Depois de muito prometer, finalmente nossa primeira entrevista para a Oficina de Clio, com um convidado muito especial, o embaixador Vasco Mariz. Hoje aposentado, o embaixador representou o Brasil em diversos países e organismos supranacionais. Paralelamente à diplomacia, desenvolveu rica atividade como historiador e musicólogo, granjeando reconhecimento em nosso país e no exterior, tendo várias obras traduzidas. Completando 91 anos, permanece ativo: em março de 2012 lançará o livro Depois da glória, enquanto organiza um seminário comemorativo da unificação italiana no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O embaixador nos concedeu gentilmente esta entrevista.
No Brasil temos uma longa e interessante tradição de diplomatas que se dedicaram paralelamente ao trabalho de historiador, oferecendo valiosas contribuições à nossa historiografia. É o seu caso, e também o de Oliveira Lima, Evaldo Cabral de Mello, Alberto da Costa Silva, entre tantos outros. Em sua opinião, existe tendência à renovação dessa tradição? Podemos esperar novos historiadores entre as próximas gerações do Itamaraty?
A vida diplomática tem momentos de intensa atividade em que o funcionário trabalha 24 horas por dia durante alguns dias tensos. Mas também tem períodos de calmaria, onde é possível, sem prejuízo do cumprimento de seus deveres, dedicar-se a algum hobby, como por exemplo fazer pesquisas e atuar como historiador. Foi o que fiz em minha carreira diplomática de mais de 42 anos. No momento conheço um jovem diplomata, que já publicou diversos livros de considerável interesse e agora está encarregado de organizar a exposição Rio Branco para comemorar o centenário de seu falecimento. Ele promete muito – Luis Cláudio Villafañe. Recomendei o seu ingresso no IHGB.
Ainda sobre diplomacia e História, de que maneira o senhor acha que a experiência como diplomata contribuiu para sua formação como historiador? Além disso, de que forma essa vivência afetou sua compreensão sobre a História?
A carreira diplomática nos obriga a estudar, pelo menos, a história dos países onde servimos e acredito que isso me levou a pesquisar personalidades de nossa história depois da minha aposentadoria. Daí saíram vários livros como o que espero lançar em março próximo, cujo titulo é “Após a glória”, isto é, o que aconteceu com algumas personalidades nacionais depois que ficaram famosas.
O senhor já é sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro há muitos anos. O que significa para o senhor ser sócio dessa instituição tão importante para a construção da historiografia brasileira?
Sou sócio do IHGB há quarenta anos exatamente, pois fui admitido em 1982. Creio que o IHGB me fez conhecido e respeitado nos meios intelectuais do país. Por isso tenho procurado retribuir. O seminário francês de 2009 e o seminário italiano, que se realizará em fins de março próximo foram organizados por mim por encomenda do presidente.
Muito se fala sobre o papel do IHGB para o conhecimento histórico no século XIX. Mas e o século XX? Para o senhor, que participou de boa parte dessa trajetória, quais foram as contribuições mais significativas do Instituto à historiografia brasileira no último século?
Eu destacaria a realização de congressos científicos importantes com participação internacional, a publicação ininterrupta da revista que se tornou a mais antiga das Américas, a promoção de pesquisas em arquivos portugueses e a publicação de inventários ou dos próprios documentos, a ampliação do acervo arquivístico, iconográfico e museológico e sua divulgação em exposições e publicações.
As últimas décadas foram marcadas por uma relação complicada entre a historiografia praticada em nossas universidades e o IHGB. Durante algum tempo a produção do Instituto foi tachada de antiquada, “positivista”, encarada com desconfiança. Mesmo a Revista do Instituto foi objeto de certo preconceito, como uma publicação ultrapassada. Contudo, nos últimos anos, particularmente na última década, temos assistido a uma nítida mudança: a universidade tem buscado nova aproximação ao Instituto; o preconceito contra a produção do Instituto vem diminuindo acentuadamente, passando mesmo por uma fase de revalorização, enquanto muitos professores universitários vêm se tornando sócios. Como o senhor interpreta esse processo, a que atribui essa mudança de atitude?
Toda entidade, cultural ou não, tem fases de maior ou menor atividade, segundo o dinamismo e o modelo de orientação de seu presidente. O IHGB, a entidade cultural mais antiga do Brasil, fundada em 1838 e cuja revista é publicada regularmente desde então, tem notável tradição, mas teve fases de menor ou maior atividade, de maior ou menor modernização. Sou membro do IHGB há exatamente 40 anos, desde 1982. Para lá fui convidado por Pedro Calmon, notável intelectual, que foi sucedido por outro respeitado historiador, Américo Jacobina Lacombe. Seu sucessor Vicente Tapajós sofreria do Peter principle, isto é, fora bom secretário-geral, mas desapontou como presidente. Desde 1995 o IHGB é dirigido por Arno Wehling, que tem sabido atrair para a entidade alguns dos melhores jovens historiadores do país e algumas personalidades intelectuais nacionais. O IHGB tem atuado com bastante eficiência e realizado seminários de apreciável oportunidade. Realizou um convênio com a editora do Senado Federal, que vem publicando anualmente três ou quatro números da revista, que hoje é considerada entre as melhores do país. Por tudo isso o atual presidente tem sido reeleito sucessivamente.
Ainda sobre a reaproximação entre o IHGB e a historiografia universitária, o que o senhor gostaria de ver concretizado nos próximos anos? Que frutos lhe parece possível que nasçam desse reencontro?
Nossos historiadores universitários, por melhores que sejam, estão um pouco engessados pelo excesso de trabalho. Desconfiam um pouco do IHGB, que consideram elitista e conservador. Por sua vez os sócios do IHGB tendem a minimizar o mérito dos historiadores profissionais, que tanto labutam contra fatigantes horários e remuneração modesta. Nós, os sócios do IHGB, temos por vezes a tendência de admitir o ingresso de algum figurão da política ou da diplomacia, que embora tenha considerável mérito pessoal e várias obras publicadas, não têm aquela vivência dos bancos universitários que me parece necessária para a formação do bom historiador. No momento, sinto que o corpo de sócios do IHGB está ficando um pouco idoso demais e tenho insistido com o atual presidente para estimular o ingresso de historiadores mais jovens. Temos intensificado parcerias com universidades como a realização conjunta de encontros científicos, cursos e seminários.
Como se sabe, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi fundado num momento muito especial da história de nosso país, de estímulo à produção intelectual nunca antes visto; por sinal, no mesmo ano também foram fundados o Arquivo Imperial e o Colégio Pedro II, como parte desse esforço. Naquela época, esperava-se que o IHGB cumprisse o papel de fomentar a produção de conhecimento sobre o passado e o território do Brasil, com o fito de pensar projetos de nação para um país recentemente independente. Na sua opinião, que papel o Instituto pode ou deve desempenhar no Brasil do século XXI?
Creio que o IHGB está desempenhando no momento uma variada atividade de estudos de toda a ordem sobre as diversas fases de nossa historia e tem estimulado trabalhos e pesquisas sobre personagens importantes menos estudados e que merecem uma melhor avaliação. Eu mesmo, na minha idade avançada, vou publicar no primeiro trimestre do ano corrente um livro que reúne diversas pesquisas e estudos sobre personagens de nossa história pouco estudados ou controvertidos. O atual presidente tem procurado estreitar as relações com os institutos históricos estaduais visando uma cooperação constante para valorizar a história, a memória e a própria identidade regional.
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