Newsletter

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Oficina de Clio - Newsletter

Inscreva-se na newsletter para receber em seu e-mail as novidades da Oficina de Clio!

Nous utilisons Sendinblue en tant que plateforme marketing. En soumettant ce formulaire, vous reconnaissez que les informations que vous allez fournir seront transmises à Sendinblue en sa qualité de processeur de données; et ce conformément à ses conditions générales d'utilisation.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Era uma vez no Rio de Janeiro - A Brutalidade como Ordem

Escrevo essas linhas ainda aturdido pelo que presenciei nesta manhã - uma cena dantesca em uma das ruas mais movimentadas do Rio de Janeiro.

Escrevo para dar sentido ao que não tem sentido. Escrevo para exorcizar o horror. Escrevo como testemunha ocular de uma pequena tragédia. Escrevo para que fique registrado esse momento de brutalidade insana. Escrevo para aliviar minha sensação de impotência. Escrevo para confessar minha omissão.

Não pretendo aqui julgar pessoalmente nenhum dos envolvidos no bizarro incidente que presenciei. Pretendo apenas refletir sobre a situação - serenamente, se possível.

Hoje, pela manhã, acompanhei minha esposa a uma consulta médica. Saindo do consultório, rumo à farmácia mais próxima, nos deparamos com uma altercação em uma esquina da Rua Dias da Cruz, no Meier, uma das ruas comerciais mais movimentadas da Zona Norte do Rio. 

Parados no sinal, avistamos no outro lado da rua um camelô que berrava com três ou quatro agentes de segurança pública. Sem entender o que ocorria, minha esposa e eu hesitávamos em atravessar a rua.

Subitamente o camelô atirou ao chão sua própria barraca, em um gesto desesperado. As frutas rolaram pelo asfalto. "Covardes! Covardes! Eu tô aqui trabalhando! Covardes!" - gritava o camelô. Um dos agentes de segurança pública sacou um smartphone para filmar a cena, enquanto outro, a menos de meio metro de distância, falava com o vendedor, que retrucava: "Eu não vou levar nada! Vou largar tudo aí! Vocês que levem essa merda embora, seus covardes!"

Por breves instantes hesitei. Pensei em atravessar a rua e tentar conversar com o camelô e os agentes de segurança, pedir que se acalmassem para resolver a situação de modo pacífico. Ao mesmo tempo senti medo de me envolver na situação e botar minha esposa em risco.

Enquanto isso, começava a se formar uma turba enfurecida. Uma senhora indignada gritava com o rosto quase grudado na face de um dos agentes: "Covarde! Covarde!" De outro lado, vinham algumas pessoas berrando, todas solidárias ao camelô: "O cara é trabalhador, pô!" "Deixa o cara trabalhar, ele está desempregado!" Todos repetiam, como inconscientemente imitando o ambulante: "Covardes! Covardes! Covardes!" Alguns também traziam seus smartphones apontados para a cena - a essa altura já deve haver vários vídeos documentando o episódio online.

Vendo que se formava um grande tumulto, minha esposa e eu atravessamos a rua às pressas, passando entre a furiosa aglomeração que se formava, temerosos quanto ao desfecho do confronto. Apertamos o passo e entramos na farmácia, a menos de vinte metros da esquina.

Dentro da drogaria, nos sentíamos como abobalhados, indecisos, como sonâmbulos. Lá fora, a gritaria continuava. Um tanto maquinalmente, minha esposa pegou da bolsa a lista de compras e me mandou em busca de álcool-gel e álcool 70%, enquanto ela mesma ia em busca de outros itens da lista.

Me peguei perambulando a esmo pela farmácia, sem localizar o álcool, com a cabeça no tumulto, preocupado com o que poderia acontecer. Pensava sobretudo no camelô. Quando o vira exaltado atirando suas próprias mercadorias ao solo, me senti completamente identificado com ele em sua indignação e desespero. Havia naquele gesto uma angústia tremenda, a angústia de alguém ameaçado em sua própria subsistência.

