O texto que segue faz parte do segundo capítulo de minha tese de doutorado. A história do almirante Chabot lembra muitas outras que conhecemos bem...
"Em
1541, Philippe Chabot de Brion, almirante de França e governador da Borgonha
seria acusado, julgado e condenado por malversação e prevaricação – parte das
acusações se relacionava ao exercício do cargo de almirante.
Chabot
nascera em uma família de pouca expressão política, da aristocracia da
Saintonge. No entanto, em sua infância foi criado junto com Francisco de
Angoulême, futuro rei Francisco I, que regulava sua idade; na juventude,
tornou-se seu companheiro de armas. Tais circunstâncias foram determinantes de
sua posterior ascensão social, alavancada por seu régio companheiro de
brincadeiras. Sua participação ao lado de Francisco I na batalha de Pavia foi
parte importante desse processo. Segundo Hamon, toda a fortuna e poder
posteriormente conquistados por Chabot dependiam quase inteiramente do favor
régio – o que também tornava sua posição bastante frágil ante a possibilidade
de cair em desgraça.
Como
almirante de França, foi um grande incentivador das navegações normandas e da
exploração do Novo Mundo. Sob sua proteção foram organizadas três expedições ao
Brasil, chegando mesmo a investir 4000 libras e um navio em uma delas. Mantinha
estreita ligação com o poderoso armador Jean Ango, a quem logo retornaremos.
Nada
disso impedia o almirante de tomar atitudes ambíguas, como mostram os autos de
seu processo. Em 1540, motivado por queixas contra Chabot, Francisco I
instaurava uma comissão especial para investigar e julgar o seu caso, fora da
alçada de qualquer parlamento do reino. A comissão era composta por juízes
convocados de diversas partes da França, o que da idéia da mobilização em torno
do caso. O conjunto de seu processo é composto por cinco documentos, cuja
minuta pode ser atualmente consultada na Bibliothèque Nationale de France.
A
quantidade de acusações contra Chabot é impressionante, assim como sua grande
variedade, sem falar em sua dispersão por todos os cantos da França. Por
exemplo, em 1530 fizera cobranças indevidas aos nobres da Borgonha, supostamente
para o resgate do delfim aprisionado na Espanha. Deixou de realizar reparos
ordenados pelo rei nas praças fortes da Borgonha, embora tenha recebido o
dinheiro correspondente; pior ainda, cobrou impostos de cidades da região com a
mesma finalidade. Era igualmente acusado de desvios de verbas destinadas à
compra de munição e obras públicas na Borgonha. No Languedoc, cometera
irregularidades na venda de cargos públicos, majorando preços - inclusive em
alguns parlamentos. Desviara pagamentos de soldados e tomara peças de
artilharia pertencentes à coroa para uso pessoal. Venda indevidamente congés para transporte de trigo,
“mesmement du temps de la grande famine qui estoit audit pays [Borgonha]”.
Além
dessas malversações, era ainda acusado de abusos na administração da justiça. Havia
queixas de ter tolerado como governador da Borgonha, “meurtres et homicides”
cometidos por pessoas de seu séquito, apesar de ter recebido queixas. Mandou
libertar indevidamente um tal Chastenier, preso e condenado pela justiça, que estava
na prisão real de Chalons; fez o mesmo com um certo Maschault, e o processo
menciona “plusieurs autres cas semblables”. Permitiu que membros de sua
criadagem castigassem fisicamente um “pauvre laboureur” que dera uma pedrada em
um falcoeiro de Chabot que havia roubado suas galinhas; como sublinham os
autos, o caso deveria correr na justiça real, julgado pelos magistrados, pois
ninguém devia “se entremesler au faict de la justice ordinaire”. Manteve
pessoas em prisão privada por injúrias ditas contra ele. Também usara seus
poderes para confiscar terras em benefício próprio, inclusive empregando
documentos falsos.
Essa
é apenas uma amostra dos desmandos cometidos por Chabot em suas inúmeras
atribuições. Havia ainda queixas referentes a seu cargo de almirante de França.
Em 1536 e 1537 teria cobrado indevidamente seis libras por cada barco pesqueiro
da Normandia – apesar de ter sido instruído pelo rei a não fazê-lo. Para tanto,
teria vendido a esses pescadores salvos-condutos, tendo para isso tratado com o
almirante de Flandres, sem conhecimento e permissão do rei. Como agravante,
existiam acordos prévios entre Francisco I e Carlos V que garantiam a livre
circulação dos pescadores em suas costas em tempos de paz".
Ao fim do processo, contrariando a decisão dos juízes, Chabot foi inocentado por ordem direta do rei, em nome dos grandes serviços que outrora havia prestado ao monarca... "Plus ça change, plus c`est la même chose"!
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2 comentários:
Não é só na história do Brasil né? Muito bom o texto. Boa sorte com a tese.
Pois é, Bianca! Infelizmente, acho que faz parte da história universal. Pelo menos desde o Neolítico...
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