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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Leandro Narloch, os escravos e os historiadores

Outro dia me dei ao trabalho de dar uma olhada no tal livro sobre escravos do tal Leandro Narloch.

Confesso que achei menos pior que os tais "guias politicamente incorretos" do mesmo autor. Não vi deslizes teóricos ou metodológicos excessivamente graves para um trabalho de divulgação. Discordo do posicionamento do autor acerca do tema e acho as interpretações dele forçadas, mas me parece um problema mais da ordem dos juízos de valor que da análise historiográfica propriamente dita.

Não me pareceu uma obra fraudulenta ou de má-fé. Há forçações de barra comparáveis em vários autores de esquerda. O autor já foi muito menos criticado por coisa muito pior produzida anteriormente. E talvez seja exatamente esse o problema: a obra incomoda mais por ser menos grosseira que as anteriores.

Justamente por não ser de todo ruim, o livro merecia críticas menos superficiais da parte dos especialistas. Muitas das críticas à obra que li ficam mais no plano do argumento de autoridade acadêmica que da refutação válida ao trabalho propriamente dito. Algumas parecem reproduções umas das outras, refletindo mais o eco dos corredores universitários que respondendo ao discurso do próprio autor. Fico com a impressão de que muita gente criticou sem sequer ler as orelhas do livro.

Acho que o historiador acadêmico/universitário precisa sair de sua zona de conforto, se quiser realmente se fazer ouvir no debate público. Não adianta simplesmente agarrar o diploma para bater na obra - não é assim que se conquista credibilidade junto ao público, especialmente quando falamos a partir de um campo que não goza de muito reconhecimento ou prestígio junto ao grande público, como é o caso das ciências humanas no Brasil.

Às vezes, a crítica superficial e precipitada pode ser mais daninha que o silêncio. Não adianta achar que nos basta de vez em quando descer de nossos páramos acadêmicos e trovejar olimpicamente para um público que acha que tudo em ciências humanas é apenas "questão de opinião". Tal postura só tende a confirmar e consolidar esse preconceito contra as ciências humanas.

Tudo isso me lembra certa ocasião em que participei de um evento de divulgação. Havia ali um público leigo interessado, que visivelmente acabara de sair do trabalho e, em lugar de ir para casa ou para a happy hour, resolveu ir assistir uma mesa redonda sobre História. Na minha opinião, isso deveria ser motivo de júbilo para o intelectual. Findo o evento, meu companheiro de mesa me confessa, entediado: "É por isso que não gosto desse tipo de evento - as perguntas são muito superficiais". Claro que sim! Que tipo de pergunta ele esperava de um público leigo?! Na ocasião, em minha insignificância de novato, me limitei a responder com um sorriso - pouco irônico, temo dizer.

Enquanto o historiador acadêmico continuar a menosprezar "esse tipo de evento" ou a responder preguiçosamente a "esse tipo de livro", nossa voz continuará a ser apenas um tímido eco pós-graduado perante os moucos ouvidos de uma sociedade que mal sabe ler e escrever...


4 comentários:

Alberto Moby disse...

De pleno acordo. Sou mestre e doutor em História Social pela UFF, mas, por razões que não vêm ao caso, optei por trabalhar com o Ensino Fundamental, onde estou há 26 anos. Minha orientadora, Ismênia de Lima Martins, sempre me chamava a atenção sobre o perigo que representam os PhDeuses e seu Olimpo, sua falta de tato para com o "mundo real", o "chão da escola", a sociedade. Vivo isso nas escolas por onde tenho passado. Não são poucos os professores que desprezam o conhecimento acadêmico - mesmo tendo seu contrato de trabalho sancionado por ele. Isso vale ainda mais para as pessoas comuns, que só retêm do mundo acadêmico a fala empolada e o brandir dos diplomas.

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Pois é, precisamos aprender a estabelecer diálogos mais amplos com a sociedade. Do contrário, seguiremos sendo irrelevantes. Também trabalho no ensino básico, e vemos a distância entre a academia e o resto do mundo. Obrigado pelo retorno!

Fred Oliveira disse...

