Hoje, pela janela do táxi, como numa tela, vi um pedinte na Radial Oeste, já um tanto idoso, talvez precocemente envelhecido pelas durezas da vida. Sem camisa, corpo e rosto exibiam as marcas da miséria e da indigência. Aquele homem, nitidamente, é um sobrevivente do construto barroco e surrealista que costumamos chamar "Brasil", simbolicamente - talvez literalmente - descendente dos "desclassificados" e "indesejáveis" de outrora.
Em nossa fantasia, gostamos de imaginar futuros "pós-apocalípticos", onde alguma catástrofe qualquer (guerra nuclear, epidemia, colapso ecológico...) reduz a humanidade inteira à condição de miséria extrema, sobrevivendo como pode nos destroços da civilização ocidental. Em nossas confortáveis vidas de classe média, fantasiamos mundos pós-apocalípticos através das páginas de algum livro ou de uma tela (de cinema, TV ou smartphone); bastaria olhar através da janela do táxi, do carro, do ônibus, do trem, do metrô (Linha 2)...
Quando passamos pela Radial Oeste, pela Linha Vermelha ou pela Cracolândia do Jacarezinho temos vislumbres de um mundo "pós-apocalíptico", aqui e agora. Vislumbramos tudo isso de passagem, sempre de passagem.
Heróis sobreviventes em ficções pós-apocalípticas costumam ser galãs hollywoodianos caracterizados com certo glamour decadente, sobreviventes bem-alimentados "kicking-ass" com figurino e maquiagem "gritty" num Far-West futurista. Ilusões para uma classe média que se olha num espelho deformante (e importado).
Aquele senhor que vi hoje é um Mad Max da vida real, entre tantos outros que vagam pelas grandes metrópoles mundo afora, aquém da Cúpula do Trovão...
As margens das sociedades humanas sempre foram apocalípticas; o "pós" é perfeitamente dispensável.
sábado, 4 de janeiro de 2020
Post-Apocalypse Now
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Um comentário:
Triste realidade do nosso rico e excludente país!
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