“As semelhanças entre
as narrativas do Velho e do Novo Mundo que nos detiveram no capítulo anterior
são de outra natureza. Elas datam de uma época recente, sua origem não tem
mistério. No decorrer do século XIx, os “viajantes”, como eram chamados então,
canadenses empregados pela Companhia da Baía de Hudson, tinham com os índios
relações muito próximas.
À noite, ao redor das fogueiras,
os “viajantes” contavam, provavelmente em jargão chinook[1],
várias histórias tiradas do folclore francês. Encontramos o nome Ti-Jean (Petit
Jean) de um herói particularmente popular no Canadá em versões recolhidas muito
mais tarde da boca de contadores de história indígenas: Butcetca em shuswap, Laptissán
em nariz-furado, Ptciza em kalapuya, Kicon em cree, Ticon em ojibwa...
Entre tantas outras
ideias fecundas, Boas teve aquela de incitar jovens pesquisadores canadenses a
recolher em suas campanhas os restos de um folclore francês pelo qual,
localmente, ninguém se interessava. A coleta foi fabulosa. Ela certamente não
oferece uma imagem estática do que era o folclore francês no século XVII.
Transplantado para um novo solo, ele recebeu contribuições, sofreu influências;
ele também evoluiu de modo autônomo. Mas seu material era muito mais rico que
aquele que subsistia na memória dos contadores franceses na mesma época.
Imagina-se que os índios tenham sido seduzidos pela verve, pelo maravilhoso,
pelos detalhes pitorescos ou fantásticos de contos que, sob esses aspectos, não
perdiam em nada para os seus próprios, e onde encontravam um modelo de herói
feio e desprezado que lhes era familiar. Nada de espantoso então se eles
atribuem a Snánaz, depois de sua vitória sobre o vento, aquela sobre a besta de
sete cabeças. A versão shuswap imputa a Snánaz, ainda obscuro e ridicularizado
por sua ingenuidade, os mesmos enganos que aqueles dos quais, entre os índios
Thompson, era culpado um personagem chamado Jack, prova de sua extração
europeia. Entre as narrativas francesas e as suas, os índios rapidamente
perceberam as semelhanças, e incorporaram diversos incidentes das primeiras a
suas próprias tradições”.
[1]
Espécie de língua franca empregada entre os indígenas norte-americanos ao longo
da costa do Pacífico.
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