Aquele homem provavelmente tem uma família, filhos. Filhos que poderiam ser meus alunos. Filhos que devem ser os alunos de alguém, em alguma escola pública de nossa cidade. Conheço a dor da perda de um filho, mas não conheço a dor de quem não sabe se o filho terá o que comer no dia seguinte. Acredito que todas aquelas pessoas que berravam indignadas se sentiam de alguma forma tocadas como eu por aquele drama urbano. Havia naquele homem algo impossível de descrever com palavras. Talvez todos nós nos sentíssemos contagiados, eletrizados, por sua agonia que se expressava em palavras, feições e gestos.

Ainda perambulava aturdido no fundo da imensa farmácia quando vi minha esposa assustada correndo pela loja em minha direção, junto com outras pessoas que também pareciam fugir. Com olhos arregalados, ela me dizia: "Vamos ficar aqui no fundo da loja! Tá saindo tiro!" Outras pessoas, muitas das quais idosas, gritavam desesperadas: "É tiro! É tiro!".

Os seguranças da loja baixaram a porta de ferro corrugado até a metade e ficaram a postos, como que esperando que a farmácia fosse invadida a qualquer instante. Funcionários e clientes se juntavam acuados nos fundos da loja. Alguém dizia: "Como vamos sair daqui?" A poucos metros um casal brigava: o marido insistia para que fossem embora dali imediatamente, enquanto a esposa queria permanecer.

Por baixo das portas era possível ver o tráfego que se acumulava na rua, acompanhado por buzinas estridentes. Passados alguns minutos, os carros e ônibus voltaram a andar; com o trânsito normalizado, uma estranha sensação de alívio tomou conta do ambiente, embora as portas de ferro continuassem baixadas pela metade e os seguranças continuassem em guarda.

As pessoas voltaram a circular normalmente pela farmácia, um tanto mecanicamente, fazendo suas compras. Eu continuava abobalhado, sem saber o que fazer. "Vai pegar o álcool!", insistiu minha esposa, e voltei a perambular pela loja desorientado, sem saber onde estava o bendito álcool. Virando em um corredor, me deparei com duas funcionárias que traziam da rua uma senhora idosa que parecia prestes a desfalecer. Uma delas gritava a um colega para que pegasse um banquinho para a senhora em apuros.

As três passaram por mim e, um tanto inconscientemente as acompanhei. Quando vi a senhora finalmente sentada no banquinho e amparada pelas duas funcionárias entendi que minha ajuda não se fazia necessária ali. Voltei a perambular em busca do álcool. A bem dizer, todas as pessoas andavam pela farmácia um tanto desorientadas, como baratas tontas, sem saber muito bem o que queriam.

Acabei reencontrando minha esposa e, juntos, localizamos o álcool. Quase mecanicamente peguei dez garrafas de 500ml e fui colocando no cestinho inferior do carrinho. Olhávamos indecisos para os frascos de álcool-gel, com certa dificuldade para decifrar os rótulos e decidir qual levar. Minha cabeça ainda estava no camelô: teria sido baleado? O que ocorrera? Olhando para a porta da loja, avistei uma pessoa cujas feições lembravam a do ambulante conversando com os seguranças e concluí apressadamente: "Ele está bem". Alcancei minha esposa, que se encontrava a caminho do balcão de remédios e falei que vira o camelô. "Ele está ferido?" - perguntou ela - "Não, acho que está bem, respondi". Mais tarde me dei conta de que provavelmente se tratava de outra pessoa, não do próprio camelô; em momentos de grande tensão nosso cérebro nos prega peças, e acabamos vendo aquilo que desejamos.

Demoramos algum tempo no balcão de remédios, enquanto uma funcionária pegava os medicamentos para nós. Olhei rapidamente na direção onde a senhora estava sentada e avistei somente o banquinho vazio. As portas da farmácia já estavam inteiramente reabertas. Entramos na fila do caixa.

A caixa que nos atendeu perguntou a um dos seguranças, que se encontrava a poucos metros de distância sobre um ferido; aparentemente, a pessoa em questão fora caminhando até um posto de saúde próximo, localizado do outro lado do quarteirão. Perguntei à caixa se o pessoa fora baleada; ela respondeu que os disparos foram de bala-de-borracha.

