Extratos de O visconde partido ao meio, de Italo Calvino:
"Mestre Pedroprego, albardeiro e carpinteiro, foi encarregado de construir a forca: era um trabalhador sério e inteligente, que se empenhava com firmeza em toda obra. Com grande dor, porque dois dos condenados eram parentes dele, construiu uma forca ramificada feito uma árvore, cujas cordas subiam juntas acionadas por um único guindaste; era uma engrenagem tão grande e engenhosa que dava para enforcar de uma só vez mais gente que o grupo condenado, tanto que o visconde aproveitou para enforcar dez gatos alternando com dois réus. Os cadáveres mirrados e as carcaças de gato balançaram durante três dias e no início ninguém aguentava olhar para eles. Mas logo nos demos conta da visão imponente que ofereciam, e até o nosso julgamento se dividia em sentimentos díspares, a ponto de causar desagrado a decisão de retirá-los e desmontar a grande máquina.
[...]
Nessa trágica conjuntura, mestre Pedroprego havia aperfeiçoado bem a sua arte de construir forcas. Tinham se tornado verdadeiras obras-primas de carpintaria e de mecânica, e não só as forcas, mas também os cavaletes, os guindastes e os demais instrumentos de tortura com os quais o visconde Medardo arrancava as confissões dos acusados. Eu ia frequentemente à oficina de Pedroprego, pois era um grande prazer vê-lo trabalhar com tanta habilidade e paixão. Mas uma aflição pesava sempre no coração do albardeiro. O que ele construía eram patíbulos para inocentes. 'Como posso', pensava, 'aceitar construir algo tão engenhoso mas que tenha um objetivo diferente? E quais poderão ser os novos mecanismos que construirei com mais boa vontade?' Mas não obtendo respostas para tais questões, tratava de expulsá-las da mente, esforçando-se em fazer as instalações mais bonitas e engenhosas que podia.
-Tem de esquecer o fim para o qual servirão - dizia também a mim. - Olhe-os só como mecanismos. Vê como são bonitos?
Eu olhava para aquelas arquiteturas de traves, aquele sobe e desce de cordas, aquelas ligações de guindastes e de roldanas, e me esforçava para não ver em cima delas os corpos dilacerados, porém quanto mais me esforçava mais era obrigado a pensar, e dizia a Pedroprego:
-Como posso?
-E eu então, rapaz - replicava ele -, como eu posso?
[...]
E o carpinteiro era assaltado pela dúvida sobre se construir máquinas boas não estaria além das possibilidades humanas, ao passo que as únicas que de fato podiam funcionar com eficácia e exatidão seriam os patíbulos e as torturas.
[...]
O mestre se angustiava:
-Quem sabe esteja em minha alma esta maldade que só me deixa produzir máquinas cruéis? - Entretanto, continuava a inventar, com zelo e habilidade, novos tormentos".
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