Em uma entrevista ao site Café História, o historiador Manolo Florentino, docente do Instituto de História da UFRJ, diz: "A história também é um produto. Mas será que o pesquisador sabe transformar o seu produto, a sua tese, em algo palatável para o grande público? Será que ele tem consciência de que tem que escrever também para o leitor comum? Profissionais de outras áreas ganham dinheiro à beça, e a gente fica reclamando: “Pô, é um trabalho ruim porque não é feito por especialistas”. Não, simplesmente os jornalistas sabem escrever. Escrever no sentido técnico: eles pensam no público, em como emitir o enunciado. Há grandes trabalhos de história escritos por jornalistas, excepcionais do ponto de vista histórico, que sofrem preconceito por parte dos historiadores. Há outros que são verdadeiras banalizações, mas tudo bem: só mostram que é um mercado ávido, e que nós temos que escrever cada vez melhor. Se um jornalista faz uma pesquisa bibliográfica e consegue falar sobre 1808 para mim, se consegue falar sobre Mauá, e vende 30, 40, 50 mil livros, que bom. Ruim é para nós, historiadores, que não sabemos escrever e, portanto, nos vemos excluídos desse mercado. (...) somos, em geral – veja bem, em geral – treinados para uma escrita hermética. Escrevemos basicamente para os pares.(...) Agora o mercado está pedindo a dessacralização da escrita. E nós, historiadores, continuamos a funcionar em um registro de escrita sacralizada da época colonial, do século XIX. Eu sou ardoroso defensor da ideia de que o português instrumental, adaptado a cada disciplina, deveria estar presente nas grades curriculares de história. (...) De que adianta tanto conhecimento, tanto investimento da sociedade em pós-graduação e pesquisa se a gente não chega ao mercado, ao sujeito que está aí? Eu posso ter um livro pronto, mas se ele estiver na minha gaveta, concretamente é um livro morto." Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/leituras-da-escravidao/?fbclid=IwAR0QfJ6ebahBl9BSw1jtF2tin_fXejaxvRUS5J9cMMiK-AGb0dzp_1Wi1uI

Fred Oliveira disse...

A história acadêmica, pouco lida por quem não é do campo ou de áreas correlatas, longe da familiaridade do povo, do qual tanto fala, parece não perceber que mantida a referida distância coloca em risco a sua própria relevância. A universidade não existe para si e sim para produzir conhecimento para a sociedade que a financia. A pesquisa histórica produzida nas universidades deveria ter sempre a pretensão ser conhecida, lida, discutida. Mas não é o que vemos por aí. Rigor não deveria prescindir de boa escrita, de um texto claro, agradável e fluente. No entanto, palavras como "didático", "fluente" e "bem escrito" parecem ofender alguns PHDeuses, ainda atados à vaidade do aplauso do confrade e à bobagem de associar rigor a hermetismos. Enquanto isso o mercado editorial, pela mão de jornalistas, escritores, e profissionais associados a outras áreas, publica a história que vende, e vende muito, que é lida de fato pelo público em geral. Leandro Narloch, Eduardo Bueno, Laurentino Gomes, Mary Del Priore (curriculo acadêmico impecável) e Élio Gaspari vendem mais livros de história, arrisco dizer, que muitos departamentos universitários juntos. A academia faz beicinho e deprecia, mas os leitores não estão nem aí e compram porque querem ler história legível. Querem ler quem comunica, e não quem fala somente para dois ou três iniciados. A Internet é um oceano de informação. Os produtores de história que são lidos, hoje, são influenciadores reais e digitais. O historiador acadêmico precisa conquistar seu lugar naquele espaço. Claro que para isso é necessário que prestigie o rigor daquilo que diz não só em seus livros mas também nas frases que enuncia na rede, que não banalize conceitos ou relativize ao sabor da conveniência passional outras tantas palavras. A difusão da informação hoje exige cada vez mais cautela daqueles que anseiam por credibilidade. Como você espera que o leitor veja credibilidade no que você diz sobre o passado se o leitor não vê credibilidade no que você enuncia no dia a dia. Deixando picuinhas literárias e partidárias de lado, o fato é que boa história acadêmica, produzida com rigor e muito trabalho intelectual, precisa ser lida para se manter relevante. Uma história acadêmica mais conhecida pela sociedade tornaria menos críveis situações vexatórias como as produzidas a pouco nas falas de Vélez, Ernesto e do eleito, a respeito de 1964. Porém, longe do público leitor, aquela só pode reclamar entre os seus e torcer para que algum influenciador digital estenda a mão e lhe dê algum eco no espaço público no qual ela não é conhecida. Enfim, é necessário repensar a escrita, reclamar menos de quem escreve bem, deixar a liturgia e título para a bancas, sentar ao lado do sujeito e aprender a tornar o complexo legível e agradável. Acho que se perdeu muito tempo até aqui num eterno mais do mesmo, mas rogo que se tente recuperar para a História um público ávido por ela.