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sábado, 18 de fevereiro de 2017

Crivella, Rei Momo e o triunfo da Quaresma

"Desde a inauguração do Sambódromo, em 1984, este ano será a primeira vez que um prefeito em início de mandato não participará do carnaval do Rio. Marcelo Crivella pretende viajar — para um destino ainda não divulgado - e não estará na Sapucaí durante os desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial. Nem mesmo a entrega da chave da cidade para o Rei Momo, que marca a abertura oficial das festas, será feita por ele, que ainda aguarda uma liberação da Câmara de Vereadores".

A matéria veiculada hoje no jornal O Globo me lembrou um já clássico texto do historiador Peter Burke, intitulado O triunfo da Quaresma, onde o autor aborda todos os esforços empreendidos pela Reforma e pela Contrarreforma para disciplinar as sociedades cristãs, marcando um "triunfo da Quaresma" sobre as manifestações "carnavalescas" da cultura popular.

Nesse sentido, achei muito curiosa e evocativa a esquiva do prefeito, não entregando a chave da cidade para o Rei Momo.  Enfim, detesto Carnaval e sempre passo o feriado enclausurado (com trocadilho) em casa; até entendo o Crivella, de certo modo, mas creio que um prefeito tem certos deveres culturais e compromissos tácitos para com a coletividade que se dispôs a governar...

Transcrevo abaixo um texto (inédito) onde resumi essa ideia, para um livro didático de Ensino Médio (publicação marcada para 2018!):


Outra característica importante da vivência religiosa na Europa moderna foram os esforços empreendidos por católicos e protestantes para disciplinar a sociedade, impondo valores preconizados pelas igrejas cristãs. Autoridades católicas e reformadas desejavam purificar a cultura popular, cujas práticas caracterizavam como vestígios das antigas religiões pagãs, que eles consideravam inspiradas por forças diabólicas.

Assim, foram realizados esforços de repressão e censura aos costumes considerados imorais, desde manifestações da religiosidade popular às atividades recreativas das camadas mais baixas da população, como frequentação de tavernas, contos folclóricos, festas, danças, jogos de dados e cartas, simpatias, práticas divinatórias, entre outras. Tais atividades eram objeto de rígidas proibições e até castigos violentos, como encarceramento ou execução. Autoridades católicas e reformadas tentavam assim impor uma ética severa e austera, baseada em valores como decência, ordem, prudência, razão, sobriedade e trabalho. Nos casos português e espanhol a Inquisição foi o principal instrumento de implementação dessa disciplina.

As práticas de magia simpática eram particularmente visadas, resultando na brutal repressão às pessoas acusadas de bruxaria. O campo da sexualidade também era muito vigiado, destacando-se a perseguição à sodomia (homossexualidade). Esse esforço disciplinar empreendido por católicos e protestantes deixou profundas marcas na formação da sociedade ocidental, moldando valores, comportamentos e atitudes que ainda vemos hoje.

Réplica a um comentário no Facebook, questionando se Freixo pularia seu carnaval na Sapucaí ou na Zona Sul: Eu acho que o Freixo entregaria a chave da cidade ao Rei Momo, que é o papel esperado do prefeito nos festejos. Assumir uma prefeitura é também assumir alguns compromissos tacitamente firmados entre o governante e a população (ou setores dela). O resto é opção pessoal de cada prefeito.  Enfim, acho que justamente por ser um bispo da Universal, o gesto daria ao mandato dele a chancela (meramente simbólica, como qualquer chancela) de respeito à laicidade do Estado e à diversidade cultural da cidade do Rio de Janeiro. A decisão de Crivella falha em mostrar com clareza onde começam e terminam seus gostos pessoais, opções religiosas e compromissos ligados ao mandato - como aliás, a indicação do próprio filho à Casa Civil; parece sempre muito difícil dizer onde estão os limites entre o bispo Crivella, a pessoa Crivella e o prefeito Crivella. A título meramente comparativo, Eduardo Paes (parece que) gosta de Carnaval e soube empregar isso muito bem na elaboração de sua persona política; também é possível dizer que Crivella esteja firmando uma determinada persona através de seu gesto - resta saber para qual plateia...

Diego Velázquez. A freira Jerônima de La Fuente, 1620. Museu do Prado. “É bom esperar em silêncio o Deus Salvador”, diz a frase no alto da pintura.

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