Não sou grande coisa como enxadrista.
Isto esclarecido, acabo de concluir uma das partidas mais interessantes que já joguei - contra uma inteligência artificial, digamos, razoável. Em todo caso, uma inteligência artificial forte suficiente para destroçar meu jogo, deixando-me apenas com o rei, um bispo, uma torre e um punhado de peões contra um poderoso batalhão.
Apesar da desvantagem, segui resistindo - ou sobrevivendo - xeque após xeque, sem grande esperança de virar o jogo, adiando o inevitável xeque-mate.
No entanto, oportunidades inesperadas acontecem. Uma breve sequência de erros do adversário ofereceu a fugidia oportunidade de capturar uma torre com meu bispo sobrevivente. Pouco depois, consegui realizar um xeque com minha única torre.
Com paciência e persistência ia capturando peças adversárias com o bispo e usando a torre para alguns xeques providenciais. Perdia um peão aqui e ali, mas paulatinamente reduzia minha desvantagem.
Me restavam apenas dois peões bastante avançados, mas bloqueados desde o início do jogo, quando tive refresco suficiente para remover os obstáculos usando o bispo. Duas jogadas depois pude promover um desses peões a rainha. Daí em diante, usando essa rainha e a torre consegui eliminar todas as ameaças restantes.
Capturado o último cavalo adversário, restavam apenas os dois reis, minha rainha, minha torre, meu derradeiro peão e o intrépido bispo. Nas jogadas seguintes não foi difícil usar rainha e torre para cercar o oponente até o xeque-mate.
Esse é, provavelmente, o mais doce tipo de vitória em qualquer gênero de jogo: sofrida, sob opressiva desvantagem, sempre a um passo da derrota, com poucas expectativas razoáveis de virada - até que, súbita, tênue, quase inacreditável, surge uma ínfima oportunidade, nada além de um vislumbre de esperança na hora mais sombria. Todavia, agarrando tenazmente essa quase desesperada esperança, mero fio de luz num labirinto de trevas, faz-se possível alcançar a saída.
Apenas um bispo, na casa certa, na jogada certa, pode fazer toda a diferença. Bem aproveitada, uma ínfima oportunidade pode iniciar uma grande mudança. Para alcançar tal oportunidade, pode ser necessário passar por duras perdas, suportar inúmeros reveses e resistir jogada após jogada, apesar de nenhuma esperança tangível.
Assim também é nas pequenas e grandes coisas da vida. Suportando, dia após dia, as adversidades, às vezes chega aquele breve, inefável momento que abre a pequenina porta que conduz para fora do sombrio labirinto, transmutando a insustentável desvantagem em doce vitória.
Por certo, a vida senpre termina num xeque-mate, mas como lembra a encantadora Sonmi de Cloud Atlas, os verdadeiros vencedores são aqueles que conseguem vislumbrar um xeque-mate depois do xeque-mate...
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