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domingo, 26 de julho de 2015

Chapolim, herói subversivo

Apesar de seu cada vez mais estrondoso sucesso mundial, o gênero artístico "super-herói" parece ser um fenômeno exclusivamente ianque. Raramente um super-herói sério produzido fora dos Estados Unidos obtém sucesso. Por incrível que pareça, acho que o Chapolim Colorado é o único grande êxito internacional do gênero criado fora dos EUA, ou pelo menos um dos maiores êxitos - mas, obviamente, não se trata de uma obra séria. Talvez seja, justamente, uma exceção que confirma a regra. Mas como explicar esse êxito? Uma explicação tentadoramente simples é que nós, latinoamericanos, não levamos nossos respectivos países a sério, fazendo sentido que nosso herói seja uma figura picaresca. Contudo, me parece possível explorar mais profundamente o pitoresco personagem.

Para tanto, lancemos primeiro nosso olhar sobre seus equipamentos, a começar pela famosa "marreta biônica". Um martelo de combate é uma arma de natureza violenta e brutal, destinada ao esmagamento de carnes e ossos. No caso de Chapolim, o malho representa uma imagem nitidamente inofensiva, composto de plástico em cores berrantes. Não transmite ideia de peso ou dureza. Parece um brinquedo, pois é, com efeito, um brinquedo. Provoca o riso, evoca certo distanciamento da realidade, e convida o espectador à brincadeira. Ninguém vai se machucar de verdade. Nenhum crânio será esmagado. Uma cabeça realmente contundida provoca medo, piedade, censura, mas um golpe da "marreta biônica" nos faz rir.


Por outro lado, temos a pílula de polegarina (ou nanicolina). Em geral, os heróis buscam instrumentos que os tornem mais fortes e poderosos, que os engrandeçam, ao passo que as pílulas reduzem o Chapolim, tornam-no fraco e vulnerável. Um gato ou um rato tornam-se ameaças temíveis para o encolhido herói. Outra inversão, ou subversão.


Para encerrar a questão dos equipamentos, lembremos a "corneta paralisadora", cujas aparições são raras, porém marcantes. Ao realizar seu efeito paralisante, constitui uma negação do movimento, enquanto as capacidades da maioria dos super-heróis tendem normalmente à ampliação do movimento, como a força do Hulk, a velocidade do Flash ou a capacidade de voo do Superman. Se, em grande medida, os super-heróis constituem pessoas "ampliadas", o Chapolim, pelo contrário, pode ser considerado, em sentidos tanto simbólicos quanto literais, uma pessoa "reduzida".


Os bordões do personagem também são indícios interessantes para interpretá-lo. "Meus movimentos são friamente calculados" e "suspeitei desde o princípio" são frases que geralmente pontuam situações onde se passa justamente o contrário, ou seja, quando Chapolim mostra menos destreza ou perspicácia, onde ele se mostra a antítese do super-herói, desastrado e tolo.

Em muitos episódios, Chapolim é vítima de abusos verbais ou físicos, e reage, encarando o espectador: "Se aproveitam de minha nobreza". O bordão também costuma ser empregado quando o personagem se vê pressionado a agir de determinada maneira. Ambas as situações denotam a vulnerabilidade do protagonista, bem como seu papel muitas vezes passivo, ao contrário do que normalmente se passa nas narrativas de super-heróis - por exemplo, Batman e Superman, dois dos arquétipos máximos desse universo raramente perdem o controle da situação, enquanto Chapolim parece quase sempre ser um joguete das circunstâncias. Por sinal, o herói mexicano muitas vezes não age movido por seus princípios, precisando ser insistentemente coagido, ao que responde com seus clássicos "sim, eu vou..." ou "sim, eu faço..."

Por vezes, o personagem consegue, numa reviravolta, dominar os problemas, pronunciando seu vitorioso "não contavam com minha astúcia". No entanto, é bom salientar que essa astúcia do Chapolim jamais se configura como as hábeis e meticulosas manobras do Batman, mas sempre como fruto de um feliz improviso. É uma astúcia de malandro, de pícaro, não de estrategista.

Em seus atos e palavras Chapolim parece sempre agir às avessas do que se espera de um super-herói. Talvez por isso viva confundindo a sabedoria comum articulada pelos ditados e provérbios, invertendo e distorcendo sua lógica e valores. O caráter confuso e caótico do personagem talvez se expresse em sua forma mais eloquente através do bordão "Palma, palma, não priemos cânico!", subversão extrema dos códigos linguísticos, que também revela o ambíguo código de ética do Chapolim, onde os termos se subvertem: o herói se dispõe a ajudar os vilões, ou pior ainda, põem-se a agredir as próprias pessoas que viera ajudar. Definitivamente, o Chapolim não é confiável.

Por fim, todas essas características parecem convergir para a própria emblemática do personagem. Chapulines são pequenos insetos da América do Norte.



No entanto, há que se ressaltar uma peculiaridade: trata-se de um inseto consagrado a usos culinários, geralmente cultivados para consumo. Sua forma de consumo mais comum é torrado e temperado com sal, alho e suco de lima.


A maioria dos super-heróis ou vilões de inspiração animal usa como "totem" alguma espécie grande ou ameçadora: morcego, tigre, carcaju ("wolverine"), lince, leopardo, urso, lobo, tubarão, rinoceronte, águia, falcão, gavião... Mesmo nos casos de pequenos insetos ou artrópodes, trata-se de animais relativamentes agressivos, como aranhas, escorpiões ou vespas. Em uma palavra, os emblemas no universo dos super-heróis remetem normalmente a espécies de predadores. Os chapulines são justamente o contrário, isto é, presas, animais destinados ao consumo e à alimentação humana. Animais que os seres humanos comem, não animais que temem. Retornamos, de certo modo, à imagem da "marreta biônica": uma arma inofensiva, que não inspira medo.

