Os primatas do planeta Terra nos surpreendem ao cabo das translações solares.
Nos anos 50, no auge da paranoia macartista, Batman era acusado de induzir os meninos à homossexualidade; quem diria que décadas depois ele seria acusado de "fascista" pelas militâncias de esquerda... Coitado do morcegão!
O personagem salta há mais de 80 anos pelos telhados de Gotham City e já foi abordado de inúmeras maneiras ao longo dessas décadas.
É curioso que as militâncias digitais andem mais preocupadas com a fortuna Wayne que com o Batman propriamente dito. Qualquer leitor atento sabe que Bruce Wayne, o entediado playboy milionário, desde a primeiríssima história, sempre foi apenas a máscara do Batman.
Na história inaugural, publicada na revista "Detective Comics 27" em maio de 1939, Batman figura desde o começo como protagonista. Wayne aparece durante toda a narrativa apenas como um jovem cuja frivolidade chega a ser casualmente lamentada pelo Comissário Gordon. Só nas duas últimas vinhetas ocorre a revelação: Batman é Bruce Wayne. O milionário fútil, entojado e almofadinha talvez até causasse alguma antipatia aos jovens leitores que tiveram a honra de testemumhar a estreia do Cavaleiro das Trevas.
Para todos nós que viemos depois, é impossível saber, pois lemos desde a página 1 sabendo que Wayne e Batman são a mesma pessoa. Há de fazer diferença.
Quanto a Batman ser um "espancador de pobres", vale lembrar que o vilão da primeiríssima aventura era um milionário que assassinava os próprios sócios para dominar sozinho o negócio. Batman surgiu combatendo um "capitalista selvagem".
De resto, elucubrações excessivas sobre as dinâmicas sociais e políticas de Gotham City, uma cidade ficcional, beiram o ridículo. Como bem sinalizava David Mazzuchelli, desenhista de "Batman-Ano Um", uma das histórias mais icônicas do personagem, quanto mais realismo se tenta aplicar ao fantasioso universo dos super-herois, mais evidente se torna o absurdo da premissa original.
Vale notar, inclusive, que "Ano Um", publicada em 1987, mostra um novato Batman em confronto com uma Gotham City decadente e degradada, dominada por empresários gananciosos e mafiosos associados a um prefeito e uma força policial corrupta. Uma das sequências mais emblemáticas da série mostra Batman invadindo um banquete dessa predatória elite e anunciando sua cruzada por Gotham: "Senhoras e senhores, vocês comeram bem. Comeram a riqueza de Gotham... Seu espírito. O banquete acabou. De hoje em diante nenhum de vocês estará a salvo".
Digna de nota também é a longa sequência de aventuras do Batman produzidas pelos engajados Dennis O'Neil e Neal Adams nos anos 70, entusiastas da contra-cultura da época, muitas vezes abordando temáticas sociais com uma abordagem nada elitista. Uma dessas histórias chega a retratar Batman ajudando guerrilheiros contra um regime ditatorial em um fictício país latino-americano!
Desde sua primeira aparição nos quadrinhos em 1939, Batman figurou em literalmente milhares de obras midiáticas, incluindo HQs, livros, animações, séries televisivas, filmes e video-games, entre outras, com abordagens variadíssimas. Há versões de Batman para todos os gostos e desgostos.
Reduzir Batman a um sádico milionário fantasiado de morcego para espancar bandidos pobres é algo tão simplório que beira o ridículo. Mas é desse tipo de reducionismo que se alimentam as paixões políticas e as querelas estéreis e ociosas.
Discursos bobos e superficiais como o do meme acima só trazem descrédito àqueles que os reproduzem e banalizam questões sérias como violência urbana e desigualdade social; pouco contribuem para o debate público e até fortalecem as forças políticas que pretendem criticar.
#Reflita
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