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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Madruga e Girafales: 2 professores

Texto do amigo Tiago de Souza - brilhante como sempre:

O dia dos professores passou. Como diria a Chiquinha: "Sim. E daí?!" Logo, vale a pena falar sobre essa cena que pra mim é um baita exemplo do "que fazer" e do que "não fazer" com o conhecimento e com o que tudo que se decide "passar" ao aluno. E serve para uma reflexão sobre o que é ser professor.

Ela é muito conhecida de quem gosta de Chaves, desde sempre me marcou muito e hoje, revendo tudo, algumas coisas fizeram sentido. Não, meu exemplo de professor ideal não é o Seu Madruga. Nem o Girafales. O que eu não entendia era porque ele estava falando sobre aquele assunto em uma sala de aula. Acho que depois de 14 anos dando aula (sim... Comecei novo no ofício) eu comecei a perceber que tanto o "utilitarismo" rasteiro do seu Madruga quanto o êxtase do prof. Girafales são importantes para um professor.

Durante toda a série o Girafales tenta ensinar aos alunos conteúdos que pra eles não fazem sentido. Claro que para um catecúmeno eles nunca fazem, mas é tarefa do professor organizar uma narrativa que faça sentido para eles. Seja um professor de História que está falando sobre as revoltas do Brasil Colônia seja um baterista que está falando sobre paradiddles. O problema do Girafales é que ele está mais preocupado com a "bagunça" dos alunos e não percebe que em todas as suas outras aulas eles estão atentos, quietos (claro que as vezes esporros são necessários...) e tentam compreender a importância e a utilidade de tudo o que está sendo transmitido. Por exemplo, no episodio sobre a "Chinfurínfula", Chaves vai fundo na pergunta: até onde vão os limites na arte? E quando a Chiquinha reclama que "já me bastam os problemas que tenho na vida" e o Nhonho chora porque "matou as Antilhas", o que temos são os alunos dando dois recados ao mestre: afinal, porque estamos estudando isso? Será que você não percebeu que nossa imaginação é muito mais ampla do que o seu plano de aula diz que é? Planos de aula, assim como na guerra, só funcionam até tudo começar.

Aí vem o seu Madruga.

Com uma retórica veloz, uma interpretação cômica mas que espuma seriedade e para o deleite de todos - inclusive do professor Lingui... digo, Girafales - ele traz um assunto que faz sentido. Os alunos foram fisgados. Bingo! Se a aula tivesse continuado, eles poderiam perguntar sobre diversos porquês: qual a composição química do tal veneno? Porque afinal, tomamos choque? A aula poderia ser de Química, poderia ser de Física... E também não poderia. De repente eles poderiam se surpreender: o assunto da aula poderia ser o Nazismo. Sim! Se o Madruga estendesse o raciocínio ele poderia dizer que, como alguém que vê uma caveira numa garrafa e ignora o aviso que explica o seu conteúdo assim aconteceu na Alemanha da década de 30. E pode acontecer no Brasil de hoje. "Porquê a pessoa quis beber a garrafa professor?!" Chaves perguntaria. "Porque sim, tonto!" diria Kiko. Aí entraria o conteúdo que apenas Girafales possui: ideologia, as massas e a prática política, o "veneno" que foi o totalitarismo nazista, as leituras de Hannah Arendt, a semiótica aplicada a caveira do aviso, enfim... A aula - e a mente - estaria nos trilhos.

Seu Madruga é divertido, mas seu utilitarismo tem limites. Professor Girafales é um erudito, mas cuja sabedoria nem sempre é como os cafés que ele toma com a dona Florinda: ela nem sempre é compartilhada.

 Muitos professores repudiam o tipo de conhecimento e a vivência que os alunos têm. Muitos preferem se posicionar como os sabichões eruditos e ignoram as necessidades dos alunos. Muitos são escravos do currículo. Muitos estão ali pra "complementar a renda, meu negócio é tocar". Muitos querem apenas "bombar" o Lattes. Mas muitos, apesar da infeliz situação em que nosso país se encontram buscam ser híbridos. Unem em uma única pedagogia a metodologia"madrugoniana" com o referencial teórico "girafaleano". São "monstros", mas monstros do bem. E são eles que me inspiram até hoje.

O mestre que não se importa em enumerar todos os faraós do Egito mas prefere mostrar como o poder baseado na religião é um veneno e aqueles que mostram que melhor do que ter um paradiddle veloz é saber que aquilo é apenas "uma" palavra das diversas possíveis e que em certos momentos "falar rápido" é ridículo - é justamente para esses que eu desejo, com muito atraso, um feliz dia nosso.

Por mais professores como esses.

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