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quarta-feira, 25 de março de 2020

COVID-19 e os Adoradores de Mamom

Texto do brilhante historiador, percussionista, musicólogo e teólogo Tiago de Souza, de cuja amizade muito me orgulho

Sobre o pronunciamento, sobre a crise pandêmica e sobre a lógica cachaceira do "simbora pra rua meu povo".

Acho que esse texto será curto.

Eu ia participar de uma live ontem, mas o Instagram entrou em colapso antes que nosso sistema de saúde, então... me permitam apresentar meu olhar de historiador sobre todas essas questões.

Pensa aí: o que a explosão do Vesúvio, a Peste Negra, o terremoto de Lisboa, a explosão do Tambora, do Krakatoa, a gripe espanhola tem em comum? Aliás, com relação ao plano de reconstrução, o que nos difere de todas essas crises?

A resposta é simples: em todos os acontecimentos apontados, tanto os indivíduos quanto os governos agiram DEPOIS da tragédia. Eles foram pegos de surpresa. Foi tudo muito rápido. Não havia tempo nem forcas suficientes para lidar com a força da natureza, desde os tremores que sacudiram Lisboa até a ação do bacilo da peste. Contra a natureza não há argumentos.

A cor da baleia em Moby Dick é branca e não e a toa. É a cor da neutralidade.

A natureza não escolhe a quem ceifar.

Nós sim.

Falaremos sobre isso no fim do texto.

Provavelmente você vai me odiar quando chegar lá.

Após as milhares de mortes, os governos (cada um com sua estrutura específica) realizaram ações de recuperação que iam desde leis feitas a canetadas dentro de carruagens (caso do Marques de Pombal em Lisboa) até planos inteiros de reestruturação econômica. A preocupação IMEDIATA era a vida. Era preciso enterrar os mortos, sim. Era preciso salvar sua própria vida. Sim. Mas era preciso agir para que o prejuízo HUMANO IMEDIATO não fosse pior.

E aqui não se entrava no mérito da economia. Não no curto prazo.

No curto prazo, o que importava era a vida.

Não se comparava Lisboa com Nápoles.

Não se comparava Java com Pompéia.

Não se dizia: "Mas em 1755 fizeram assim e assado, logo, porque quando faço isso em 1883 todo mundo reclama?"

Não se dizia "ninguém reclamou do rei fulano quando ele disse isso... Porque reclamam do meu rei agora?"

A única coisa que importava era diminuir os mortos e ajudar IMEDIATAMENTE a quem precisava.

Pessoal, as pessoas no século XIV (eu escrevi SÉCULO QUATORZE!!!) tinham mais consciência de vida do que nós. Diante da mortandade que assola ao meio dia, diante da peste que anda na escuridão, diante da praga que se aproxima da tenda elas FUGIRAM e depois disso, se preocupavam com a VIDA dos seus.

(Galera, desculpa, o texto vai ser mais longo do que eu imaginava porque a partir do momento eu citei Salmos, uma ideia me ocorreu. Vou falar disso em um minuto).

Quero dizer com isso que a defesa da vida, em detrimento das condições econômicas foi a ponta de lança daquelas pessoas. Observe a História! Enquanto o flagelo acontecia as pessoas NÃO PENSAVAM EM EMPREGOS, não pensavam em ECONOMIA, não pensavam em EMPRESAS.

Enquanto o cavalo amarelo da morte galopava, as pessoas buscavam salvar os seus em primeiro lugar. E depois, assim que o trotar e o bufar do cavalo de demônio diminuía sua marcha, indivíduos tratavam de suas economias e governos estabeleciam planos de contenção e reconstrução.

Sabem de uma coisa?

Todos nós somos IDOLATRAS.

UM BANDO DE ADORADORES DE MAMOM, disfarçados de crentes, de ateus, de espíritas, de umbandistas, de judeus... disfarçados de bolsonaristas e de esquerdistas.

Todos nós estamos preocupados com o amanhã do NOSSO BOLSO, ao invés do amanhã DO NOSSO PRÓXIMO.

O presidente foi dúbio em um momento em que não se poderia ser, foi polêmico quando não deveria ser. E parem de culpar a Globo.

A culpa é do MAMOM que habita nosso coração.

A culpa é do receio do desemprego, da recessão... E eu entendo isso. Mas o que eu não entendo é esse medo DOMINAR a mente de vocês. Dominar a nossa mente. Dominar a nossa cosmovisão. Vocês estão ouvindo?

Não estão?

O barulho de máscaras caindo.

Nossas máscaras de bons costumes.

(A explosão do Krakatoa foi ouvida a mais de 5 mil quilômetros de distância. O barulho das nossas máscaras caindo no chão foi ouvida no céu. Foi ouvida por Deus).

De repente você não sabe o que é Mamom.

Deixe eu contar uma pequena história.

Jesus certa vez estava conversando com as pessoas e, em um dado momento, ele disse:

"Vocês não podem adorar a Deus e a MAMOM ao mesmo tempo...".

