-É bom ver o pessoal saindo da apatia. Mas não nos enganemos
com a força dos números. Havia milhares de pessoas, mas é LITERALMENTE
IMPOSSÍVEL saber exatamente com que causas cada um ali estava comprometido.
Nesse momento, a euforia é compreensível, mas a reflexão é imprescindível. É
preciso pensar com seriedade até onde essa movimentação pode nos levar. Essa
efervescência pode nos conduzir a realizações maravilhosas ou a desastres
monstruosos. Há que ter esperança, há que ter otimismo, mas a prudência também
se faz necessária.
-Na hora que corre, mais vale a dúvida sábia que a certeza
enganosa.
-Seria falacioso pensar em um movimento; na verdade, já se
tornou óbvio que existem muitos movimentos diferentes acontecendo em caráter de
simultaneidade, operando numa efêmera convergência; por sinal, as linhas de
fratura já estão aparentes.
-Cuidado com as adesões precipitadas. Como sempre, há
manipuladores de plantão prontos para tirar proveito dessa mobilização. Não
somos ingênuos o suficiente para duvidar que nesse exato momento inúmeras
mentes nos mais variados escalões do governo, nos mais diversos partidos
políticos, nos grupos empresariais, nos grupos de comunicação, DENTRO E FORA DO
BRASIL, planejando como lidar com a situação presente e como aproveitá-la para
atingir suas próprias finalidades (sejam elas quais forem).
-Aos que participaram pessoalmente das manifestações,
tenham a sensatez de evitar a postura de
donos da verdade e "testemunhas oculares" da História. Num fenômeno
dessa magnitude, o que se pode "ver com os próprios olhos" é quase
nada. Ninguém, absolutamente ninguém tem como adotar uma perspectiva complexa,
completa e abrangente a partir do pouco que viu. Antes de acusarmos A, B ou C
de mentirosos, cabe lembrar que cada um só conseguiu ver uma ínfima parte de
tudo que estava acontecendo. Como dizia Sócrates, "a verdade não está com
os homens, está entre os homens".
-A terra está fértil. Agora, precisamos escolher que
sementes plantar. É necessário usar criatividade, estudar tenazmente quais são
as esferas em que cada um de nós pode dar sua contribuição. A ação precisa ir
muito além das ruas. Ela precisa encontrar seus espaços em todas as
instituições públicas e privadas. Particularmente nós, servidores públicos,
devemos assumir uma postura mais ativa em nossos espaços institucionais de
atuação profissional. A boa e velha desobediência civil pode ser um caminho
útil. Lembrem-se de Gandhi. Lembrem-se de Luther King. Recusar-se a cumprir
ordens iníquas é um bom começo.
-Já temos bastante movimento; precisamos agora de mais
pensamento. Meditar e agir caminham juntos. Fica o convite para todos os
intelectuais brasileiros. Historiadores, filósofos, sociólogos, antropólogos,
linguistas, artistas, jornalistas, contribuam com suas análises, opiniões,
questionamentos. Divulguem suas ideias através de todos os meios a seu alcance.
Escrevam textos! Façam desenhos! Gravem vídeos! Enfim, se expressem. É hora de
semear. Há muitos anos não vemos um momento tão propício para a
intelectualidade sair de trás dos muros da academia e dialogar com as
multidões. Abandonando velhos ranços, dediquemo-nos ardorosamente às tarefas de
educar e divulgar conhecimento.
-O império inquestionado da grande mídia acabou. Viva! Contudo, não
convém subestimá-la ainda...
-As redes sociais e demais ferramentas de comunicação são
instrumentos importantes. No entanto, não podemos esquecer por um momento
sequer que as organizações que as proporcionam são grupos privados, com donos,
acionistas e objetivos próprios. Elas são essenciais agora, mas a longo prazo é
necessário pensar em outras alternativas viáveis, em outros canais de
convergência.
-O diálogo é condição sine qua non para que possamos
encontrar novos caminhos. Gritar é bom; conversar é melhor ainda. É necessário
saber falar e saber ouvir.
-Temos que mudar nosso país, mas também precisamos enxergar
dentro de nós mesmos o que precisa ser mudado em benefício da coletividade.
-Evitemos posturas maniqueístas. Não há heróis ou vilões,
bandidos ou mocinhos. Apenas pessoas. Algumas delas são bem intencionadas.
Outras agem de má fé. Algumas são críticas. Outras ingênuas. Algumas sabem o
que querem. Outras não. Cada um faça o melhor a seu alcance.
-Ante a falta de clareza e a cacofonia de discursos,
abster-se de participar das manifestações de rua é uma escolha política mais
que válida.
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