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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Poder e corrupção na França quinhentista

O texto que segue faz parte do segundo capítulo de minha tese de doutorado. A história do almirante Chabot lembra muitas outras que conhecemos bem...

"Em 1541, Philippe Chabot de Brion, almirante de França e governador da Borgonha seria acusado, julgado e condenado por malversação e prevaricação – parte das acusações se relacionava ao exercício do cargo de almirante.

Chabot nascera em uma família de pouca expressão política, da aristocracia da Saintonge. No entanto, em sua infância foi criado junto com Francisco de Angoulême, futuro rei Francisco I, que regulava sua idade; na juventude, tornou-se seu companheiro de armas. Tais circunstâncias foram determinantes de sua posterior ascensão social, alavancada por seu régio companheiro de brincadeiras. Sua participação ao lado de Francisco I na batalha de Pavia foi parte importante desse processo. Segundo Hamon, toda a fortuna e poder posteriormente conquistados por Chabot dependiam quase inteiramente do favor régio – o que também tornava sua posição bastante frágil ante a possibilidade de cair em desgraça.

Como almirante de França, foi um grande incentivador das navegações normandas e da exploração do Novo Mundo. Sob sua proteção foram organizadas três expedições ao Brasil, chegando mesmo a investir 4000 libras e um navio em uma delas. Mantinha estreita ligação com o poderoso armador Jean Ango, a quem logo retornaremos.

Nada disso impedia o almirante de tomar atitudes ambíguas, como mostram os autos de seu processo. Em 1540, motivado por queixas contra Chabot, Francisco I instaurava uma comissão especial para investigar e julgar o seu caso, fora da alçada de qualquer parlamento do reino. A comissão era composta por juízes convocados de diversas partes da França, o que da idéia da mobilização em torno do caso. O conjunto de seu processo é composto por cinco documentos, cuja minuta pode ser atualmente consultada na Bibliothèque Nationale de France.

A quantidade de acusações contra Chabot é impressionante, assim como sua grande variedade, sem falar em sua dispersão por todos os cantos da França. Por exemplo, em 1530 fizera cobranças indevidas aos nobres da Borgonha, supostamente para o resgate do delfim aprisionado na Espanha. Deixou de realizar reparos ordenados pelo rei nas praças fortes da Borgonha, embora tenha recebido o dinheiro correspondente; pior ainda, cobrou impostos de cidades da região com a mesma finalidade. Era igualmente acusado de desvios de verbas destinadas à compra de munição e obras públicas na Borgonha. No Languedoc, cometera irregularidades na venda de cargos públicos, majorando preços - inclusive em alguns parlamentos. Desviara pagamentos de soldados e tomara peças de artilharia pertencentes à coroa para uso pessoal. Venda indevidamente congés para transporte de trigo, “mesmement du temps de la grande famine qui estoit audit pays [Borgonha]”.

Além dessas malversações, era ainda acusado de abusos na administração da justiça. Havia queixas de ter tolerado como governador da Borgonha, “meurtres et homicides” cometidos por pessoas de seu séquito, apesar de ter recebido queixas. Mandou libertar indevidamente um tal Chastenier, preso e condenado pela justiça, que estava na prisão real de Chalons; fez o mesmo com um certo Maschault, e o processo menciona “plusieurs autres cas semblables”. Permitiu que membros de sua criadagem castigassem fisicamente um “pauvre laboureur” que dera uma pedrada em um falcoeiro de Chabot que havia roubado suas galinhas; como sublinham os autos, o caso deveria correr na justiça real, julgado pelos magistrados, pois ninguém devia “se entremesler au faict de la justice ordinaire”. Manteve pessoas em prisão privada por injúrias ditas contra ele. Também usara seus poderes para confiscar terras em benefício próprio, inclusive empregando documentos falsos.

Essa é apenas uma amostra dos desmandos cometidos por Chabot em suas inúmeras atribuições. Havia ainda queixas referentes a seu cargo de almirante de França. Em 1536 e 1537 teria cobrado indevidamente seis libras por cada barco pesqueiro da Normandia – apesar de ter sido instruído pelo rei a não fazê-lo. Para tanto, teria vendido a esses pescadores salvos-condutos, tendo para isso tratado com o almirante de Flandres, sem conhecimento e permissão do rei. Como agravante, existiam acordos prévios entre Francisco I e Carlos V que garantiam a livre circulação dos pescadores em suas costas em tempos de paz".

Ao fim do processo, contrariando a decisão dos juízes, Chabot foi inocentado por ordem direta do rei, em nome dos grandes serviços que outrora havia prestado ao monarca... "Plus ça change, plus c`est la même chose"!

2 comentários:

Bia disse...

Não é só na história do Brasil né? Muito bom o texto. Boa sorte com a tese.

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Pois é, Bianca! Infelizmente, acho que faz parte da história universal. Pelo menos desde o Neolítico...