Ainda em clima natalino, mais uma pequena reflexão sobre a figura de Jesus. É difícil afirmar com toda certeza se ele realmente existiu como personagem histórico. No entanto, é certo que ao longo dos séculos foi representado com as mais diversas aparências, refletindo as inúmeras travessias culturais que sua imagem realizou. Vejamos alguns exemplos...
Entre as principais fontes de iconografia paleocristã encontramos as catacumbas de Roma, onde os primeiros cristãos se reuniam. Nelas, é comum a representação de Jesus bastante próxima de um patrício romano, familiar àqueles que produziam essas imagens, bem como aos que as viam. Assim, temos um Jesus vestido - e barbeado - como um membro da elite romana.
Por outro lado, também era comum a assimilação de Jesus a divindades do panteão pagão, como Apolo ou Orfeu - caso da imagem acima. Tais associações não eram gratuitas, sendo bastante sugestivas das permutas entre a cultura romana, o judaísmo e o cristianismo nascente. No caso, o mito de Orfeu envolvia uma viagem de ida e volta ao mundo dos mortos, facilmente identificada à crença na ressurreição de Cristo.
No Império Bizantino a imagem de Jesus se manteve durante muito tempo próxima à iconografia paleocristã.
Embora pouco conhecida no Ocidente, a comunidade cristã da Etiópia é uma das mais antigas do mundo. Ao longo de séculos, desenvolveu suas próprias tradições e convenções para representar a imagem de Jesus. Para os cristãos etíópes, Jesus era evidentemente negro - e, no caso da imagem acima, bastante simpático.
Na Alta Idade Média começavam a se elaborar na Europa Ocidental as convenções que conhecemos melhor, em que Jesus passava a ser representado com traços germânicos, como é o caso nessa representação. Não obstante, havia ainda gande proximidade estilística às tradições paleocristãs e da Igreja Ortodoxa.
No mundo islâmico, Jesus também é reverenciado como um grande profeta. Algumas suratas do Alcorão são dedicadas a ele e sua mãe, Maria. Nessa imagem produzida no âmbito islâmico podemos ver um Jesus quase persa! Os anjos que o carregam com suas asas alegremente coloridas também são interessantíssimos...
No Renascimento encontramos representações que remetem às antigas assimilações entre Jesus e Apolo, acrescentando novas camadas às convergências entre as culturas greco-romana e judaico-cristã...
Ao longo de dois milênios a figura de Jesus foi objeto de inúmeras apropriações e interpretações, nos mais variados contextos culturais e religiosos, espelhando as diversas concepções elaboradas a seu respeito: profeta, deus encarnado, louco, filósofo... Existindo ou não, nos últimos vinte séculos Jesus se tornou uma parte significativa do imaginário humano.
Dedicado ao Igor, co-autor involuntário desse texto
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