Nossas neuroses nos tornam incrivelmente previsíveis.
quarta-feira, 23 de novembro de 2022
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
"O público adota as Fábricas como lar" - Entrevista com Wesley Nunes
Como funcionam as
Fábricas de Cultura?
As Fábricas de Cultura são administradas pela Organização
Social Catavento Cultural e Educacional e funcionam a partir de uma política
pública do Estado de São Paulo. Elas estão localizadas em pontos estratégicos
das periferias de São Paulo - há uma em São Bernardo do Campo e recentemente foi
inaugurada outra na cidade de Santos. Este ambiente fornece cursos voltados
para a formação artística - entre eles posso citar Balé, Street Dance,
Circo, Capoeira, Violão, Violino,
Percussão e muitos outros. O maior foco é para crianças e adolescentes, entretanto,
há cursos para adultos e para o pessoal da terceira idade. Não há custo nenhum de
mensalidade, nem de matrícula. Além disso, são fornecidos instrumentos para os
aprendizes e um lanche. As aulas duram três horas e são realizadas duas vezes
por semana para as crianças e adolescentes; há aulas em um número menor
direcionadas ao público adulto no período noturno e aos sábados. O espaço também
dispõe de biblioteca, teatro e promove diversos eventos. Ao pensar na
Fábrica de Cultura penso em um grande polo cultural de ensino. E não posso
deixar de mencionar que as Fábricas estão passando por um processo de
atualização e irão fornecer cada vez mais cursos nas áreas de
tecnologia.
Como você avalia o
impacto das Fábricas de Cultura na vida do público participante? Você poderia
citar algum caso que marcou você, nesse sentido?
O público adota as Fábricas como lar. Converso com os
funcionários mais antigos da casa e a frase que mais ouço é "Eu vi essa menina
e esse menino crescerem". Há o ensino das artes e o envolvimento cultural através
de atividades realizadas na biblioteca e pelos ateliês de ensino e isso é
maravilhoso. Porém, tenho que destacar o impacto social e a construção da
cidadania. Os alunos fazem amizades, desenvolvem a empatia e passam a possuir
um olhar diferenciado sobre a sociedade que os cerca. Converso com os
aprendizes e é incrível como eles possuem uma visão aberta. Eles enxergam o
bairro ao redor deles, mas também a cidade e o país como um todo. Até os sonhos
deles são grandes. Vejo que a Fábrica de Cultura conseguiu se inserir nas
periferias e demonstrar que mudanças e uma vida melhor são possíveis.
Todo dia tem um caso marcante. Já ouvi criança de oito anos
com um brilho nos olhos dizendo que quer ser advogada e pedindo livros; um
garoto tocando como um profissional e com os trejeitos de um guitarrista; uma
garotinha com uma necessidade especial feliz por poder jogar capoeira; um
aprendiz que saiu da fábrica e hoje se apresenta na Europa; as mães e pais
orgulhosos ao ver uma apresentação; um garoto interessado no Balé, meninas
querendo jogar xadrez e os abraços de aprendizes que não tem medo de demonstrar
amor e acabam encontrando um belo caminho para serem felizes. Tudo isso é
marcante.
Qual é a sua história
com o programa? O que significa, para você, trabalhar na Fábrica de Cultura?
Antes de trabalhar na Fábrica a minha relação era de
expectador. Ao começar, a minha vida mudou. Sou muito grato por poder fornecer
educação, reflexão e entretenimento para as pessoas. Como em qualquer trabalho, existem não só os números como também as metas. Elas são alcançadas junto com a
satisfação de ver vidas sendo mudadas. Perco a conta das crianças que entram só
para usar o computador e um tempo depois fazem amizades, se interessam pelos
cursos, pegam livros emprestados e... elas simplesmente se soltam. Nada mais
recompensador que ver pessoas leves e livres. Até mesmo eu sinto-me assim. Perdi
muito da minha timidez, conheci novas artes e, principalmente, vejo esperança.
Estive muito tempo esperando uma grande revolução gerada a partir de redes
sociais. Hoje, ao ver a mudança florescer aos poucos no mundo real, sinto-me
feliz com o meu andamento profissional e pessoal - lidar com esperança me deixou
mais leve para lidar comigo mesmo e com os outros.
Na sua opinião, que
lições o programa pode oferecer para se pensar as políticas públicas de Cultura
no Brasil? Que contribuição iniciativas como as "Fábricas de Cultura"
podem oferecer não apenas a seu público alvo, mas à sociedade brasileira, como
um todo?
