Segundo a revista Veja, ao sair da cadeia, o coronel Mauro Cid teria feito curiosa declaração: “A gente é leal ao superior, mas protege o subordinado” - formulação estranha, para dizer o mínimo.
A única lealdade lícita e legítima que se espera de um militar é ao povo brasileiro, às instituições republicanas e à Constituição.
A relação entre superior e subordinado é um vínculo profissional e impessoal, regida apenas pela hierarquia militar e pela cadeia de comando; para além disso, nenhuma "lealdade" é necessária. Se o superior age de modo legal e legítimo, cabe o dever profissional; se o superior age fora da lei, qualquer lealdade é traição à República, ao povo brasileiro e às próprias Forças Armadas que, em suas atribuições institucionais, só podem ser prejudicadas por espúrios pactos particulares de lealdade.
Semelhante lealdade só se entende em função das mesquinhas picuinhas de caserna, tristemente comuns ou, pior, de inconfessáveis mutretas - igualmente comuns; não raro, picuinhas e mutretas caminham de mãos dadas. Nesse sentido, o leal subordinado aceita de bom grado a posição de cúmplice dos mal-feitos de seu superior, em detrimento dos interesses legítimos pelos quais se espera que trabalhe.
Por outro lado, que tipo de proteção um subordinado pode esperar em troca de sua lealdade? Proteção contra o que, ou contra quem?
Só se compreende tal proteção em termos de apadrinhamento para todo tipo de bocadas e peixadas das quais muitos militares se valem para obter promoções, cargos, indicações, transferências e outros benefícios. Tais relações de apadrinhamento tampouco servem à missão institucional das Forças Armadas, que precisam sempre das pessoas mais competentes no desempenho de cada função, e não das melhor relacionadas na caserna.
Em que outras circunstâncias um subordinado leal precisaria da proteção dos superiores? Quem age corretamente está devidamente protegido pela probidade de sua própria conduta; só se precisa de proteção especial para o cometimento de atos ilícitos, imorais ou indecorosos.
A equivocada fala de Mauro Cid parece mais adequada no âmbito de relações feudais, regidas pelos vínculos entre senhor e vassalo - o que pode ser muito bonito em romances de cavalaria, mas é completamente inadequado no contexto da ordem militar moderna.
Mas a declaração também remete a outra prática, quiçá mais afim à casta de militares à qual pertence o coronel Cid: lembra tremendamente as relações de "omertà" que se esperam entre mafiosos, unidos por laços de extremada lealdade contra as forças da Justiça.
Pensando melhor, a fala de Cid não é nada estranha - é exatamente o tipo de coisa que se espera ouvir de um coronel que sai da prisão, devidamente ataviado por uma tornozeleira eletrônica...