eça x Marx

A Capital é muito mais interessante que O Capital. Por sinal, a leitura de A Capital seria muito útil a toda a gente que anda por aí citando (não necessariamente lendo) O Capital...


A Arte da Crítica de Arte

Riggan:
Call the police... let's read your f***in' review. "Lacklustre..." That's just labels. Marginality... You kidding me? Sounds like you need penicillin to clear that up. That's a label. That's all labels. You just label everything. That's so f***in' lazy... You just... You're a lazy f***er. You know what this is? You even know what that is? You don't, You know why? Because you can't see this thing if you don't have to label it. You mistake all those little noises in your head for true knowledge.

Tabitha:
Are you finished?

Riggan:
No! I'm not finished! There's nothing here about technique! There's nothing in here about structure! There's nothing in here about intentions! It's just a bunch of crappy opinions, backed up by even crappier comparisons... You write a couple of paragraphs and you know what? None of this cost you f***in' anything! The F***! You risk nothing! Nothing! Nothing! Nothing! I'm a f***ing actor! This play cost me everything... So I tell you what, you take this f***ed malicious cowardly shitty written review and you shove that right the f*** up your wrinkly tight ass.

O melhor diálogo de "Birdman". Dá o que pensar...


domingo, 9 de fevereiro de 2020

A voz dos tolos

Quem oferece um microfone a um tolo deve ser ainda mais tolo - mas há quem bata palmas para a dança de loucos. É preciso ser bobo para dar ouvidos a bobagens. Muitas vezes há sabedoria em se fazer de surdo - e ainda maior sabedoria em se passar por mudo.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Infinitas Joias na Rede de Infinitos Reflexos

Muito longe, lá na morada celeste do grande deus Indra, existe uma rede maravilhosa, pendurada por um artífice astuto de tal maneira que ela se estica indefinidamente em todas as direções. Seguindo os gostos extravagantes das divindades, o artífice pendurou uma única joia reluzente em cada nó da rede, e, como a rede em si tem medidas infinitas, o número das joias é infinito.

Lá estavam as joias, reluzentes como estrelas de primeira grandeza, uma visão maravilhosa. Se agora escolhêssemos arbitrariamente uma dessas joias para inspecioná-la e olhássemos bem de perto, veríamos que, em sua superfície polida, estão refletidas todas as outras joias da rede, de número infinito. Não apenas isso. Cada uma das joias refletidas nessa joia também reflete todas as outras joias, de sorte que o processo de reflexão é infinito.
Famosa passagem do Avatamsaka Sutra


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Minúsculos humanos

"We may, I believe, regard it as extremely improbable that our understanding of the world represents any definite or final stage, a maximum or optimum in any respect. By this I do not mean merely that the continuation of our research in the various sciences, our philosophical studies and religious endeavour are likely to enhance and improve our present outlook. What we are likely to gain in this way in the next, say, two and a half millennia-estimating from what we have gained since Protagoras, Democritus and Antisthenes-is insignificant compared with what I am here alluding to. There is no reason whatever for believing that our brain is the supremene plus ultra of an organ of thought in which the world is reflected. It is more likely than not that a species could acquire a similar contraption whose corresponding imagery compares with ours as ours with that of the dog, or his in turn with that of a snail".
Schrödinger


domingo, 2 de fevereiro de 2020

Ao fim das férias...

"En aquel pasaje de las Enéadas que quiere interrogar y definir la naturaleza del tiempo, se afirma que es indispensable conocer previamente la eternidad, que —según todos saben— es el modelo y arquetipo de aquél. Esa advertencia liminar, tanto más grave si la creemos sincera, parece aniquilar toda esperanza de entendernos con el hombre que la escribió. El tiempo es un problema para nosotros, un tembloroso y exigente problema, acaso el más vital de la metafísica; la eternidad, un juego o una fatigada esperanza. Leemos en el Timeo de Platón que el tiempo es una imagen móvil de la eternidad; y ello es apenas un acorde que a ninguno distrae de la convicción de que la eternidad es una imagen hecha con sustancia de tiempo. Esa imagen, esa burda palabra enriquecida por los desacuerdos humanos, es lo que me propongo historiar".
El Borges

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Avó exorcizada, Tio excomungado, Amigo ateu

Minha avó nasceu em 1926, em Agostinho Porto (então distrito de Nova Iguaçu), com o tremendo azar de ser canhota. Como sugerem as neurociências, a condição de canhoto pode derivar de inúmeros fatores genéticos ou epigenéticos, desenvolvimento fetal e até experiências durante a primeira infância.

Para azar da pequena Nair, no entanto, sua avó materna (minha trisavó), não entendia nada de neurociências, mas entendia muito da religiosidade popular. Canhotos, a velha senhora de ascendência açoriana bem sabia, tinham parte com Satanás - por sinal, entre muitos apelidos interessantes, como Lúcifer, Coisa Ruim, Capa Verde, Capiroto e Capeta, o bom e velho Satã também costuma ser referido, no linguajar popular como "O Canhoto".

Não espanta. Canhotos são um grupo minoritário (cerca de 10% da população mundial) e não é raro, em diversas culturas, que traços minoritários e desviantes recebam conotação negativa. Na tradição cristã, o polo negativo por excelência era Satanás e, portanto, um comportamento aberrante como o uso predominante da mão esquerda só podia ser obra do Senhor dos Infernos, assim como sucedia a pessoas que nasciam com o azar de serem ruivas ou albinas. De pessoas com certos "defeitos físicos" também se dizia que "Deus marcou para não perder de vista".

Vale lembrar que (como tudo) a figura de Satanás no imaginário cristão tem uma História, como bem assinalam Robert Muchembled e Jean Delumeau, entre tantos outros. Nos primeiros séculos do Cristianismo as interpretações sobre os "espíritos imundos" permaneceram bastante ambíguas; a imagem do demônio como Mal Absoluto é uma invenção tardia, que começou a emergir na Baixa Idade Média, por volta do século XII e se consolidou com força crescente na Idade Moderna, era dourada dos "estudos" demonológicos e das caças às bruxas.

Não se imagine, todavia, que, nos albores do esclarecido século XX, tal pavor fosse exclusivo da gente iletrada de Agostinho Porto, periferia da periferia do mundo. Poucas décadas antes, em Paris, cidade tão emblemática da modernidade, centro produtor e difusor de tantas nouvautés a homilia de certo padre Janvier ressoava na nave da encantadora catedral de Notre-Dame de Paris, na quaresma de 1907:


Imagina muita gente que o demônio não é mais que um símbolo, uma figura literária que não corresponde a coisa alguma na Criação, uma ficção poética, uma palavra que serve para designar o mal e as paixões: é um erro. O demônio, na doutrina católica, é um ser perfeitamente real, uma personalidade distinta do resto da natureza, tendo vida, ação e domínio próprios. O que, porém, é infinitamente mais temível é a ação ordinária, contínua, exercida por Satanás na Criação, a intervenção real e oculta que tem no curso dos sucessos e das estações, na germinação das plantas, no desencadear dos ventos e das tempestades (grifos meus).


Como se nota, o imaginário do padre Janvier, embora reagindo às críticas da modernidade, estava ainda muito longe do "desencantamento do mundo" assinalado por Weber. A bem dizer, nessa breve citação se encontram inúmeros estratos da história das culturas popular e erudita. O demônio do padre Janvier soa quase pré-tridentino, mesclando um pouco da figura do Demiurgo, senhor do mundo material, tão proeminente entre os maniqueístas e gnósticos da Antiguidade, quanto nas tradições populares do campesinato europeu. É um demônio que, senhor da vegetação e dos fenômenos atmosféricos, não deixava espaço ao saber dos botânicos ou dos meteorologistas. A homilia parisiense e o pensamento de minha iletrada trisavó habitavam a mesma morada.

Para todos os efeitos, assim que a pequena Nair começou a mostrar suspeita destreza com a mão esquerda (note-se, por favor, o trocadilho), sua avó iniciou um processo caseiro de "exorcismo" - bastante comum, pelo que já ouvi falar. Daí em diante, minha avó passou a receber frequentes palmadas com colher-de-pau na mão esquerda, para que a dor a forçasse a privilegiar a destra, como se esperava de uma boa menina católica, devidamente desencapetada.

Para alívio de minha trisavó, o exorcismo da jovem Nair foi bem sucedido. No entanto, o resultado final foi a formação de uma destra frustrada! Minha pobre avó nunca chegou a desenvolver a contento a coordenação motora fina da mão direita, o que se revelava particularmente em sua vacilante caligrafia, bastante legível, mas, definitivamente, feia.

Dona Nair se sentia ligeiramente embaraçada por sua caligrafia e reclamava constantemente da ignorância de sua avó, que reprimira seu desenvolvimento natural como canhota. Acredito que tal vergonha fosse acentuada pela elegantíssima caligrafia de meu avô. Minha avó tinha verdadeira ojeriza a todo tipo de "superstição" e veio a se tornar uma católica pouco praticante; muito mais tarde, se tornou espírita convicta e entusiástica - o que, calculo, causaria grande desgosto à minha trisavó e talvez confirmasse suas suspeitas de que, desde o início, havia uma semente diabólica naquela  menina.

Não posso afirmar com certeza, mas suspeito que tais sessões de exorcismo doméstico tenham contribuído para que minha avó se tornasse uma católica pouco ortodoxa e, principalmente, para o horror que ela sempre manifestava quanto às "superstições". Talvez fosse também por isso que ela se tornou a mais atenta vigilante de minha caligrafia e fiscal preferencial dos cadernos de caligrafia que eu preenchia quase diariamente até meus 12 ou 13 anos de idade. Me censurava constantemente por segurar o lápis com pouca firmeza, afirmando que o lápis dançava como uma bailarina em minha mão. Finalmente, em seus últimos anos de vida, ela mesma se dedicava a preencher cadernos de caligrafia, não tanto para aperfeiçoar a letra, mas para exercitar o cérebro, dizia ela.

Por sinal, a única informação que minha avó me comunicou (muito mais que uma vez) sobre sua própria avó era essa anedota. Em minha imaginação se sedimentou a imagem de minha trisavó como uma tirana rabugenta e fanática - espero que a realidade fosse distante disso, mas fica a impressão de que ela não deixou muitas recordações agradáveis para a neta. Nunca havia parado até agora para me perguntar, mas a memória familiar me sugere que ela faleceu cedo, quando minha avó ainda era pequena.

Assim calculo porque minha bisavó faleceu precocemente, durante o parto de meu tio-avô Manoel - ou, familiarmente, "Tio Manel". Minha avó, com seus 10 anos de idade, largou os estudos e, como irmã mais velha, assumiu a responsabilidade pelos menores, o que me leva a crer que a matrona exorcista já não se encontrava entre eles.

Minha avó e Tio Manel desenvolveram uma relação que era mais característica de mãe e filho que de irmãos. Mesmo meu avô, que conheceu Tio Manel já adolescente, também o considerava "como um filho", mais que como cunhado. Já bem velhinhos, o irmão caçula ia todo sábado, religiosamente, visitar a maternal irmã; jamais esquecerei quão devastado Tio Manel parecia nos funerais de minha avó.

Tive convívio muito próximo com Tio Manel ao longo da vida. Ele era um homem muito irreverente, em todos os sentidos do termo. Apesar de pouca escolaridade, questionador como ninguém, sempre suspeitoso de todo tipo de autoridade religiosa, política ou científica. Era o tipo de pessoa que só dava crédito ao que conseguia entender, deixando a dúvida pairar sobre todo o resto. Sempre tinha um comentário irônico na ponta da língua.