Primeiramente, o programa já quebra muitos estereótipos de
que o brasileiro não gosta de arte; de que na periferia nada vai para frente e
de que o brasileiro não tem jeito. A Fábrica de Cultura forma cidadãos que
estão interessados em atuar na sociedade, ter uma profissão e exigir direitos enquanto
tem a plena noção de quais são os seus deveres. É um local perfeito para
complementar os estudos da escola. Aliás, vendo a Fábrica atuar, eu penso em
como a escola pode ser diferente. Arte deve ser parte importante na formação do
jovem: estimula a empatia, ensina sobre responsabilidade e melhora a
interpretação da realidade a sua volta.
Acredito que a Fábrica como um todo pode ensinar a importância da arte na
formação do jovem, do adulto e do idoso. Também pode ensinar sobre empatia;
acreditar em sonhos e a não só respeitar como também exigir melhorias no
bairro, na cidade e no país. Um local que acolhe, ensina e diverte provoca
apego. Tendo essa relação estabelecida, o cuidado para com ele será consequência.
Sonho que este apego seja multiplicado para as escolas, hospitais, tribunais,
transporte público e outros setores vitais para a sociedade.
Agradeço por me dar a oportunidade de falar de um local que
gosto tanto!
sábado, 12 de novembro de 2022
sexta-feira, 11 de novembro de 2022
Aviso aos incautos
Na última semana circulou bastante na Internet a capa da revista Money Week, acompanhada da tradução: "Aposte no Brasil - Ele liderará a economia global". Entusiastas de Lula acolheram a novidade com grande empolgação - afinal de contas, após quatro anos ridicularizados na mídia internacional, é natural que se queira ver o Brasil em posição de destaque internacional, ainda mais "liderando" a economia global.
Mas há que se ter cautela na interpretação da dita capa - bem como da matéria correspondente.
Embora simpática, a arte de capa apresenta o Brasil basicamente como exportador de commodities e turismo - a parte que sempre nos coube no latifúndio global. Vale também observar que a frase original, "It will drive global economy" é bastante ambígua. "To drive" não necessariamente significa "liderar". Eu traduziria principalmente como "Ele movimentará a economia global". Nenhuma das definições do verbo "to drive" no Merriam-Webster se traduz bem por liderar. Há imensa diferença entre movimentar/aquecer a economia e liderar a economia.
A própria ideia de "apostar no Brasil", no jargão financeiro, é pouco alvissareira para nós - especialmente considerando o público-alvo da revista. Apostar tem conotação muito diferente de investir. No mercado financeiro, apostar geralmente é sinônimo de alto retorno em curto prazo, com pouco compromisso. Bom pro capital especulativo; péssimo para o povo brasileiro.
Convém ainda ressaltar que a imagem do futuro presidente como vendedor ambulante acolhendo os "gringos" é bastante problemática. O entusiasmo desmedido pela simples capa de uma revista estrangeira diz muito sobre o modo como nos vemos no mundo, sempre carentes de (supostos) elogios vindos "de cima" - parte integrante de nosso famoso "complexo de vira-lata".
Não é questão de pessimismo - o grande problema é que o povo brasileiro já viu esse filme mais de uma vez e sempre termina com o Brasil endividado, quebrado e à beira do colapso social. A elite econômica nacional quase sempre enriquece no processo e, no final da festa, o "povão" é que paga a conta e fica com a ressaca. Ou a gente aprende com os erros ou fica repetindo.
O texto da matéria propriamente dito, que pouca gente parece ter se dado ao trabalho de ler, confirma parcialmente esses temores. Muito embora não encoraje o investimento especulativo de curto prazo, o texto ressalta os custos relativamente baixos de se investir no Brasil, com uma elevada relação custo-benefício - ou seja, a grande oportunidade se refere menos a questões de ordem qualitativa que aos valores de investimento comparativamente baixos que o Brasil oferece em relação outras economias emergentes.
A "grande aposta" sugerida aos potenciais investidores estrangeiros é na velha trinca agropecuária (café, açúcar, soja, milho, carne bovina e biocombustíveis), mineração (níquel e ferro) e petróleo - mais do mesmo: os séculos passam, mas a cana-de-açúcar continua sendo um dos melhores negócios da Terra de Santa Cruz. A bem dizer, não é improvável que se trate de matéria paga pelas empresas e fundos mencionados na última página como boas opções de negócio no Brasil. Não se trata de avaliação econômica desinteressada; todo o texto é direcionado a potenciais investidores/especuladores. O entusiasmo agroexportador, por sinal, tende a desabastecer o mercado interno e não é nada bom para a gente, que só quer botar comida na mesa.
Para variar, não somos os convidados do banquete; somos o prato principal...