Tudo pago, voltamos à rua. Na calçada, minha esposa parecia não saber para onde ir. Nos encaminhamos ao ponto de táxi que costumamos usar quando vamos ao Méier. 

Andando pela Dias da Cruz, me vinham à mente cenas de filmes distópicos, especialmente Brazil de Terry Gilliam, que vi há poucos meses e Children of men de Alfonso Cuarón, que nunca assisti, excetuando algumas cenas de brutalidade visualmente impactantes. Uma frase lida essa semana pairava em minha cabeça: "Quanta violência ainda será necessária para manter o capitalismo neoliberal funcionando tal como se encontra?"

Olhando ao redor, via a maioria das pessoas circulando normalmente, como se nada tivesse ocorrido. Um alto-falante anunciava as ofertas imperdíveis de uma loja de departamentos. Ao lado da porta da loja vi um par de agentes de segurança pública que traziam pistolas taser à cintura - armas "não-letais", como as famigeradas balas-de-borracha (que, como se sabe, são apenas revestidas com borracha, mas possuem núcleo metálico e podem causar ferimentos gravíssimos e mesmo letais).

No táxi, finalmente, minha esposa e eu discutimos mais pausadamente o episódio. Nos parecia insano, surreal, grotesco, que armas tivessem sido disparadas em uma das ruas mais movimentadas do Rio de Janeiro, deixando ao menos uma pessoa ferida, devido a uma simples barraca de camelô. Pensávamos na senhora passando mal na farmácia - esse tipo de situação pode matar um paciente cardíaco ou um idoso com saúde debilitada. Enquanto escreve é provável que a senhora em questão esteja em sua casa ainda sentindo as consequências de sua crise nervosa.

Não imaginamos a identidade do ferido. Talvez fosse o próprio camelô, talvez alguma das outras pessoas envolvidas no tumulto; até, quem sabe, um dos agentes de segurança pública.

Minha esposa afirma ter escutado pelo menos quatro disparos. Pode parecer pouco, mas não é. Simplesmente estamos cada vez mais acostumados a uma dose insólita de violência em nosso cotidiano urbano, como se isso fosse "normal". 

No Japão, por exemplo, os registros de disparos de armas de fogo costumam ficar abaixo de dez por ano. A maioria da força policial japonesa não usa armas de fogo e há um controle muito rigoroso sobre o uso de armas e munição. Mesmo os policiais japoneses autorizados a usar armas precisam entregá-las na delegacia ao fim do expediente e a munição é contada rigorosamente, para que nenhum disparo passe sem registro. A posse ilegal de armas de fogo é punida com grande rigor e o mero disparo de uma arma ilegal, mesmo sem deixar feridos, também pode resultar em uma pena considerável.

Na Suíça, onde o serviço militar é obrigatório e tem caráter permanente, há ao menos um fuzil em cerca de 70% das residências - pois todo cidadão é um soldado e pode ser mobilizado em defesa da República a qualquer momento. Apesar de tantas armas, a taxa anual de homicídios costuma ficar abaixo de 30 pessoas. Em grande medida isso se deve ao fato de que o cidadão suíço não tem armas para defesa pessoal, mas para defesa da República - e o uso indevido de uma arma é punido rigorosamente.

Obviamente é complicado comparar as realidades sociais japonesa, suíça e brasileira, todas muito diferentes umas das outras. O que desejo ressaltar é o quanto nós, brasileiros, somos capazes de tolerar um elevado nível de violência como se fosse algo absolutamente "normal". A mera hipótese de se usar armas de fogo (ainda que carregadas com balas-de-borracha) em um incidente tão trivial provavelmente chocaria a maioria dos japoneses e suíços.

Como dito antes, não desejo culpabilizar pessoalmente os agentes de segurança pública envolvidos nesse incidente específico ou em outros de caráter semelhante. A questão é muito mais complexa, e é necessário ressaltar que nossos agentes de segurança pública trabalham em condições precárias sob vários aspectos; são usados como "carne de canhão" para manter a "ordem pública" em uma sociedade caótica como a brasileira.

