Trecho do livro Caminhos da Esquerda - Elementos para uma reconstrução, do filósofo Ruy Fausto; grifos meus
Antes de mais nada, eu insistiria, em primeiro lugar sobre o que existe de mistificador no argumento utilizado à saciedade para justificar políticas neoliberais, o de que o nível dos impostos no Brasil é muito alto. Isso é pontualmente verdade, a porcentagem dos impostos sobre o PIB é uma das mais altas do mundo. Porém, se isso é verdade - como diria um trágico grego -, essa verdade é má. É má porque não se precisa que tipo de imposto é responsável pelo nível dessa carga. Na realidade, se o índice geral foi de 33,4% em 2014, o que é muito, ver-se-á que, ao contrário do que acontece na maioria dos outros países (pelo menos tomando como base os países da OCDE), o peso maior recai não sobre impostos diretos e progressivos, mas sobre impostos indiretos e não progressivos. Assim, segundo os dados de Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair, na publicação do IPEA "Progressividade tributária: A agenda negligenciada", 8,1% de impostos incidem "sobre a renda e a propriedade, 9,6% sobre folha de pagamento (incluindo contribuições sociais) e 15,7% [...] sobre bens e serviços. A média dos países da OCDE equivale a mais ou menos 34%do PIB", mas "tributa em 13,1% a renda e a propriedade, 9,3%" correspondem à "folha salarial e apenas 10,5% nos bens e serviços".
O sistema tributário brasileiro é brutalmente injusto, se o compararmos com as normas vigentes na maioria dos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Eis os pontos em que a nossa legislação fiscal é particularmente injusta, e em que urge introduzir uma correção (indico ordens de grandeza): 1) A progressão do imposto de renda é muito desfavorável às camadas médias, beneficiando os mais ricos. A alíquota mais alta é de 27,5%. Na França, por exemplo, utilizando uma tabela simplificada, haveria mais dois níveis além do de 30%, que se aproxima da alíquota máxima no Brasil: 41% e 45%. Mas em outros países, e em outras situações, o imposto de renda pode ser ainda mais alto. 2) O imposto de transmissão intervivos, no Brasil, também é muito baixo. Da ordem de 3%. Na França, ele pode chegar a 45% ou até 55%. 3) O imposto sobre herança também é comparativamente baixíssimo: 3,9% é a alíquota média. A alíquota francesa vai de 5% até 40%. 4) A Constituição de 1998 previa um imposto sobre grandes fortunas, como existe na França. Quando era senador, FHC apresentou uma proposta nesse sentido, em 1989, mas ela ficou perdida nas gavetas do legislativo, e quando presidente ele não parece ter se mobilizado para que a proposta fosse definitivamente aprovada. Deputados do PSOL apresentaram outra proposta em 2008, que prevê alíquotas de 1% a 5%. Ela foi aprovada pela Câmara e pelo Senado, mas, pelo que sei, não foi até aqui implementada. 5) Not least, o imposto sobre lucros advindos da propriedade de ações é taxado, no Brasil, em... 0%. De fato, os lucros provenientes de ações de pessoas físicas são isentos de taxação. A acrescentar a sonegação e a evasão do imposto de renda.
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