Newsletter

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Oficina de Clio - Newsletter

Inscreva-se na newsletter para receber em seu e-mail as novidades da Oficina de Clio!

Nous utilisons Sendinblue en tant que plateforme marketing. En soumettant ce formulaire, vous reconnaissez que les informations que vous allez fournir seront transmises à Sendinblue en sa qualité de processeur de données; et ce conformément à ses conditions générales d'utilisation.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Kataguiri, Bolsonaro e a democracia putrefata

Na última semana a ministra Rosa Weber, do STF, recusou uma queixa-crime do deputado federal Eduardo Bolsonaro contra o colega Kim Kataguiri, por calúnia e difamação. Entre outras questões, o Sr. Bolsonaro se queixava do uso do apelido "Bananinha", que tem circulado na Internet desde uma declaração jocosa do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República Federativa do Brasil.

O insólito episódio diz muito sobre o atual estado de nossa democracia, que nunca foi muito saudável, mas parece ter piorado terrivelmente nos últimos anos.

Antes de mais, deixo claro que não tenho qualquer simpatia por Kataguiri, por Lula ou pelo clã Bolsonaro, mas acho no mínimo contraditório que o Sr. Eduardo Bolsonaro recorra à Justiça contra Kataguiri, considerando que seu próprio pai, ora presidente da República, não hesita em mentir, espalhar boatos e manter uma conduta, em linhas gerais, indecorosa. Entre outras pérolas, o Sr. Bolsonaro foi o primeiro presidente do Brasil a conjugar o pitoresco verbo "escrotizar" em um pronunciamento oficial, além de ter tratado jornalistas com palavras de baixo calão mais de uma vez. Como este blog se dá ao respeito, pouparei o nobre leitor de maior aprofundamento em torno do escatológico florilégio presidencial. 

No que tange a injúrias pessoais, no entanto, creio que Bolsonaro jamais desceu tão baixo como ao tratar repetidamente o ex-presidente Lula por epítetos como "vagabundo de nove dedos", entre outros similares, aludindo jocosamente à mutilação sofrida por Lula em seus tempos de metalúrgico. Doenças, mutilações, malformações e situações similares são o tipo de coisa com o qual gente civilizada não faz brincadeiras. E é simplesmente nauseante ter como presidente de nossa República uma pessoa que não respeita as mínimas questões de decoro que deveriam ser óbvias para qualquer cidadão educado - no sentido mais elementar da palavra.

Diante de todo o histórico de grosseria e deselegância da família, causa espanto que o sr. Eduardo Bolsonaro ainda tenha a audácia de buscar a Justiça por conta de um comportamento que lhes é tão costumeiro. Mas atitudes contraditórias e incongruentes são exatamente o que se espera de pessoas com caráter dúbio.

Uma das partes mais elementares do convívio social é a reciprocidade. O ser humano costuma esperar do semelhante atitudes semelhantes a suas próprias - bem por bem, mal por mal. Idealmente, deveríamos seguir a "regra de prata", "não fazer ao outro aquilo que não gostaríamos que nos fizessem" e, mais ainda, a "regra de ouro", "tratar ao próximo como gostaria de ser tratado". Todo ser humano adulto e sério tem esses princípios em mente em suas interações sociais e, na maioria das vezes, temos consciência de que a transgressão dos mesmos costuma redundar em algum tipo de reação.

Ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal pedindo que regule uma questão de ofensa pessoal entre ele e um terceiro, o sr. Eduardo Bolsonaro deixa evidentes sua imaturidade e falta de seriedade. Age como uma criança mimada que se julga no direito de ofender a todos, mas que não aceita ser ofendido de volta. Como diz a sabedoria popular, "quem fala o que quer, ouve o que não quer". Seria de se esperar que um deputado federal fosse capaz de agir como uma pessoa adulta que aguenta as consequências de seus próprios atos, mas evidentemente não é o caso.

No entanto, a briga entre Kataguiri e Bolsonaro evidencia um mal-estar mais profundo, que corrói a democracia brasileira nos últimos anos. O ambiente do debate político em nosso país tem se tornado cada vez mais deletério - tanto por parte dos políticos quanto, em sentido muito mais amplo, pelos cidadãos. Ofensas e grosserias se banalizaram em diversas esferas de convívio cotidiano. Esse tipo de atitude dificulta seriamente o diálogo democrático.

A simples eleição de uma figura que se comporta como o Sr. Jair Messias Bolsonaro ao cargo de Presidente da República já sugere que há algo de muito errado com o exercício da cidadania no Brasil. Não se trata aqui de discutir santidade, pureza ou qualquer coisa semelhante. Se trata meramente da capacidade de manter a mínima compostura na esfera pública - o que, diga-se de passagem, se espera de todo servidor público. Durante décadas a total falta de decoro parlamentar de Bolsonaro enquanto legislador foi tolerada, confirmando que na república brasileira não há limites para o despudor. Eleito Bolsonaro, o problema subiu a outro patamar.

No entanto, os Bolsonaro não estão sozinhos nisso. Esta é uma tendência muito mais ampla da sociedade brasileira, que se percebe em quase todos os lugares e ambientes. A noção de que a liberdade de cada indivíduo termina onde começa a do outro nunca se consolidou na cultura brasileira e essa carência só tende a piorar com a vida em grandes cidades caóticas, reforçada por uma mídia que muitas vezes endossa esse tipo de comportamento. Parece que estamos indo muito além da informalidade e da irreverência que o povo brasileiro sempre cultivou como um traço de espontaneidade e que, até certa medida, são saudáveis.

A formalidade e a cortesia são um verniz social que nos permite interagir com o mínimo de atrito com pessoas com as quais não temos intimidade, não nos sentimos à vontade ou cujo convívio nos desagrada. No entanto, enquanto coletividade, cultivamos justamente o oposto disso. Em grande medida, a grosseria e a falta de polidez são vistas como sinais de sinceridade, espontaneidade, autenticidade e mesmo de coragem. Muitos eleitores, embora desaprovassem certos comportamentos e atitudes do sr. Jair Bolsonaro os botavam na conta da sinceridade, como algo não apenas justificável, mas positivo.

Que fique bem claro, todavia, que não se trata de problema apenas de problema dos eleitores do clã Bolsonaro. Nos últimos anos se viu todo tipo de comentário despropositado e injustificável por parte de seus opositores. Muita gente que se queixava de atitudes machistas para com Dilma Roussef não via problemas quando o alvo da piada fosse Marcela Temer, Michelle Bolsonaro, Janaína Paschoal ou qualquer outra figura do campo "rival".

Não se trata de estabelecer uma falsa simetria a pretexto de equanimidade. Bolsonaro e seus eleitores mais entusiastas ultrapassam e muito os limites do que seria tolerável e admissível - ainda mais de gente que se jacta de ser cristã, defensora da moral e dos bons costumes. Não custa enfatizar ainda uma vez: Bolsonaro não criou o problema, o elevou a outro patamar e lhe deu uma visibilidade inédita - dentro e fora do Brasil.

Não há democracia que se sustente sem respeito entre os cidadãos. Parece que Eduardo Bolsonaro sentiu isso na própria carne - sentiu tanto que precisou recorrer a arbitragem judicial. 

O que convém desde já indagar é se queremos que as coisas continuem assim ou se deixaremos que piorem ainda mais. Sanear o debate político em nosso país é tarefa que cabe a cada um de nós, não apenas na relação com o outro, mas na reflexão sobre nossas próprias atitudes. Se cada um de nós se observar com a devida atenção, constatará que ainda temos muito a melhorar em nosso trato com nossos concidadãos.



Nenhum comentário: