1) O Brasil, como se sabe, é um país de rincões isolados e, historicamente, o Estado brasileiro tem dificuldade em fazer profissionais de serviços básicos chegarem a esses rincões, mesmo com eventuais incentivos. No caso das Forças Armadas uma alternativa é alterar a contagem do tempo de serviço. Por exemplo, um ano de serviço de um militar nesses locais conta como 3. 5 anos contam como 15, permitindo se "aposentar", ou melhor, reformar, mais cedo. No caso dos médicos parece que medidas nesse sentido nunca surtiram o efeito desejado.
2) O programa "Mais Médicos" foi implementado para suprir essas carências. Como não sou especialista em Saúde, não entro nos méritos ou deméritos do programa, que não tenho a devida competência para avaliar. Assinalo apenas o fato de que alguns milhões de brasileiros dependem hoje do programa para atendimento médico básico. O futuro presidente do Brasil deveria estar, antes de tudo, preocupado em garantir e assegurar o devido atendimento a esses cidadãos, de um ponto de vista estritamente pragmático, por uma razão muito simples: ele foi eleito presidente do Brasil, e não de Cuba. Seria legítimo se preocupar com os médicos cubanos, contanto que isso não viesse a comprometer o atendimento aos cidadãos brasileiros.
3) A participação cubana no programa Mais Médicos resulta de um acordo BILATERAL livremente firmado entre dois Estados soberanos, Brasil e Cuba, sob condições que, à época, pareciam legítimas aos mandatários de ambos Estados. Como todo acordo internacional, ele depende que ambas as partes envolvidas respeitem as condições estipuladas. Estando o futuro presidente do Brasil interessado em mudar as presentes condições do acordo, ele deveria faze-lo via NEGOCIAÇÕES com a outra parte, ou seja, resolver o assunto DIPLOMATICAMENTE, através do DIÁLOGO com o Estado cubano.
4) O método de remuneração dos profissionais cubanos no programa realmente é controverso e parece ferir princípios de isonomia da legislação trabalhista brasileira. Nesse sentido, caberia ao futuro presidente questionar a validade do acordo por vias JURÍDICAS. Conforme as autoridades JUDICIÁRIAS brasileiras se posicionassem em relação ao caso ele teria o devido respaldo LEGAL para renegociar o acordo pelas vias DIPLOMÁTICAS, recorrendo inclusive a instâncias de arbitragem internacional, conforme fosse necessário. Deveria, de preferência, fazer isso DEPOIS de tomar posse, de modo CRITERIOSO e com a devida PRUDÊNCIA.
5) Em lugar de agir com a prudência conveniente a um chefe de Estado responsável, o presidente eleito optou por fazer prematuras provocações EXTRA-OFICIAIS a um Estado soberano, ANTES mesmo de tomar posse, gerando assim um incidente internacional desnecessário, sem passar pelas devidas vias jurídicas e diplomáticas. Ao fazer semelhantes bravatas, não pensou devidamente nos milhões de cidadãos brasileiros que dependem do programa Mais Médicos e dos profissionais cubanos envolvidos no programa. Em suma, agiu de forma pouco RESPONSÁVEL em relação às necessidades objetivas de cidadãos brasileiros que governará a partir de 2019. Ao agir dessa maneira demonstrou inadequado senso de prioridade: seu dever primeiro deveria ser assegurar o atendimento médico à população brasileira, dando à política doméstica a devida primazia sobre a política internacional - DEPOIS de tomar posse, de preferência.
6) Como pode acontecer em incidentes internacionais semelhantes, o Estado soberano de Cuba reagiu de modo duro às imprudentes provocações do futuro presidente do Brasil. Cuba perdeu uma excelente oportunidade de agir com magnanimidade e adotar uma postura conciliatória, o que talvez trouxesse ganhos à sua imagem internacional. No entanto, como Estado soberano, reagiu como lhe aprouve. Podemos questionar ou criticar, mas é um gesto legítimo do ponto de vista da diplomacia, embora questionável do ponto de vista humanitário.
7) A diplomacia é uma arte sutil, e a prudência exige atenção à correlação de forças em jogo em qualquer questão internacional. No caso em apreço, o futuro presidente do Brasil não percebeu (ou não quis perceber) que Cuba detém a vantagem no jogo, pois aparentemente o Brasil necessita dos médicos cubanos mais do que Cuba necessita do dinheiro brasileiro.
8) Restariam ao futuro presidente duas opções. Um pedido de retratação ao Estado cubano, seguido de uma rodada de negociações diplomáticas conciliadoras ou alimentar a tensão, rumo à ruptura definitiva. A primeira alternativa seria aquela mais pragmática e prudente no sentido de assegurar a curto prazo as necessidades dos brasileiros que dependem dos serviços prestados pelos médicos cubanos. Isso exigiria que o presidente eleito pusesse o bem-estar desses brasileiros acima de seu ego.
9) Na prática, o presidente eleito apostou na via conflituosa, oferecendo asilo político aos médicos cubanos - decisão que, além de questionável, teria efeitos práticos incertos para a população que precisa desses médicos. Quantos médicos aceitariam tal asilo? Que medidas práticas o governo brasileiro precisaria tomar para viabilizar isso? Qual seria o impacto orçamentário de tal decisão a curto, médio e longo prazos?
10) O presidente eleito poderia, em se confirmando a ruptura unilateral do acordo por parte de Cuba, recorrer a instâncias de arbitragem internacional, mas tais processos costumam ser tortuosos e demorados - assunto para muitos anos. E a população precisa de médicos AGORA.
11) O futuro presidente tem algum Plano B caso suas arriscadas apostas não se concretizem? Como ele poderá remediar tal inconveniente em seus primeiros meses de governo?
CONCLUSÃO: em minha opinião, o Estado de Cuba reagiu de forma mesquinha, brusca e desproporcional às provocações do futuro presidente do Brasil, no entanto este demostrou pouca responsabilidade ao desconsiderar as consequências que suas provocações poderiam ter sobre o bem-estar de uma porção significativa da população brasileira. Não é o tipo de atitude que se espera de um chefe de Estado cônscio de seus deveres. Em todo caso, há que se aguardar atentamente os próximos capítulos da história.
P.S.: Sugiro algumas leituras relacionadas ao caso, com apreciações distintas do mesmo: uma reportagem do New York Times; uma coluna de Leonardo Sakamoto e as análises dos fact-checkers Lupa e Aos Fatos.
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