Notre-Dame é um universo inteiro, povoado de santos, anjos, demônios, gárgulas e quimeras. De suas torres, parece que o próprio Céu, capturado pelos construtores, é apenas um pano de fundo para suas magníficas formas - o Infinito reduzido a detalhe arquitetônico.
Suas rosáceas eram verdadeiros tratados de teologia medieval, dizia Roy Wagner. Victor Hugo considerava a catedral inteira um livro escrito a muitas mãos.
Dentro da nave, a luz filtrada pelas janelas e vitrais criava um ambiente difícil de descrever: aconchegante, misterioso e um tanto claustrofóbico. Um espaço gigante, ínfimo e paradoxal. Na nave de Notre-Dame me sentia respirando num Outro Mundo ou, quem sabe, num Mundo Outro.
Como um ser vivo, aquela catedral tinha uma voz. Respirava, cantava e orava através de seu órgão, um dos melhores e mais antigos do mundo.
Notre-Dame de Paris não parecia uma obra medieval. Eu acreditaria se me dissessem que estava ali desde o princípio dos tempos, construída por anjos ou demônios, descida inteira do mais alto dos céus ou emersa dos mais profundos infernos. Sua beleza fascinante e terrível, certamente, não é deste mundo.
Ainda não se sabe ao certo o que sobreviveu ao incêndio de hoje. Os vitrais certamente estão perdidos. A espectral luz de sua nave nunca mais será a mesma. Talvez seja igualmente espectral e fascinante, mas será outra. O órgão, ora mudo, talvez seja restaurado, mas sua voz será outra, sua acústica foi irremediavelmente perdida.
Notre-Dame persistirá, bela mesmo em sua catástrofe, como mater dolorosa. Mas o mundo perdeu hoje um pedaço de Eternidade...
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