Esse post está na fila há algumas semanas. Achei muito interessante essa passagem de Tristes trópicos, onde Lévi-Strauss descreve as práticas extorsivas em uma fazenda em que esteve hospedado no Mato Grosso. Como se sabe, esses mecanismos cruéis de compra, venda, crédito e remuneração eram comuns nas fazendas do interior do Brasil. No entanto, a maneira como o autor relata faz toda a diferença. Na periferia do Capitalismo, resplandece a realidade dessa economia injusta de forma tragicômica, com um exagero caricatural digno de desenhos animados...
"Em um vasto bangalô à inglesa, nossos anfitriões levavam uma vida austera, meio criadores de gado, meio donos de mercearia. Com efeito, a venda da fazenda representava o único centro de abastecimento em cerca de cem quilômetros ao redor. Os empregados, trabalhadores ou peõesm vinham aí gastar com uma mão o que tinham ganho com a outra; um jogo de escrita permitia transformar seu crédito em dívida e, desse ponto de vista, toda a empresa funcionava quase sem dinheiro. Como os preços das mercadorias eram, conforme o costume, fixados no dobro ou triplo do curso normal, o negócio poderia ser rentável se esse aspecto comercial não permanecesse secundário. Havia algo de constrangedor em ver aos sábados os trabalhadores trazer uma pequena colheita de cana-de-açúcar, espremê-la logo no engenho da fazenda - máquina feita de troncos grosseiramente aplainados onde os ramos de cana são esmagados pela rotação de três cilindros de madeira - depois, em grandes bacias de chapas, fazer evaporar o sumo ao vento antes de vertê-lo nos moldes onde ele toma forma de blocos grosseiros com consistência granulosa: a rapadura; eles guardavam então o produto no galpão adjacente onde, transformados em compradores, eles viriam na mesma noite adquiri-lo a preços extorsivos para oferecer aos filhos essa única guloseima do sertão".
Não estamos nós também condenados a "gastar com uma mão o que ganhamos com a outra", esmagados entre as engrenagens desse sistema diabólico, verdadeiro "moinho satânico", como diria Karl Polanyi? Condenados a comprar para sobreviver, ao sabor das especulações iníquas da indústria, do comércio e das finanças? Condenados a sustentar e enriquecer os tais "1%", que levam vidas nada austeras, ao contrário desses tristes fazendeiros do sertão?
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