Uma anedota dá bem a dimensão da figura. Durante o longo conclave para eleição do sucessor de João Paulo II a mídia dava grande cobertura à vaticana liturgia e ao código da fumaça negra e da fumaça branca com que se comunicavam os resultados das sessões diárias. Em certa ocasião, assistindo o telejornal, Tio Manel ridicularizava o rito eclesiástico, que considerava anacrônico e patético. Numa das tiradas "politicamente incorretas" que lhe eram peculiares, se questionava se o código não devia ser aperfeiçoado: se o papa fosse branco, fumaça branca; se fosse negro, fumaça negra; se fosse gay, fumaça rosa... Comentário tão irreverente sobre Sua Santidade seria digno de um herege - o que, de fato, ele era.

Lá pelos anos 40, o menino Manel, como toda criança católica, foi encaminhado à catequese na paróquia local, para a preparação necessária para sua primeira Eurcaristia. O problema era que o garoto questionava tudo que a catequista dizia! Ao fim e ao cabo, a maternal irmã foi convocada à igreja. Segundo minha avó, a catequista afirmava que Tio Manel "não levava jeito para a coisa" e gentilmente convidou que ele fosse retirado da turma de catequese. Assim foi feito, e o jovem Manel nunca tomou parte na teofagia eucarística; mais que excomungado, pode-se dizer que ele era algo como um "acomungado".

Nada disso impediu Tio Manel de se tornar um católico à moda dele - vale dizer, um herege. Em algum momento de sua juventude se tornou devoto de São Jorge, e dizem que era devoto muito fervoroso, o que não cheguei a ver com meus próprios olhos. Quando nasci, sua devoção já era mais moderada, mas sempre levou no pescoço sua medalhinha de São Jorge.

Tio Manel era um homem de fé, mas tinha horror às religiões organizadas e às hierarquias eclesiásticas. Nas últimas décadas era crítico ferrenho das "igrejas empresariais" que vinham surgindo e desde então se fortalecendo. Tinha sempre algum comentário ferino a fazer contra os pastores caça-níqueis que andam pelos canais de televisão; de vez em quando gostava de assistir às tele-igrejas, sempre fazendo troça do que via.

Mas que esperar de um menino educado por uma jovem canhota?!

As desventuras de minha avó e seu irmão se deram lá pelos anos 30 e 40, mas conheço um recente caso de interessante ressonância. Certo amigo meu, questionador como Tio Manel, lá pelos anos 80, calculo, também ingressou na catequese. Em certa ocasião, quando a catequista instava os pequenos catecúmenos a ser como cordeiros, meu amigo reclamou que preferia ser uma águia ou um leão, e nada o convencia do contrário. Suas insistentes perguntas costumavam ser respondidas por um "Jesus quer assim" ou fórmulas do gênero. Certo dia, a já exasperada catequista respondeu que Jesus não gostava de crianças que perguntam muito, ao que meu amigo retrucou que "Esse Jesus é um cara muito chato!". Assim como se passara quase meio século antes com Tio Manel, a família de meu amigo foi convocada e mais um menino se viu escorraçado pela Santa Madre Igreja - Católica, Apostólica e, principalmente, Romana.

Meu amigo, hoje ateu, é canhoto como a menina Nair... Que diriam padre Janvier e minha trisavó?!

Dedico este texto a minha avó, ao Tio Manel, ao canhotíssimo amigo Vinícius e ao Professor Guilherme Pereira das Neves, que inspirou toda essa reflexão.

Ned Flanders - canhoto, carola e personificação do Diabo em vários episódios de Halloween dos Simpsons; note-se, todavia, que nesse frame ele segura o tridente com a destra...