É a própria concepção brasileira de "ordem pública" que questiono aqui. Quando armas são disparadas em uma rua de grande movimento por uma simples barraca de camelô, é sinal de que há algo muito errado acontecendo - afinal de contas, balas (de borracha ou não) representam um risco muito maior para a população que a obstrução de uma calçada por uma pequena barraca de frutas - que o diga a pessoa ferida no incidente. O episódio dantesco que minha esposa, eu e inúmeras outras pessoas viveram hoje é minúsculo sintoma de um problema muito maior e mais profundo. O Brasil possui uma das maiores taxas anuais de homicídio do mundo, então uma escaramuça urbana, por absurda que seja, parece um problema quase irrelevante.

A preservação da vida e da integridade física dos cidadãos, no Brasil, costuma ser preterida em favor da proteção da propriedade - e isso não é responsabilidade apenas dos agentes de segurança pública. Nosso Código Penal prevê penas muito desproporcionais para crimes contra a vida e crimes contra a propriedade. Como dizem jocosamente alguns juristas, "dê um soco no meu olho, mas não leve minha carteira". Uma lesão corporal é um crime imensamente mais grave que um furto, mas nossa legislação parece ignorar isso.

Há muitas razões para isso. Como muito bem observava Simone Weil, em suas origens, o Direito Romano se preocupava sobretudo com questões relacionadas a propriedade e patrimônio - e os escravos eram o tipo de propriedade mais importante na sociedade romana. Há, por assim dizer, um vício de origem nas raízes de nosso pensar jurídico. Tudo isso se agrava quando consideramos que a instituição da escravidão no império lusitano era regida, basicamente, por um ordenamento jurídico derivado do Direito Romano. Daí não se deve tirar conclusões precipitadas, mas, em um sentido muito geral, o ordenamento jurídico brasileiro se formulou sob condições históricas e sociais pouco favoráveis à valorização da vida, da integridade física e da dignidade humana.

Ao mesmo tempo, as sociedades coloniais nas Américas exigiam, para seu "funcionamento", uma dose de violência consideravelmente maior do que sucedia em suas contrapartes europeias (muito embora a Idade Moderna na Europa tampouco fosse um mar de rosas) - violência essa exercida não apenas contra escravos, mas contra diversos estratos da sociedade. Para além disso, as distâncias e a precariedade das comunicações deixavam as autoridades coloniais sob menor controle régio que suas correspondentes em território metropolitano, tornando o abuso de autoridade mais regra que exceção, como bem ressaltava o padre Antônio Vieira.

Assim sendo, a sociedade brasileira, em seu processo de formação, sempre viu a violência, por vezes a violência mais extrema, como uma condição necessária, imprescindível à manutenção de certa "ordem social". Em 1897, havia quem se queixasse de que o Exército brasileiro não tivesse degolado também mulheres e crianças na trágica expedição contra Canudos - o banho de sangue não apenas era considerado aceitável por muitos como parecia mesmo insuficiente para alguns. Durante a Revolta da Vacina, a força policial fluminense chegou a usar canhões contra a multidão. Há menos de cem anos, se atribuía ao presidente Washington Luís a noção de que "a questão social é um caso de polícia" - ou seja, que as mazelas sociais que atrapalhavam a "ordem" brasileira deveriam ser resolvidas pelo emprego da força, não através de outros tipos de políticas públicas.

Considerando tudo isso, pouco espanta que uma situação tão simples como a remoção de uma barraca de camelô descambe para o disparo de armas de fogo em meio a uma aglomeração, causando tumulto, pânico e deixando ao menos um ferido - tudo isso em nome da "ordem pública". Em um país onde o mercado de trabalho formal sempre foi precário e suscetível a instabilidade, é mais que natural que imensos setores da população urbana recorram ao trabalho como vendedores ambulantes e outros meios de subsistência pelo trabalho informal.