Mais ainda, animais criados em cativeiro, os chapulines são criaturas domésticas, inofensivas dominadas pelo ser humano, enquanto a maioria dos emblemas animais usados no mundo dos super-heróis remete a espécies selvagens, que escapam ao nosso domínio e controle. Não temos um Homem-Cachorro, uma Mulher-Vaca, um Super-Cavalo, um Garoto-Bode ou uma Menina-Ovelha. Tais figuras não inspirariam temor ou respeito, mas riso - como o Chapolim. Sob esse aspecto, a figura da Mulher-Gato parece bastante reveladora: é uma personagem perpetuamente dividida entre o mundo da lei e da justiça e o submundo do crime, tal como os gatos são animais semi-domesticados, imperfeitamente domados e controlados, imprevisíveis, divididos entre o lar e a rua, a meio caminho entre a cultura e a natureza.

Assim, esse pequeno ensaio sobre o Chapolim nos conduz a uma dupla conclusão: é um herói latinoamericano não apenas porque rimos dele, mas porque o associamos a uma série de imagens culturalmente arraigadas, cristalizadas e reificadas acerca da própria América Latina: fraco, tolo, desastrado, passivo, malandro, paralisado, vulnerável, pouco confiável. E assim, o aceitamos como nosso herói, porque consideramos a nós mesmos dignos (apenas?) do riso, da caçoada, do deboche. Parafraseando De Gaulle, não somos "países sérios".

Por outro lado, o contraste entre o Chapolim e os super-heróis "sérios" expõe melhor algumas das raízes desse gênero: o selvagem, o indomável, o  natural, aquilo que não pode ser controlado. Não seria Superman uma verdadeira força da natureza? Fruto de uma cultura industrial, os super-heróis revelam o quanto de "arcaico" ou "primitivo" ainda persiste em nosso espírito, o quanto tais emblemas ainda constituem uma mitologia apelativa a nossas sensibilidades. Como já dizia Lévi-Strauss, o "pensamento selvagem" continua presente entre nós e em nós...

6 comentários:

Marcos Passini disse...

Luiz, ótimo texto. Adorei a sacada sobre a ambiguidade da Mulher-Gato e do animal gato. Acrescentaria um ponto: ela também é ao mesmo tempo vilã (inimiga) e apaixonada pelo Batman. Abraço,

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Bem lembrado, Marcos. Nesse sentido, a entrega ao amor de Batman seria uma forma de domesticação, que a faria sair do mundo da natureza/crime e entrar no mundo da cultura/lei. Mas, para isso, creio, ela deveria deixar de ser a Mulher-Gato; mas o próprio nome da personagem não representaria em si uma ambiguidade e um conflito, entre suas duas tendências, a mulher (humanidade/cultura) e a gata (animal/natureza)? Acho que é uma dualidade inerente à personagem, sem a qual ela seria integralmente mulher OU gata. Aliás, o universo dos super-heróis faz pensar que nossa cultura industrial e cartesiana expulsou o antropozoomorfismo de nosso imaginário pela porta, mas que o deixou retornar pela janela. Um tanto freudiano, não? É interessante notar que uma das HQs cruciais durante o retorno de Batman a seu lado sombrio é uma história ilustrada pelo Neal Adams (roteiro de Denny O'Neil, creio) que começa justamente por uma splash page com o rosto do Coringa em close, com um sorriso enorme, onde o texto compara seu sorriso aos dentes escancarados de um tubarão. Me faz lembrar de diversas observações de Lévi-Strauss em "O pensamento selvagem"...

Tiago Ribeiro disse...

Ótimo, Luiz!!! Acho que vc fez uma análise perfeita. Se fizermos um paralelo com o Super Sam, fica mais clara ainda essa propensão do sul-americano, representado pelo Vermelhinho, para vira-latas.

Outra característica interessante é que, enquanto os super-heróis tentam resolver problemas que ameaçam o planeta, Chapolim dispende seu precioso tempo para procurar um caderninho de anotações sobre pedras. Digo, "Aerolitos". Isso talvez mostre como o povo sofrido das Américas pobres têm muito mais atenção aos detalhes do dia-a-dia do homem comum, como a lata de água que um vizinho leva prontamente quando falta água num vilarejo.

A crença no misticismo, no sobrenatural, também representam nosso povo. Bruxas, múmias, abomináveis homens das neves (ou naves), Almas Negras, espíritos, são recorrentes nos episódios, cujos finais sempre revelam armações totalmente humanas para tais fatos "sombrios".

Poxa, podíamos ter escrito juntos!!! Vamos fazer parcerias! Quero voltar a escrever esses artigos.

Abraço e parabéns!!!!

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Pois é, Tiago, o paralelo com o Super Sam seria interessante. De fato, Chapolim normalmente se ocupa das situações mais comezinhas, até procurar bilhete de loteria! A questão do sobrenatural também é bem interessante; pretendo escrever algo nesse sentido examinando a figura da Bruxa do 71, mas também seria interessante fazer essa ponte com o Chapolim. Acho que há aí uma pista interessante sobre o processo de "desencantamento do mundo", apontado por Weber. Há uma estética bastante semelhante no Scooby Doo, onde todos os "monstros", na verdade, são humanos picaretas. Aliás, a coisa mais anormal nesses desenhos é o próprio Scooby Doo! Grande abraço!

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thales disse...

Um texto simplesmente fabuloso e sui generis. Chapolim não merecia menos. Eu sempre fui fascinado com a complexidade psíquica e simbólica deste personagem,que transcende a simples comédia. Parabéns por ter percebido tudo isso é expresso com maestria tão lapidar, Luís.