Existem pelo menos duas explicações a esse respeito. Na primeira, o termo "mamom", de origem aramaica, servia para designar a soma dos bens terrenos: posses e dinheiro. Não era um deus oficial de qualquer culto pagão, mas se constituía, e ainda se constitui, verdadeiramente, um ídolo universal, pois nos tesouros materiais o homem coloca o coração. Dessa forma, a palavra traduzida para o português como Mamom em algumas bíblias foi especialmente escolhida pelos autores para passar essa ideia de que a riqueza pode ser um senhor, um deus, um alguém que as pessoas seguem e que acaba levando-as para longe de Deus. No texto em que Jesus fala sobre servir a dois senhores (Mateus 6:24) note que Jesus personifica a “riqueza” como se fosse uma pessoa, um “senhor” que poderia ser servido pelas pessoas e não meramente um objeto, bens ou dinheiro que as pessoas têm. Ele faz isso para fortalecer o argumento de que as riquezas podem ser um deus para as pessoas, como se fossem realmente algo com que elas pudessem interagir pessoalmente.

Na outra possível interpretação, "Mamom", em maiúscula no início, seria um deus da Mesopotâmia e que simbolizava o dinheiro.

A parte qualquer discussão histórico-linguistica-teologica, pense:

Qual é a preocupação IMEDIATA de alguém que mesmo diante do que está acontecendo na Itália e na Espanha diz: "Vamos voltar pra rua! O Brasil não pode parar!"

Resposta:

MAMOM.

Repito:

MAMOM.

Novamente.

MAMOM.

Nossas mentes e corações estão corroídos pela riqueza, pelo dinheiro, pela preocupação com a economia, pela preocupação com o bolso. E o demônio - o mestre dos disfarces, o paladino da caozagem, o Rambo da lorota, o samurai da enganação, o Beethoven das estripulias - faz você pensar:

"Mas se o país quebrar vai morrer muito mais gente!"

Vai. Vai sim. Concordo.

Mas... O problema do seu argumento é justamente... o "VAI". Futuro. E o hoje? Como podemos salvar vidas HOJE?

E hoje? E daqui a duas semanas? E em abril? Como pode o ser humano ignorar o fato da letalidade da doença e só pensar em emprego... Quando pessoas podem realmente morrer a curto prazo? Lembrem-se dos exemplos anteriores! Do Vesúvio a Gripe espanhola, primeiro se cuidava dos vivos e depois se pensava no amanhã. E após a tragédia, se fazia aquilo que Pombal falou para o rei de Portugal: "enterramos os mortos, cuidamos dos vivos".

"Ah cara... Mas isso só mata velho".

Cala-te, demônio!

Na Bíblia (esse livro tão mal interpretado por nós) está escrito: "devem primeiro aprender a cumprir os seus deveres religiosos, cuidando da sua própria família. Assim eles pagarão o que receberam dos seus pais (...) pois Deus gosta disso”. (1 Timóteo 5:4).

E também está escrito em Levítico 19:32: “Diante dos cabelos brancos te levantarás, e honrarás a face do ancião, e temerás o teu Deus".

Miseráveis que somos!

Assassinos!

Deixa eu te perguntar: nós aprendemos com nossos pais que idoso pode ser deixado a morte? Foi isso que José fez com Jacó? Foi isso que Rute fez com Noemi? Foi isso que Jesus fez com Maria?!

Então, pensem bem antes de abrir a boca para dizer "mas e a economia..."

MAMOM bate palmas para vocês. As moedas tilintam de tesão pelas suas almas.

Isso... Pense mais no Paulo Guedes e menos em Jesus.

Isso... adore seu investimento e ignore a mortandade do Corona.

Isso... Se preocupe com seu emprego, mesmo que o custo dele seja a morte de alguém... Mesmo que indiretamente.

Isso.

Vamos fazer a dança macabra rumo a nossa perdição como nação, como povo, como espécie. Celebremos de mãos dadas a nossa decadência diante do próximo. Vamos mostrar pra todo mundo que os camponeses do século XIV eram mais prudentes do que nós somos. Vamos mostrar que os javaneses que se revoltaram contra o sistema que os abandonou depois da explosão do Krakatoa são mais coerentes do que nós.

Vamos mostrar que somos, como no filme do Thomas Hanks (e que ninguém viu) "matadores de velhinhos".

Vamos dançar até cairmos exaustos.

Exaustos e sorridentes com as trinta moedas de prata que Mamom nos dá.

Trinta moedas de prata.

Eis aí o custo do meu "É só uma gripezinha".

Trinta moedas.

Antes meu emprego do que mais um velho no mundo.

Que lógica infernal...

Trinta.

Eis aí o preço que italianos e espanhóis estão pagando.

Bora pra rua meu povo!

É tempo de carnaval.

É tempo de Mamom.

Tiago de Souza


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