Enquanto minha esposa e eu aguardávamos a consulta médica, a televisão na sala de espera transmitia uma matéria que falava em tom otimista sobre a disponibilidade de empregos temporários no setor de comércio e serviços no final do ano, ressaltando como a oferta desses empregos é importante para muita gente que passou o ano desempregada - como se os elevados índices de desemprego ao longo do ano inteiro não fossem um grave problema social. É apenas uma triste ironia que, menos de uma hora depois de assistir a essa peça jornalística tenhamos tido o desgosto de assistir a um grave confronto urbano cuja causa fundamental é justamente a falta de emprego. A pensar segundo a linha editorial da emissora em questão, o camelô desesperado deveria ter aguentado um pouco mais até arrumar um emprego em novembro ou dezembro - com a grande oportunidade, como bem sublinhava a matéria, de que tal vaga se torne um emprego permanente caso o trabalhador se mostre suficientemente diligente durante o período comercial natalino. Desse modo, ficaria preservada a "ordem pública", sem necessidade tratar como "caso de polícia" uma questão social.

Enquanto escrevo essas linhas me vem à mente Pai contra mãe, tristíssimo conto de Machado de Assis ambientado nesse mesmo Rio de Janeiro. Na história, um relutante caçador de escravos fugitivos se vê na iminência de entregar o filho recém-nascido à "roda dos enjeitados", por não ter condições de sustentar a criança. Acaba capturando uma escrava fugitiva grávida, que perde seu bebê enquanto tenta escapar. Não há herói ou vilão nesse conto: apenas um pai e uma mãe forçados a lutar por seus respectivos rebentos. A trágica "moral da história" é que, onde a luta pela subsistência é atroz, sobra pouco espaço para a valorização da vida e da dignidade humana.

Como o pai do conto machadiano, os agentes de segurança pública em questão agiram segundo seu dever de manter a "ordem pública", custe o que custar, doa a quem doer. E apesar da quase onipresença da figura do vendedor ambulante na história da cidade do Rio de Janeiro, vividamente retratada por Debret, as autoridades no Rio de Janeiro persistem em tratar essas pessoas como um estorvo à "ordem pública" e, no limite, caso de polícia. Apesar dos séculos que passam, o camelô continua como figura relegada à margem da economia carioca, com tímidas e limitadas tentativas de regulamentação dessas atividades, em si mesmas dignas, honestas e legítimas. Obviamente há camelôs que obstruem vias públicas, comercializam mercadorias roubadas e pirateadas, entre outros problemas. Mas a solução para esse tipo de problema não deveria ser o uso da força, muito menos o abuso dela; deveria ser a regulamentação pelas autoridades, devidamente fiscalizada.

Mas a "ordem pública" no Rio de Janeiro tem pesos e medidas incompreensíveis (ou talvez demasiadamente compreensíveis). Há menos de dois meses uma grande empreiteira ocasionou um incêndio de grandes proporções na Floresta da Tijuca, em área de proteção ambiental. Triste espetáculo, em que inúmeros animais silvestres foram fotografados e filmados em fuga desesperada pelas ruas da cidade. A punição para essa tragédia ambiental foi uma pífia multa no valor de R$15.000,00 - apenas trocados para a empreiteira, que construirá um condomínio de luxo no local. Note-se que a venda de uma única unidade habitacional já compensa sobejamente o valor dessa multa.

Que "ordem" é essa que pune tão ligeiramente um grave crime ambiental e, ao mesmo tempo, promove indiretamente um confronto urbano completamente evitável em função de uma infração quase irrelevante para o funcionamento da cidade? Que "ordem" é essa que se recusa a regulamentar o ofício de camelô, mas se mostra criminosamente leniente para com os interesses da especulação imobiliária? Que "ordem" é essa que mata árvores, animais silvestres e deixa cidadãos feridos de maneira quase totalmente arbitrária? A quem interessa essa "ordem"?

Termino esse desabafo do mesmo modo que comecei: perplexo, indignado e consternado, entregue à sensação de impotência diante de um país e uma cidade onde o absurdo é corriqueiro, o grotesco é aceitável e a brutalidade é a "ordem". Ainda assim, teimo em fazer minhas as palavras de Martin Luther King:

Tenho a audácia de acreditar que todas as pessoas podem ter três refeições por dia para seus corpos, educação e cultura para suas mentes, dignidade, igualdade e liberdade para seus espíritos. Acredito que aquilo que os homens egocêntricos demoliram, homens altruístas podem reconstruir.


Protesto de camelôs

 

Nenhum comentário: