“A
três dias de distância, caminhando em direção ao sul, encontra-se Anastácia,
cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por pipas. Eu deveria
enumerar as mercadorias que aqui se compram a preços vantajosos: ágata, ônix,
crisópraso e outras variedades de calcedônia; deveria louvar a carne do faisão
dourado que aqui se cozinha na lenha seca da cerejeira e se salpica com muito
orégano; falar das mulheres que vi tomar banho no tanque de um jardim e que às
vezes convidam – diz-se – o viajante a despir-se com elas e persegui-las dentro
da água. Mas com essas notícias não falaria da verdadeira essência da cidade:
porque, enquanto a descrição de Anastácia desperta uma série de desejos que
deverão ser reprimidos, quem se encontra uma manhã no centro de Anastácia será
circundado por desejos que se despertam simultaneamente. A cidade aparece como
um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma
vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada
além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder que às vezes se diz maligno e
outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de
ágatas, ônix, crisóprasos, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos
desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia, quando
não passa de seu escravo”.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Desejos e escravidão
Trecho de Cidades invisíveis, de Ítalo Calvino; grifo meu:
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