Há muito tempo me interesso, enquanto historiador, pelo estudo de universos de fantasia. De fato, sei mais sobre a História da Terra Média e da República Galática do que sobre História Contemporânea. A Bordúria e a Sildávia também não me são estranhas, assim como o Nuevo Rico e San Teodoros de Tintin, sem falar de Rawajpoutalah. Ultimamente ando fascinado pelo legendarium de Krabat, sobre que pretendo escrever um post em breve. Além disso, minha esposa e eu temos mergulhado profundamente no universo de Harry Potter. Levo esse aprendizado - quase - a sério, o que me consome muitas horas. Particularmente os estudos sobre o mundo de Star Wars já viraram uma mania bastante cara. Todo esse investimento financeiro, emocional e, principalmente, intelectual vale a pena, enquanto aprendizado filosófico?
Devo confessar que minha resposta é positiva. O cotejo entre esses mundos fantásticos e realidades históricas tem sido muito esclarecedor em inúmeros momentos. Frequentemente a comparação entre situações ficcionais e reais tem me ajudado a compreender melhor as últimas, abrindo caminho para perspectivas novas. Por exemplo, estou atualmente lendo um livro sobre Star Wars que me possibilitou vários insights interessantes a respeito da transição da República ao Principado em Roma, especialmente o papel da Guerra das Gálias nesse processo. Outro bom exemplo foi o jogo Aragorn`s Quest, sobre o qual escrevi um post recentemente.
Em alguns casos, os universos ficcionais nos convidam a refletir sobre questões mais universais. A recente releitura de Krabat, de Otfried Preussler, me facultou importantes questionamentos a respeito das relações do ser humano com o poder e suas inúmeras contradições e ambiguidades. Da mesma forma, as complexas relações entre Voldemort e seus Comensais da Morte tem motivado curiosas reflexões acerca das intrincadas sobreposições de medo, amor, ambição e convicção que podem levar alguém a seguir um líder carismático.
Curiosamente, essas observações vão ao encontro de minhas recentes leituras de Lévi-Strauss, particularmente de Tristes tropiques e Histoire de lynx. Me despertaram a atenção as discretas observações do autor a respeito das possibilidades estruturais da língua e da mitologia em expressar virtualmente todas as combinações sociais imagináveis, que já existiram, existem ou existirão na vida real, mas também aquela dos mundos míticos e imaginários. Me deparei com essa afirmação primeiramente em Histoire de lynx, num magnífico capítulo onde analisa os escritos de Montaigne.
No entanto, ainda mais interessante é certa passagem de Tristes tropiques, onde o antropólogo se apropria do modelo da sociedade das cartas esboçado por Lewis Carroll, em Alice no país das maravilhas, aplicando-o como modelo de compreensão a respeito dos Kadiwéu do Planalto Central. A inusitada comparação rende belíssimas páginas no capítulo sobre essa nação indígena.
Guardadas sempre as devidas proporções e a sobriedade de comparação, o conhecimento dos universos de fantasia pode se revelar muito mais esclarecedor do que parece à primeira vista, levando a inesperadas perspectivas sobre o estudo das culturas e sociedades humanas.
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