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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Bolsonaro perdeu - E agora?

A derrota de Bolsonaro é algo a comemorar, mas superestimá-la significa um grave erro. Convém agora abandonar quaisquer delírios triunfalistas e encarar as duras realidades. Grandes desafios se anunciam para os próximos dias, semanas, meses e anos.

Tudo indica que teremos dois meses de turbulenta transição até a posse de Lula.

Bolsonaro foi derrotado, mas o "neo-lacerdismo" que ele cavalgou continua vivo e perigoso. As eleições para o poder Legislativo foram uma tragédia, com destaque para o Senado. O mesmo pode ser dito de inúmeros governadores eleitos ou reeleitos.

Nunca é demais lembrar que Bolsonaro foi derrotado por um triz e a troca de presidente, por si, não sanará os problemas que a presente gestão nos trouxe, com sua sanha autoritária, flagrante desrespeito à Constituição e menosprezo pelas instituições democráticas.

Com ou sem Bolsonaro, o antipetismo seguirá sendo uma força social relevante e o clima de polarização sociopolítica pode se agravar, se não formos vigilantes. Nosso maior desafio para os próximos quatro anos é desarmar essa bomba. Isso requer abrir mão de certo senso de superioridade moral que parte da esquerda há muito cultiva.

Precisamos entender, com a máxima clareza, que os eleitores de Bolsonaro são nossos concidadãos, e não nossos inimigos. 

É chegado o momento de baixar armas, construir pontes e buscar novas vias de diálogo com esses milhões de brasileiros que pensam de modo diferente de nós. Me recuso a acreditar que todos os eleitores de Bolsonaro sejam racistas, misóginos e homofóbicos com inclinações fascistóides. Suponho que boa parte deles votou mais contra Lula que a favor de Bolsonaro. Uma parcela desse eleitorado certamente adere completamente ao discurso odiento de Jair Messias Bolsonaro, mas quero crer que sejam uma minoria. Tendo a concordar com a lúcida fala do rapper Mano Brown em 2018:

Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, que me respeitavam, me amavam, me serviam café, atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros. Não posso acreditar nisso. Essas pessoas não são tão más assim. Se em algum momento a comunicação do pessoal aqui falhou, vai pagar o preço. Se não conseguir falar a língua do povo vai perder mesmo. Falar bem do PT pra torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício. Errou, vai ter que pagar mesmo. Não gosto de clima de festa. O que mata a gente é a cegueira. Deixou de entender o povão já era.

O medo paranoico de coisas como a instauração de um regime comunista ou da "cristofobia" (para ficar apenas com alguns exemplos) não corresponde a objetos reais, mas é uma realidade subjetiva para aqueles que o vivenciam. Atacar essas pessoas ou rotulá-las de modo pejorativo só tende a reforçar e confirmar essas paranoias - justamente o oposto do que necessitamos.

O desejo de revidar é certamente forte, mas devemos resistir a ele com todas nossas forças. Precisamos cultivar a paciência necessária para ouvir o que cada um tem a dizer (por desagradável que nos pareça) e responder com serenidade - não com a pretensão de convencer ou converter ninguém, mas simplesmente de reduzir o terrível nível de tensão social que tanto tem intoxicado as relações sociais nas mais diferentes esferas de convívio. 

A democracia não existe sem diálogo com o diferente e sem a busca de pontos de interesse comum que permitam a coexistência pacífica entre os cidadãos. A polarização que vem solapando nossa democracia se alimenta do ódio, da discórdia e da desconfiança; o primeiro lugar em que devemos buscar extinguir essas emoções é dentro de nós mesmos. Pouco adianta afirmar o triunfo do amor se estivermos, nós mesmos, repletos de ódio.

Como disseram algumas pessoas, "derrotamos Bolsonaro, agora precisamos derrotar o bolsonarismo" - e a única ferramenta para isso é cuidar das feridas que trazemos. Não se apaga um incêndio com gasolina, nem se cultiva a paz com palavras rancorosas. Ofensas, zombaria e menosprezo nunca cativaram ninguém.

Precisamos entender que estamos todos em um mesmo barco chamado República Federativa do Brasil, um barco que atravessa uma tempestade e cujo naufrágio só pode ser evitado se houver entendimento entre seus tripulantes.

Precisamos restaurar e reconstruir, laboriosamente, tudo que foi arruinado nesses últimos anos. Não existe caminho para superar nossos problemas coletivos sem passar pela reconciliação. Nesse sentido, um grande exemplo para nós deve ser Nelson Mandela que evitou cuidadosamente tomar atitudes revanchistas após a abolição do apartheid na África do Sul, contribuindo para a superação de uma terrível divisão histórica, marcada pela mais brutal segregação.

Vale sempre lembrar as palavras de uma das maiores lideranças políticas do século XX, Martin Luther King, que também entendia muito sobre o poder do rancor e a importância da reconciliação:

Ódio e amargura nunca podem curar a doença do medo; só o amor o pode fazer. O ódio paralisa a vida; o amor a liberta. O ódio confunde a vida; o amor a harmoniza. O ódio escurece a vida. O amor a ilumina.

Convém ressaltar que, para Luther King, o "amor" não era questão de sentimentalismo piegas, mas sim de uma atitude desafiadora, de uma radical abertura ao outro, com suas contradições, mesmo as mais abomináveis:

É muito difícil gostar de algumas pessoas. O gostar é controlado pelo sentimento e é muito difícil gostar de alguém que bombardeia sua casa; é muito difícil gostar de alguém que ameaça seus filhos; é difícil gostar de congressistas que passam todo o seu tempo tentando derrotar os direitos civis. Mas Jesus nos diz para amá-los, e amar é mais sublime que gostar.

Muitos de nós passaram os últimos meses afirmando que o amor venceria o ódio; mas esse não é o tipo de vitória que se alcança e conquista nas urnas, como em um passe de mágica. Para que o amor realmente vença o ódio, precisamos promover essa vitória dentro de nós mesmos e fazer com que ela alcance aqueles que estão ao nosso redor em nossa vida cotidiana - caso contrário, o ódio permanecerá vitorioso sobre o amor, e tudo não terá passado de um slogan eleitoral vazio como tantos outros.



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