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terça-feira, 1 de abril de 2014

A Marcha da Família e o Muro de Berlim

Felizmente a Marcha da Família organizada no domingo retrasado foi um belíssimo e retumbante fiasco. Confesso que o resultado me deixou aliviado, mas também bastante surpreso. Não imaginei que o movimento seria tão esvaziado, especialmente considerando as opiniões que vemos por aí, de um conservadorismo quase chulo. Não consigo deixar de me indagar: por quê?

Alinhavar explicações de ordem causal é sempre complicado em História - aliás, no campo das humanidades, em geral. No entanto, parece-me oportuno traçar algumas considerações acerca da situação, especialmente comparando a marcha original e seu triste remake.

Antes de tudo, me parece essencial lembrar a diferença das conjunturas internacionais em torno dos dois episódios, aspecto que me parece de altíssima relevância. Afinal de contas, a marcha de 64 se deu em plena Guerra Fria, em meio à atmosfera de polarização ideológica que se sabe. A "ameaça comunista" era muito mais tangível e, em certo sentido, real. A Revolução Cubana estava logo na esquina, ora bolas! Creio que faltou à versão atualizada esse apelo de perigo iminente. Em tempos em que a maior potência "socialista" fabrica i-phones, quem vai dar crédito aos psicóticos delirante que vêm o neoliberalíssimo PT como um antro de "stalinistas bolivarianos" [sic]? O Muro de Berlim caiu, mas os "marchadeiros" não parecem ter percebido.

Por outro lado, acho que faltou UDN! Os partidos de oposição foram suficientemente espertos para não endossarem essa roubada, assim como a grande mídia. Nos tempos que correm, nem a Globo quer segurar essa batata quente; eles sabem que a verdade é dura... Também vale lembrar que a Dilma não é exatamente um Jango.

Por fim, o panorama religioso do Brasil mudou muito nos últimos 50 anos. Em 1964, a Igreja Católica era claramente hegemônica, em todos os sentidos: no número de fiéis, em sua relevância política e social, em seu prestígio cultural arraigado. Vivemos hoje num país sem identidade religiosa prediminante, marcado por ampla diversidade de credos e cultos. Por sinal, a própria Igreja Católica mudou muito em suas relações com a política nacional, mantendo uma presença muito mais sutil. Além disso, os católicos não são mais os mesmos; o processo de secularização da cultura brasileira se encontra muito mais acentuado. Ouso imaginar que haja hoje muito menos católicos "praticantes" e que esses "pratiquem" muito menos que os de 64.

Em suma, acho que a marcha de 2014 evidencia muitas das mudanças políticas, sociais e culturais vividas  nas últimas décadas, no Brasil e no mundo.

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