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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Era outra vez no Rio de Janeiro - A esperança resgatada por um gato

A vida tem maneiras curiosas de agir. Na última semana, minha esposa e eu tivemos o desprazer de testemunhar uma estarrecedora situação de caos e brutalidade urbana. Hoje, a Mui Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro nos mostrou outra face, mais amável e benigna.

Desde a noite passada, por volta das 19 horas, se fez incessantemente ouvir um miado de gato filhote nas cercanias de nosso prédio. O bichano causava dó, miando e miando, ao que tudo indica durante a madrugada inteira. Quando despertamos hoje, por volta das 6 da manhã, o felino continuava com sua lamúria.

Mesmo preferindo cães a gatos, minha esposa e eu ficamos preocupados com o bichinho. Por volta das 9 da manhã os moradores da casa em frente saíram à rua em busca do animal. Da janela, vimos quando eles localizaram o animal, aparentemente preso dentro do capô de um carro. Eles tentaram resgatar o gato de várias maneiras - em vão. Cerca de meia-hora mais tarde, quando as tentativas de resgate de nossos vizinhos não alcançaram êxito, buscamos os serviços públicos.

Primeiro tentamos contato com a Prefeitura, pelo 1746. Fomos muito bem atendidos por uma simpática moça que, todavia, não tinha como ajudar, pois os abrigos municipais já se encontram lotados. Buscamos então o Corpo de Bombeiros. O atendente foi muito solícito ao tomar nota sobre o caso e avisou que o quartel mais próximo entraria em contato conosco assim que possível.

No meio da manhã, o gato parou de miar. Pensamos que talvez tivesse conseguido escapulir, estivesse dormindo ou, infelizmente, estivesse morto. No entanto, enquanto preparávamos o almoço, o "fulano" voltou a seu insistente miado. Cogitamos da possibilidade de empreender, nós mesmo, o resgate. No entanto, consultando sites de organizações de proteção aos animais, vimos que isso seria pouco aconselhável - poderíamos acabar nos machucando, ou ao animalzinho. A recomendação que encontramos era que se recorresse a serviços especializados, como os bombeiros ou a polícia.

Liguei novamente para a central dos bombeiros. Desta vez, pouco minutos depois recebi uma ligação: era um cabo do Corpo de Bombeiros, pedindo mais detalhes sobre o caso. Assim que passei as informações, ele disse que comunicaria o fato a sua oficial, que deliberaria sobre os procedimentos.  Para nossa imensa surpresa, menos de meia-hora depois um caminhão e uma caminhonete dos bombeiros paravam à frente de nosso prédio. Enquanto me arrumava para descer, minha esposa foi à varanda falar com os bombeiros.

Chegando à rua, os vizinhos da casa em frente já estavam na calçada, e um morador de nosso prédio também se aproximou para ajudar. Os cinco bombeiros se puseram a examinar o carro com uma lanterna, em busca do gato - na verdade, ele se movimentava livremente dentro do motor, assustado conosco. Meu vizinho de prédio conhecia o dono do automóvel (outro morador de nosso prédio) e, para abreviar a história, conseguiu entrar em contato telefônico com ele, que se encontrava muito longe e impossibilitado de vir abrir o capô do carro, mas autorizava os bombeiros a arrombarem o veículo para o resgate - o que, conforme um dos bombeiros esclareceu, eles poderiam legalmente fazer, com ou sem autorização.

Nesse ínterim eu encontrara o porteiro de nosso prédio, que afirmou que mais cedo outra moradora tentara regata-lo. A senhora teria colocado um pouco de comida, fazendo com que ele saísse de seu esconderijo, mas retornando logo depois, quando ela avançou para apanha-lo. Um outro passante relatou que o animal de fato não estava preso, pois também o tinha visto saindo e retornando ao motor. Diante dessas informações, os bombeiros acharam melhor não arrombar o carro, já que o gato conseguia sair por conta própria.

Pedi mil desculpas aos bombeiros por tê-los feito vir à toa, mas eles foram muito simpáticos ao se despedirem. Um deles me tranquilizou afirmando que eu os chamara "por uma boa causa". Do episódio ficou a excelente impressão de que nossos bombeiros estão realmente a postos para ajudar, com dedicação e empatia, em ocorrências grandes ou pequenas - e isso não é pouca coisa!

Mas a história não estava concluída. O animal passou o resto da tarde miando e, por volta das 17 horas, um bocado de pessoas se mobilizou para resgatar o felino. Da janela, minha esposa e eu acompanhávamos ansiosamente. Nessa segunda tentativa, nove pessoas chegaram a se mobilizar pelo animal.

Após cerca de uma hora e inúmera peripécias que seria cansativo descrever, o animal foi resgatado. Um filhotinho bem pequenino, de pelo malhado, um pouco assustado com tanta gente a seu redor - e, ainda assim, estranhamente dócil, aconchegado no casaco emprestado por uma adolescente que ajudava na "operação". Os bravos salvadores tiraram uma selfie com o animal, enquanto minha esposa e eu aplaudíamos de nossa janela.

Um final feliz de vez em quando é bom para alegrar o coração e acalentar a esperança - especialmente após o medonho episódio de confronto urbano de dias atrás.

Há algo indescritivelmente belo em ver tantos seres humanos mobilizados pelo bem-estar de um simples animalzinho. Ao longo do dia, nada menos que dezesseis pessoas se reuniram para ajudar o gatinho, em um gesto de solidariedade que atravessa as fronteiras entre espécies.

Do episódio me ficam dois pensamentos esperançosos: o primeiro é que, apesar de todo o sucateamento e caos na administração fluminense, nossos serviços públicos (e seus servidores) ainda conseguem agir em prol da coletividade; o segundo, e mais importante, o lembrete de que podemos ser mais que bestas furiosas, quando as circunstâncias despertam o melhor que há em cada um de nós. 

Quando abrimos nosso coração ao pequenino, ao vulnerável, quando nos mobilizamos em favor do necessitado, quem quer que seja ele, algo insondavelmente poderoso se manifesta em nós - a potência oculta, muitas vezes esquecida ou menosprezada, que costumamos chamar de "Amor".

Há algo de profundamente simbólico no gatinho encurralado dentro do motor de um automóvel - a natureza como que aprisionada no coração dos mecanismos de nossa civilização moderna. Mais que nunca, fico com a certeza de que apenas no Amor podemos encontrar as forças para vencer os tremendos desafios que nosso mundo impõe, com suas engrenagens frias e, muitas vezes, cruéis.

Como dizia Victor Hugo, "amar é agir", e na ação amorosa (com um pouquinho de paciência e engenhosidade) se manifesta uma força capaz de libertar o menor dos seres dos mais opressivos grilhões.




2 comentários:

rosidourado disse...

Que bacana! Que belas reflexões sobre o cotidiano, que guarda essas gratas surpresas.

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Pois é, amiga. Esse tipo de experiência reaviva um pouco nossa esperança no ser humano.