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sábado, 15 de setembro de 2018

O Brasil como Milagre

Hoje eu conversava com uma turma de 3º ano muito querida sobre a catástrofe do Museu Nacional e seus significados. Conversamos sobre a magnitude do acervo perdido, sobre a escarninha fleuma dos governantes, sobre a indiferença do povo brasileiro, que sempre assiste "bestializado" suas próprias tragédias.

É uma turma muito pequena, com cerca de 15 alunos, e o tom da conversa era intimista. São meninos inteligentes, curiosos e questionadores. A partir de certo momento o debate foi se tornando mais e mais angustiado, como se fôssemos coletivamente tomados por uma sensação de desesperança, descrença, desencanto. A certa altura, um rapaz, de sobrenome britânico e fisionomia muito brasileira, indagou em tom quase suplicante:

"Mas professor, o que NÓS podemos fazer? Como mudar tudo isso? Sabemos quais são os problemas, mas onde está a solução?"

O que eu poderia dizer que acalmasse semelhante inquietação? Haveria resposta honesta a dar? Meus primeiros pensamentos se dirigiram para aqueles clichês que repetimos incessantemente: votar de modo mais consciente, cobrar atitudes de nossos governantes, protestar contra os abusos e injustiças -mas eu sentia que a angústia de meu aluno exigia outro tipo de resposta.

Após breve pausa, com a voz embargada, respondi: "Aquele museu era um milagre". Os jovens me olhavam surpresos. Continuei desenvolvendo minha intuição.

Sim, é um milagre que um país constitua o quinto maior museu do mundo quase por acaso, quase sem querê-lo, quase sem incentivos substanciais, como se fosse possível fazer algo dessa monta por um feliz acidente. É realmente um milagre que uma instituição tão abandonada pelo poder público durante sucessivas décadas tenha conseguido desenvolver alguns programas de pesquisa com projeção MUNDIAL.

É facílimo entender o Louvre, mas é quase impossível explicar o Museu Nacional. É mais fácil compreender o incêndio que acreditar em tudo que aquela instituição conseguiu realizar ANTES do incêndio.

Aquele Museu era como uma tulipa cultivada no deserto. 

O milagre, ali, era o esforço somado de gerações de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, oferecendo o melhor deles mesmos apesar das circunstâncias que sempre estiveram muito longe do ideal.

Mas, aprofundando essa intuição, o próprio Brasil, tal como o conhecemos, seria também um milagre. Refletindo sobre nossa História, nosso passado de extermínio indígena, colonização, escravidão, só resta uma conclusão: somos um povo de sobreviventes. Desde 1500, 1822, 1889, somos um povo que sobreviveu a seus próprios governantes. Que sobreviveu e, em alguma medida, prosperou.

Observemos, por exemplo, nosso ainda precário sistema educacional (tanto público quanto privado). Há cerca de 100 anos, em nossa nascente República, menos de 10% da população era alfabetizada; hoje, com todos os seus defeitos, a maior parte de nossa população tem acesso à escolaridade básica. Apesar de todas as deficiências qualitativas, o avanço quantitativo é inegável. Para 100 anos, é um verdadeiro salto. Mais importante, um salto dado a toque de caixa, empurrando com a barriga, apesar do costumeiro descompromisso dos governantes e da habitual falta de cobrança e interesse da população como um todo.

Da mesma forma, nossa primeira universidade ainda não completou 100 anos, mas hoje temos universidades espalhadas por todos os cantos do país, públicas ou privadas (com nítida superioridade qualitativa das públicas). Apenas o Estado do Rio de Janeiro possui 6 universidades estaduais ou federais, formando profissionais de altíssimo nível - sem falar em nossa ampla rede de escolas técnicas públicas, que funcionam com excelência, apesar das incoerências e desvarios de nossos governantes.

Se olharmos bem, nosso país consegue e conseguiu muita coisa, em vários setores, apesar da absoluta inconsistência de nossas políticas públicas ao longo de gerações e gerações e apesar da doentia carência de espírito cívico do brasileiro médio.

Suponho que entre as razões de tais "milagres" estejam nossa grandeza territorial, nossa assombrosa riqueza de recursos naturais e nossa (moderada) pujança demográfica. Há alguma verdade na mitológica afirmação de Caminha sobre essa terra onde "se plantando tudo dá", bem como no verso de nosso hino que sustenta ser o Brasil "gigante pela própria natureza".

Nossos variados recursos são de tal modo vultosos que, mesmo mal aproveitados, empregados muito abaixo de seu pleno potencial, rendem resultados muito superiores à real proporção dos esforços coletivos mobilizados. Os frutos são magníficos, apesar da incúria dos cultivadores. O Brasil avança, devagar e sempre, aos trancos e barrancos, apesar do precário, vacilante e sinuoso empenho do povo brasileiro.

Em muitos momentos, tomados por delírios de grandeza imediata, nos embrenhamos em constantes ilusões e desilusões, sequiosos por um futuro que nunca chega. Desde o século XIX muitos brasileiros e estrangeiros enxergaram nosso evidente potencial, consagrando a imagem tardiamente eternizada pelo austríaco Stefan Zweig no título de um livro mais citado que lido: "Brasil - País do Futuro".

Ao cabo dessa longa e um tanto exaltada digressão, olhei pausadamente para a turma e, fixando o aluno que fizera a angustiada pergunta, concluí minha atabalhoada reflexão: um dos maiores desafios para nós, brasileiros, é reconhecer plenamente nosso potencial e realizá-lo - passar da simples potência ao ato, de modo consciente, empenhado, persistente, dedicado, consistente. É transfornar o Brasil no país do Presente, realizar mais "milagres" como o Museu Nacional.

E também reconhecer aquilo que temos de mais valioso antes que seja tarde demais. Infelizmente precisamos de um trágico incêndio para "descobrir" que nós - esse povo bárbaro, inculto, desvalido - éramos donos do quinto maior museu do mundo. Precisamos entender onde está nosso Passado, onde se enterram nossas raízes - pois qualquer tempestade derruba uma árvore com raízes fragilizadas.

Precisamos ser um Brasil completo, com Futuro, Presente e Passado.

A aula já tinha acabado. Era hora do recreio. Abandonamos a sala silenciosos e pensativos.

Minha última foto do Museu Nacional, tirada de uma sacada do terceiro andar, 5 dias antes da catástrofe.

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